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SOBRE O ENSINO PÚBLICO NO BRASIL

Valdemar W. Setzer
www.ime.usp.br/~vwsetzer
19/8/12

Em 16/8/12 o jornal O Estado de São Paulo publicou a seguinte frase minha no Fórum dos Leitores, p. A3, a respeito da avaliação do IDEB publicada no dia anterior:

"O ensino público no Brasil está tão ruim, mas tão ruim, que até computador ensina melhor"

Enviei essa frase acompanhada de uma justificativa, que foi publicada como carta no Estadão On-line, copiada a seguir de

http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,forum-dos-leitores,917805,0.htm

com pequenas correções de redação e um adendo:

SOBRE A AVALIAÇÃO DO IDEB

Tive várias experiências com o ensino fundamental e médio de escolas públicas, em São Paulo e em Campos do Jordão. Em 2011 dei sete palestras sobre o vestibular da USP, como "embaixador docente" desta, para todas as classes da 2ª e 3ª séries do ensino médio de três escolas públicas em São Paulo e em Campos do Jordão. Nenhum aluno soube dizer quanto era 2% das 90 questões da 1ª fase da Fuvest, a que tinham direito como bônus mínimo se tivessem cursado todo o ensino médio em escola pública. Em minha experiência, esses alunos não sabem tabuada de multiplicar - fiquei estarrecido em verificar que não sabiam nem mesmo a de somar (somavam com os dedos). Sugiro que seus jornalistas façam um teste imensamente simples: vão a qualquer escola pública e perguntem as tabuadas para os alunos na saída do período escolar. Obviamente, pode haver exceções, mas seria interessante verificar qual é, em geral, esse conhecimento. Outro teste: peçam aos alunos para pronunciarem Mary e little em inglês, verificando há quantos anos eles estudam essa língua. (Essas sugestões devem-se ao fato de eu ter tentado ensinar a canção "Mary had a little lamb" para uma aluna do 6º ano do ensino fundamental, a quem eu estava tentando ensinar flauta doce.) Perguntem também como é "casa" e "pão" em inglês. Em minha triste conclusão, o aluno de escola pública, em todos os níveis, em geral não está aprendendo nada, praticamente nada. E o mais triste é que seus pais estão fazendo muito sacrifício para eles "estudarem", achando que os filhos terão as oportunidades que eles, pais, em geral não tiveram. Pela minha experiência, conversando com os professores do ensino médio e diretores, os primeiros em geral não conseguem ensinar, tal a balbúrdia que grassa nas classes (entrevistem professores e comprovem isso). Além disso, o absenteísmo é generalizado: o diretor da escola de Campos do Jordão contou-me que, dos 900 alunos que ele tinha no período matutino, sempre 200 estavam sem aula. O diretor de uma escola aqui em São Paulo contou-me que há um professor de matemática em sua escola, concursado, que falta sistematicamente a todas as aulas no período matutino, aparecendo apenas uma vez por mês para, com isso, não ser demitido. Esse professor também dá aulas no período noturno, às quais comparece regularmente. E esse diretor não tem quem substitua aquele professor em suas faltas. Enfim, a catástrofe é, em geral, pior do que o maior pessimismo poderia imaginar. E, em lugar de atacar o problema pela raiz, os governos estão investindo em tecnologia, o que só vai piorar a situação (vejam artigos em meu site). Para melhorar o ensino público, há quatro medidas que devem ser tomadas conjuntamente: 1) Aumento brutal nos salários dos professores (não adianta multiplicar um infinitésimo por algum fator). 2) Mudança radical na administração das escolas, com um rigoroso controle de faltas dos professores (para isso é necessário mudar as leis do funcionalismo público). 3) Avaliação do rendimento dos professores por meio do conhecimento de seus alunos, com prêmios para quem conseguir melhorar o nível destes últimos. 4) Imposição de disciplina rigorosa nos alunos, desde o ensino fundamental. Sobre o último item e a mentalidade dos professores, vejam a citação da Raíssa Oliveira, no pé esquerdo da página A18 da edição de 15/8.


O trecho publicado na p. A18 da edição de 15/8/12 mencionado no fim da carta foi o seguinte: "Para Raíssa de Oliveira, de 15 anos, do 1º ano do Colégio Tiradentes, falta empenho e paciência dos professores. 'Se um grupo de alunos está conversando, o professor vem e joga na cara de todo mundo que eles não estão nem aí para a gente, que dão aula por obrigação.' ... Ontem, porém, ela não foi à aula. 'É porque tinha só dois horários', justifica."

Ainda há mais um ponto que gostaria de acrescentar aos 4 citados: 5) É absolutamente essencial que os professores dominem sua matéria e a apresentem de modo a entusiasmar os alunos.