Lembramos que todos os resultados apresentados sobre continuidade, derivadas parciais, diferenciabilidade e derivadas direcionais para funções de duas variáveis generalizam-se naturalmente para funções de variáveis (nosso caso de interesse é ).
Note que, nas condições acima, o gráfico de está em . Deste modo, as superfícies de nível vão nos ajudar a entender melhor o comportamento de tais funções. Vejamos alguns exemplo em analogia ao caso de funções a duas variáveis.
ExemploA.7.2.
Determine as curvas nível da função dada por .
Solução.
Começamos observando que o domínio de é todo o e sua imagem é o conjunto dos reais não-negativos, indicado por . Com isso, temos , se . Vejamos o que acontece com :
:;
:. Neste caso, as soluções são exatamente pontos da esfera de raio , centrada na origem.
Observamos então que cada ponto de pertence a um e somente um conjunto de nível de .
Os dois exemplos acima são casos especiais das superfícies quádricas. Um tabela com suas equações reduzidas para os casos não degenerados pode ser vista aqui 1 . Em Álgebra Linear II você verá um método que explicita um sistema de coordenadas onde a equação de uma dada superfície quádrica se escreve na forma reduzida.
Se é uma função diferenciável e é uma curva derivável tal que a imagem de está contida na superfície de nível de , então , para todo . Utilizando uma generalização (relativamente óbvia) do Teorema A.6.4 para o , temos que
DefiniçãoA.7.6.Plano Tangente a uma superficie de nível.
Sejam uma função diferenciável e . O plano tangente à superfície de nível de no ponto é o conjunto dos vetores tangentes a todas as curvas cuja imagens contenham e estejam contidas em .
Esta equação generaliza a situação anterior, quando a superfície é o gráfico de uma função de duas variáveis, . Basta ver que a superfície de nível da função é precisamente o gráfico de e que, para todo , ou seja, , temos , de acordo com o que se segue após a Definição A.4.7. É um bom exercício recuperar a equação presente naquela definição a partir da equação (A.7.1).
Observe que nem sempre uma curva de nível de uma função é o gráfico de função . O mesmo ocorre para superfícies de nível de funções a três variáveis: a esfera acima é uma superfície de nível que não é gráfico de uma função a duas variáveis (por quê?).
Nos casos mais simples, quando as funções envolvidas são lineares, as curvas e superfícies de nível são, respectivamente, retas a planos, cujos vetores são normais são os gradientes das funções (constantes nesse caso). Tais retas ou planos são determinados resolvendo-se um sistema com uma equação e duas ou três variáveis. Para determinar, nesses sistemas, quais são as variáveis dependentes ou livres precisamos descobrir quais os coeficientes do vetor normal a esta reta ou plano são não nulos. Isso equivale à projeção da reta (respectivamente plano) de nível sobre os eixos das demais variáveis ser bijetora.
Se temos duas superfícies de nível, nesse caso mais simples planos, que não são paralelos ou coincidentes, sua interseção é uma reta. Os vetores normais de tais planos (os gradientes das funções lineares que os definem) são linearmente independentes e a direção da reta de interseção é justamente o produto vetorial desses vetores normais, já que a reta está contida em ambos os planos e portanto ortogonal aos dois vetores normais simultaneamente.
Algebricamente, encontrar esta reta consiste em resolver um sistema linear com duas equações e três variáveis. A condição para dizer quando uma das variáveis do sistema é a variável livre traduz-se na componente correspondente do vetor diretor da solução (o produto vetorial mencionado acima) ser não nula. Isso garante que a projeção da solução sobre o eixo coordenado daquela variável é bijetora.
Quando as funções envolvidas não são lineares, as curvas ou superfícies de nível deixam de ser retas ou planos, curvando-se de alguma maneira, consequentemente as soluções dos sistemas, agora não lineares, de ser retas ou planos, também curvando-se. A linearização dessa situação (considerando-se as retas tangentes às curvas de nível ou os planos tangentes às superfícies de nível) remontam aos parágrafos anteriores. Apresentamos a seguir três resultados que nos permitem, sob boas condições, escrever as retas tangentes a curvas de nível ou interseção de superfícies de nível, bem como planos tangente a uma superfície de nível.
ProposiçãoA.7.11.Planos tangentes a superfícies de nível.
Sejam uma função diferenciável no aberto e tal que . Se existe uma função derivável , com ,, tal que , e , para todo , então
e
Demonstração.
A demonstração deste resultado é análoga à anterior, considerando agora duas curvas: para cada fixado, e, para cada fixado, . Derive então, em relação a e , respectivamente, as expressões e .
O determinante que pedimos ser não nulo nas hipóteses é o que garante que podemos ter a primeira componente de não nula, que é então paralelo vetor
.
Demonstração.
Temos aqui um sistema não linear com duas equações:
Derivando em relação a , com a regra da cadeia (Teorema A.6.4), obtemos, para cada fixado e omitindo os pontos de aplicação, um sistema linear com duas equações nas incógnitas e :
Aplicando a regra de Cramer 2 para a solução de sistemas lineares, temos as fórmulas do enunciado.
Isto nos permite determinar a reta tangente a uma curva que é dada pela interseção de duas superfícies de nível, mesmo que não consigamos paramatrizá-la. Mas atenção: é necessário saber que tal interseção é uma curva derivável! Retomamos, como exemplo, o Exercício 1.8.2.a, para determinar a reta tangente à interseção das duas superfícies no ponto : consideramos e que têm como superfícies de nível aquelas do exercício. Seus gradientes são e. Assim, o vetor diretor da reta pedida é um múltiplo não nulo de
Os três resultados acima admitem recíprocas locais, ou seja, se as funções que definemas as curvas ou superfícies de nível do enunciados são de classe (condição que pode ser relaxada) e as derivadas parciais não nulas dos enunciados acontecem num ponto da curva de nível, superfície de nível ou interseção de superfícies de nível, então é possível exibir uma vizinhança de tal objeto como gráfico de uma curva ou função, tambémm de classe , com as derivadas dadas pelas fórmulas acima. Estes resultados são os celebrados Teoremas das Funções Implícitas, que admitem um enunciado unificado em contexto bem mais gerais. Um texto com demonstrações simples e muitos exemplos para as situações de interesse neste curso pode ser acessado aqui 3 . Agradecemos ao professor Oswaldo Rio Branco do IME-USP pelo excelente texto que preparou.