IME-USP

Coleção da Professora Marta Bunge é doada para a Biblioteca do IME-USP

Os livros começaram a ser disponibilizados ao público conforme foram catalogados a partir de sua chegada, em dezembro de 2023

A biblioteca da Professora Drª Marta Bunge (1938-2022) doada ao IME é formada por mais de 800 livros identificados pela etiqueta Bunge e pelo ex-libris de uma libélula. No geral, os livros englobam a área da Teoria das Categorias, especialidade da professora Bunge, cujos conhecimentos também podem ser aplicados em outras ciências (física, biologia, filosofia, etc).

Marta Bunge era professora emérita da Universidade McGill, do Canadá, reconhecida por seu trabalho em cálculo variacional sintético e topologia diferencial sintética. Em 1966, obteve seu PhD com a tese Categories of Set Valued Functors, orientada por Peter J. Freyd e William Lawvere. A partir do mesmo ano, ocupou a posição de pesquisadora de pós-doutorado na Universidade McGill, onde se tornou professora assistente em 1969, sendo a única mulher do Departamento de Matemática e Estatística por cerca de 30 anos. Tornou-se professora titular em 1985 e se aposentou como professora emérita em 2003.

A doação

A história dessa doação começa com uma amiga da família, a matemática brasileira Valéria de Paiva, que trabalha no Instituto Topos em Berkeley, Califórnia. Pioneira nas pesquisas em Teoria das Categorias no Brasil, colaborava com  a Drª Marta Bunge e já liderou e co-editou um número especial da revista Theory and Applications of Categories em sua homenagem (Volume 40 – Bunge Festschrift). 

Assim, após o falecimento da Professora Marta Bunge, seus filhos, Silvia e Eric Bunge, buscavam uma universidade para realizar a doação, quando contactaram a Dra. de Paiva para pedir ajuda. Ela, por sua vez, informou o Professor Hugo Mariano, do Departamento de Matemática do IME, sobre essa oportunidade.

Professor Noson Yanofsky organizando os livros a serem doados
Silvia e Eric Bunge
Valéria explicou: “O Hugo tem estado muito ativo na criação de um centro de Teoria das Categorias no Brasil e tenho a certeza de que a Marta adoraria fazer parte do processo de levar [a pesquisa realizada em] categorias para a América Latina.”  O Professor Mariano respondeu que o Instituto ficaria honrado em receber a biblioteca da nossa mãe, e então a jornada começou.
(Silvia e Eric Bunge)
Foi mais uma grande e ótima surpresa saber a extensão e sobretudo a qualidade e diversidade do acervo doado pela família da professora Marta Bunge. Pelo que vi, há livros excepcionais em diversas áreas, mas sobretudo os conectados à teoria das categorias e à álgebra.
(Prof. Hugo Luiz Mariano)

Outro amigo e colaborador da Drª Bunge, o Professor Noson Yanofsky, do Brooklyn College, também auxiliou no processo de doação, selecionando e embalando os livros que considerava úteis. O envio dos livros para o Instituto de Matemática e Estatística da USP, em São Paulo, foi por transporte marítimo.

Foi um processo muito longo e complicado, e encontramos desafios inesperados ao longo do caminho. Por isso, ficamos muito felizes e aliviados quando eles finalmente chegaram do Brooklyn, em Nova York, ao Instituto de Matemática e Estatística da Universidade de São Paulo! Temos uma dívida de gratidão para com o Professor Hugo Mariano, a Sra. Stela Madruga, o Professor Noson Yanofsky, a Dra. Valéria de Paiva e todos os outros que tornaram isso possível.
(Silvia e Eric Bunge)

Disposição da coleção na BIME

Ex-libris de Marta Cavallo Bunge

Todo o processo de doação durou cerca de oito meses, e a chegada dos livros ocorreu  em dezembro de 2023, quando começaram a ser catalogados e disponibilizados para empréstimos na Biblioteca do IME. Ao longo da catalogação, é conferido o estado físico dos livros (que deve ser adequado para compor o acervo), além de sua subárea para disposição na Biblioteca.

Segundo a Bibliotecária Stela Madruga, Chefe Técnica de Serviço, responsável pela Biblioteca do IME, a doação foi composta por 856 exemplares, sendo alguns pertencentes ao acervo especial, os quais podem ser consultados apenas nas dependências da  Biblioteca. Os livros da coleção podem ser identificados pela etiqueta “BUNGE” que consta na lombada, além do carimbo ex-libris de uma libélula na primeira página. Em muitos exemplares, há a assinatura da Professora Marta Bunge também na primeira página.

O símbolo do ex-libris não foi uma escolha por acaso. A filha da Profa. Marta, Sílvia, tinha lido que a libélula simboliza a sabedoria e a transformação: “perfeito para um conjunto de conhecimentos transferidos da biblioteca pessoal da nossa mãe para uma universidade”. O seu filho, Eric, recordou que uma vez, ao longo de um passeio, a Professora Marta foi seguida durante todo o caminho até sua casa por uma libélula. 

Quem foi a Professora Marta Cavallo Bunge?
por Silvia Bunge e Eric Bunge

Profª. Drª. Marta Cavallo Bunge em sua biblioteca – Eric Bunge

A nossa mãe nasceu e cresceu em Buenos Aires, após ela e o nosso pai, o falecido filósofo Mario Bunge, viverem nos Estados Unidos e na Europa antes de se estabelecerem em Montreal por décadas. Ela era uma matemática teórica com muitos interesses diversos, incluindo música, literatura, arquitetura, política e muito mais. Era uma escritora tão criativa que lhe imploramos que se aposentasse e escrevesse um romance, mas ela não queria desistir do seu trabalho. Falante nativa de espanhol, falava inglês sem falhas e era fluente em francês, italiano e grego. Era uma aventureira, nadando longas distâncias esquivando-se de barcos a motor, praticando esqui cross-country no frio intenso do norte de Montreal e organizando elaboradas viagens de família a locais distantes como o Egito e a Índia.

Ao longo da sua carreira, a nossa mãe esteve também muito envolvida na luta pelos direitos humanos, defendendo matemáticos encarcerados pelas suas convicções políticas e sensibilizando para as suas condições. Era uma leitora ávida de muitas revistas internacionais e uma crítica intransigente das nações que não defendiam os direitos humanos.

Ela foi a única mulher no seu departamento na Universidade McGill durante os primeiros 30 anos do seu cargo de professora. Vivenciou o sexismo, mas não se considerava feminista; limitava-se a seguir a sua paixão pela matemática. Não falava muito sobre o seu trabalho (nós não o teríamos compreendido), mas tem sido gratificante ouvir dos seus colegas e antigos alunos que era uma matemática brilhante, uma professora inspiradora, generosa e uma colega calorosa.

Ser matemática era tão importante para ela como ser mãe. Certa vez ela disse que os matemáticos nunca se aposentam: só param de trabalhar quando morrem. E, de fato, ela estava trabalhando numa revisão de um artigo poucos dias antes do fim da sua vida. 

Adeus a uma mãe brilhante, divertida, culta, elegante, apaixonada e destemida.

 Por: Nathalie Rodrigues | Serviço de Apoio Institucional

Colaboradores: Profª Drª Silvia Bunge, Mr. Eric Bunge, Prof. Dr. Hugo Luiz Mariano e Bibliotecária M.a  Stela Madruga

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