Nesta seção veremos que supermartingales cujo primeiro momento é limitado têm que convergir quase certamente.
A razão por trás disso é a seguinte.
Para que o processo não convirja, deve haver uma faixa tal que ele assuma valores abaixo de e acima de infinitas vezes.
Pensemos que um supermartingale reflete o preço de um ativo que, na média, não sobe.
Se o preço desse ativo atravessasse a faixa muitas vezes, um investidor poderia acumular lucro comprando uma ação cada vez que o preço está abaixo de e vendendo essa ação cada vez que está acima de .
Entretanto, como essa estratégia também resulta em um supermartingale, esse investidor ainda tem lucro médio negativo, o que implica que o preço desse ativo deve ser cada vez mais disperso, no sentido de que .
Portanto, exceto nesse caso, o processo tem que convergir.
Teorema 12.27(Teorema de Convergência de Martingales).
Seja um supermartingale.
Se , então existe uma variável aleatória integrável tal que
quase certamente.
Em particular, todo supermartingale não-negativo converge quase certamente.
Demonstração.
A maior parte da prova consiste em mostrar que
(12.28)
para todo par de números reais .
Sejam números reais.
Analisemos a estratégia de comprar em baixa e vender em alta.
Para isso, definimos os tempos de parada:
com a convenção de que ︀
Uma interpretação é que os tempos indicam os momentos de compra do ativo se for ímpar ou venda se for par.
Definimos
éíé
com .
Observe que é -mensurável, pois
í
Essa variável indica se o investidor possui uma ação do ativo logo antes do instante .
Figura 12.1: Argumento de travessias ascendentes completas.
O processo
descreve a variação do capital entre os instantes e .
Definimos, para cada ,
que conta o numero de travessias ascendentes completas do processo sobre o intervalo até o tempo .
Observe que
pois é uma cota inferior para o lucro obtido com as vendas em alta e é uma cota superior para a perda acumulada desde a última compra, veja Figura 12.1.
Por outro lado, também é supermartingale.
Com efeito,
pois e q.c., já que é um supermartingale.
Logo, , donde concluímos que
Agora definimos , que conta as travessias ascendentes completas do processo sobre o intervalo , sem limite de tempo.
Pelo Teorema da Convergência Monótona,
que é finito por hipótese.
Sendo integrável, é finito quase certamente, o que prova (12.28).
Mostremos agora que converge quase certamente.
No evento , existem tais que i.v. e i.v.
Como é enumerável, por subaditividade obtemos
Portanto, para alguma variável aleatória estendida .
Pelo Lema de Fatou,
Ou seja, é integrável, logo quase certamente finito.
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Exemplo 12.29(Processo de ramificação).
Seja uma sequência duplamente indexada de variáveis aleatórias i.i.d. assumindo valores em .
Definimos a sequência de variáveis aleatórias , por
Podemos interpretar o processo como um modelo de crescimento populacional: cada indivíduo dá origem à próxima geração e logo desaparece, sendo que a prole gerada por cada indivíduo é independente dos demais e com a mesma distribuição.
Deste modo, é o número de indivíduos da -ésima geração.
Gostaríamos de determinar se essa população se extingue ou não e, caso não se extingua, como cresce.
Para estudar o crescimento dessa população, vamos supor que as têm segundo momento finito, e denotar sua média por , a variância por e .
Defina e
para todo .
Afirmamos que é um martingale com respeito a .
Com efeito, é mensurável com respeito a e
𝟙𝟙
onde na primeira igualdade usamos que as variáveis envolvidas são não-negativas e na segunda usamos que e que é independente de .
A independência entre e é bastante óbvia, uma justificativa rigorosa será dada pelo Corolário 13.11.
Tomando a esperança na equação acima, é integrável, pois .
Substituindo, obtemos , provando que é um martingale.
Passemos então a estudar o comportamento de em termos de .
O caso é o mais fácil.
Como , temos que quando pelo Lema de Borel-Cantelli.
Ou seja, a população se extinguirá quase certamente.
Consideremos agora o caso .
Se , então o processo se torna trivial com para todo q.c.
Supomos então que , que neste caso implica .
Como é um martingale não-negativo, pelo Teorema de Convergência de Martingales, existe uma variável aleatória , tal que .
Como é sempre um número inteiro, para todo grande, quase certamente.
Por outro lado, como , temos para todo , pois para todo .
Portanto, q.c., e a população se extinguirá nesse caso.
O caso exige mais ferramentas.
Pelo Teorema de Convergência de Martingales, para alguma variável aleatória .
Se , a população tem chance de se extinguir logo nas primeiras gerações.
Por outro lado, no evento , a população não apenas sobrevive como também cresce exponencialmente rápido, pois para todo suficientemente grande.
Logo, gostaríamos de mostrar que , o que será feito na próxima seção.
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Exemplo 12.30(Recorrência do passeio aleatório simétrico).
Sejam e .
Considere o passeio aleatório simétrico começando de e defina o tempo de parada .
Afirmamos que
Podemos supor sem perda de generalidade que e
(caso contrário consideramos ou no lugar de ).
Pelo Teorema do Martingale Parado, é um martingale.
Como , pelo Teorema de Convergência de Martingales, converge quase certamente.
Porém, sempre dá saltos de , logo não pode convergir.
Logo, a única forma de convergir é que , donde concluímos que este evento é quase certo.
Observamos que esta prova da recorrência tem a particularidade de não usar estimativas quantitativas de nenhum tipo.
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O exemplo acima é talvez o tipo mais comum de aplicação desta teoria: uma vez que identificamos um martingale, observamos que ele deve convergir quase certamente e tiramos conclusões a partir disso.
Abaixo damos exemplos de martingales e submartingales que não convergem.
Exemplo 12.31.
Um exemplo trivial que ilustra a necessidade da hipótese é o submartingale determinístico dado por para todo , que obviamente não satisfaz tal hipótese e não converge.
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Exemplo 12.32.
Seja uma sequência independente tal que , e tome .
Então é um martingale, q.c. e q.c.
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Exemplo 12.33.
Seja uma sequência independente tal que , e .
Tome .
Então é um martingale e q.c.
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Exemplo 12.34.
O passeio aleatório simétrico não converge, pois sempre dá saltos de .
Podemos concluir pelo Teorema de Convergência de Martingales que .
Ademais, como é um submartingale, é não-decrescente em , logo .
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