Meios digitais prejudicam desenvolvimento saudável de crianças

Valdemar W. Setzer

Entrevista feita por Ana Carolina Alves publicada em 21/6/17 pela AUN – Agência Universitária de Notícias da USP; ver também a entrevista original

Graduado originalmente em Engenharia Eletrônica pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), o professor do Departamento de Ciência da Computação do Instituto de Matemática e Estatística da Universidade de São Paulo (IME-USP), Valdemar Setzer, dedicou boa parte da sua vida estudando a área para poder criticá-la por dentro, alertando a respeito dos malefícios dos meios digitais, especialmente em relação à educação, aprendizagem e desenvolvimento de crianças e jovens. Com dezenas de artigos publicados sobre o assunto e pesquisas científicas corroborando com seu ponto de vista, Setzer acredita que os meios eletrônicos como TVs, computadores, videogames e smartphones são mais prejudiciais que benéficos durante a infância e adolescência, período de crescimento, amadurecimento e formação.

“Todos os meios eletrônicos aceleram indevidamente o desenvolvimento intelectual e psicológico, causando sérios distúrbios. O amadurecimento de uma criança deve ser muito lento e gradativo”, afirma Setzer. A explicação para essa aceleração é fato de que meios digitais são construídos em cima de linguagem de programação e lógica que exigem, por meio de sua interface, que a criança raciocine e responda aos estímulos de forma exata, como a linguagem binária dos computadores, barrando seu pensamento vagos, imprecisos e criativos, extremamente importantes durante a fase de desenvolvimento.

No caso específico da internet, Setzer aponta três efeitos negativos na formação da criança. O primeiro é o perigo da dependência: estima-se que entre 10% e 20% dos usuários tornam-se viciados, superando alguns índices de vício em drogas. O segundo ponto de alerta é a intensificação da exposição a pessoas mal intencionadas que se aproveitam para obter informações da criança ou do adolescente. Em terceiro lugar fica a liberdade total de acesso ao que é inconveniente para a idade, como pornografia e violência. “Crianças e jovens não devem ter liberdade total em nada, devem ser sempre orientados”, ressalta.

A TV e os meios que se baseiam na exibição de imagens em movimento induzem a desatenção e a sonolência. “O padrão dos movimentos é muito rápido – na TV há mudanças na imagem de 15 a 25 vezes por minuto – e, dessa forma, fica impossível pensar em cada imagem ou imaginar algo diferente”, afirma. O professor ressalta que a TV é utilizada erroneamente como uma substituta dos livros. “Para ler, é necessário prestar atenção em cada parágrafo e imaginar: os personagens, o ambiente, a trama, entre outros. A TV, por outro lado, não é essencialmente informativa, mas condicionadora”, pontua.

Setzer, no entanto, não condena o uso do aparelho de TV na sala de aula para realização de demonstrações. Nesse caso, há duas condições essenciais: os filmes devem ser mostrados no máximo durante três ou quatro minutos, desligados e discutido. Em seguida, deve-se repetir o trecho visto e discutir novamente os detalhes. Somente depois disso deve-se passar para o próximo trecho curto. “Assim o que foi visto vai para o consciente, transformando-se em informação e não em flashes desconexos”, reforça. A segunda condição é a idade mínima das crianças. “A partir, somente, do sétimo ano. Antes disso, muito mais importante do que ver imagens é imaginar”.

Os videogames de ação e reação são muito piores do que a TV, segundo os estudos do professor, pois tornam as execuções meramente mecânicas. “Nesse tipo de jogo, se o jogador pensar em cada movimento que deve fazer, é ‘morto’ pelos inimigos”. Os jogos violentos nasceram como necessidade de deixar os soldados do exército americano menos sensíveis e empáticos: um soldado empático acerta 20% dos tiros, ao passo que um dessensibilizado acerta 90%. Posteriormente, a Nintendo começou a vender esses simuladores de guerra como jogos, produzindo o mesmo efeito em seus jogadores.

O professor aponta medidas radicais para combater os prejuízos causados pelos meios digitais. Dentre elas estão: bloquear o acesso, a menos que na presença dos pais e professores; adiar o contato com os meios tecnológicos que estão sendo apresentados às crianças cada vez mais cedo; controlar tempo, momento e local de utilização desses meios, não permitindo, por exemplo, o uso de aparelhos no dormitório da criança – sendo essa uma recomendação da American Academy of Pediatrics.

Setzer acredita que qualquer impacto positivo da tecnologia no desenvolvimento de uma criança é ultrapassado pelos negativos. “Em uma de minhas palestra um senhor disse que seu sobrinho havia aprendido inglês jogando videogames violentos. Minha resposta foi: não há um outro meio mais saudável de aprender inglês? É preciso ter muito cuidado com aparentes efeitos positivos divulgados por pesquisas pouco embasadas e que não levam em conta prejuízos globais causados especificamente no desenvolvimento da criança e do adolescente”.


COMENTÁRIOS COPIADOS EM 11/8/17

Julia
1/7/17

Peço desculpas pela possível banalidade da pergunta, visto que desconheço por completo o assunto, assim como os trabalhos do autor. No entanto, mantendo as demais variáveis inalteradas, (como os impactos da televisão e do acesso antecipado à internet) o impacto de videogames não seria benéfico para as crianças em termos de capacidade cognitiva em conjunto com a criatividade? Acredito que no passado efetivamente os efeitos eram negativos, pelo mesmo comentário feito pela matéria aqui do site, com a justificativa de que as respostas aos jogos eram binárias, invalidando a criatividade. Já hoje a complexidade de resposta aos jogos é inmensurável, sendo que são raros aqueles em que o jogador é limitado na construção de suas aventuras, dando maior espaço para o desenvolvimento criativo, além de uma necessidade de respostas rápidas a problemas complexos.

Gostaria de agradecer a atenção!

RESPOSTA

Valdemar W. Setzer
10/8/2017

Seu comentário aguarda moderação. Olá Júlia,

Sinto muito, somente hoje (10/8/17) fiquei sabendo que a entrevista tinha sido publicada e li os comentários.

Não existe nada 100% positivo ou 100% negativo no mundo. Logo no fim, eu cito o que ouvi de uma pessoa em uma de minhas inúmeras palestras: o sobrinho tinha aprendido inglês jogando video games violentos. Mas imagine o prejuízo que essa criança teve: foi altamente dessensibilizada socialmente, pois essa é a origem dos games violentos. Isso foi comprovado por inúmeras pesquisas, por exemplo uma de Bushman e Anderson (2009), mostrando que games e filmes violentos produzem uma imediata perda de sensibilidade social, de empatia. A humanidade já desenvolveu a sensibilidade para a liberdade e para a igualdade (o maravilhoso movimento atual pelos direitos humanos). O que precisamos agora desenvolver é uma sensibilidade para a fraternidade, a solidariedade. Aí, como sempre, aparecem forças contrárias à evolução da humanidade, tentando eliminar e empatia necessária para isso. Além disso, aquela criança ela deve ter ficado horas sentadas usando os games, e provavelmente não ficou nisso, deve ter visto milhares de horas de TV, e usado um monte de internet. Tudo isso sentada, sem se movimentar, o que é péssimo para crianças e adolescentes: o excesso de peso e obesidade está aumentando nelas exponencialmente, com terríveis consequências futuras. Veja meu artigo “Efeitos negativos dos meios eletrônicos em crianças, adolescentes e adultos” para muito mais efeitos trágicos.

Alguém poderia dizer: “você só fala em efeitos negativos, e os positivos?” O caso é que praticamente em toda esquina ouve-se oba-oba sobre os meios eletrônicos, especialmente na educação (são pessoas vendendo software e hardware, ou escolas vendendo vagas, ou ignorância da literatura científica). Alguém tem que mostrar os efeitos negativos, para que se possa refletir e encontrar a própria solução. Veja os artigos em meu site (basta fazer uma busca com meu nome); lá está meu endereço de e-mail.


Romero Tori
2/7/17


Já criticaram os livros, os quadrinhos, a TV, os jogos digitais… Mas o meio nunca é o problema.. no máximo os conteúdos que veiculam, os quais atendem às demandas dos consumidores. Bem, então talvez o problema sejam os consumidores. Solução: educação!
Precisamos educar para as mídias. Não sem as mídias!

RESPOSTA

Valdemar W. Setzer
10/8/2017


Seu comentário aguarda moderação.

Olá, Romero,

Infelizmente, os meios são o problema. O famoso comunicólogo Marshal McLuhan disse uma vez “a mensagem está muito mais para o meio do que para o conteúdo.” Toda tecnologia tem efeitos negativos. Por exemplo, a TV comercial coloca os telespectadores em estado de sonolência, semi-hipnótico, independente do conteúdo. Por isso houve um casamento perfeito entre TV e propaganda. É preciso reconhecer os efeitos negativos e colocar as tecnologias em seu devido lugar, onde elas podem ser usadas positivamente. Veja meu artigo “A missão da tecnologia” em meu site. Sim, a solução é a educação, mas infelizmente os meios eletrônicos usados na educação fazem com que crianças e adolescentes passem a admirar profundamente a tecnologia, ficando fascinados por ela, e não desenvolvem a capacidade de criticá-la.


ENTREVISTA ORIGINAL

ACA: Por que você se interessou em pesquisar a respeito do problema dos meios eletrônicos na escola, considerando sua formação matemática? Não seria mais coerente que você defendesse esses meios eletrônicos e o desenvolvimento deles?


VWS: Devido à minha concepção de mundo, eu já desconfiava dos meios eletrônicos desde que estava em 1961 no 3o. ano da faculdade, estudando engenharia eletrônica. Aí eu decidi ir em frente, entrar na área para poder criticá-la por dentro e estudar os seus efeitos para alertar as pessoas sobre os aspectos negativos deles e talvez sugerir bons usos. No ano seguinte fiz uma disciplina de circuitos digitais e me interessei pelos computadores, origem de meu interesse profissional. Depois, comecei a estudar os efeitos da TV, que era o único meio popular de então. Dei a minha primeira palestra contra o uso da TV como meio de comunicação de massa em 1972. Em 1979 comecei a usar pesquisas científicas corroborando minhas ideias., como pode ser visto em meu artigo "Efeitos negativos dos meios eletrônicos em crianças, adolescenes e adultos" onde cito mais de 100 desses trabalhos científicos.

Quando os computadores principiaram a ser usados no ensino, comecei a combater esse uso, tendo tido memoráveis discussões públicas com o papa daquela época nessa área, Seymour Papert. Naquela época, baseado em minhas concepções, eu previ que iria aparecer um terceiro meio de ataque às crianças e adolescentes, e não deu outra: apareceram os video games. Assim, os meios eletrônicos passaram a atingir e deturpar as três atividades interiores do ser humano: a TV principalmente os sentimentos, os computadores o pensamento, e os games as ações, a vontade.

ACA: Quais são os principais efeitos negativos dos meios eletrônicos na escola e no aprendizado e vivência da criança?

VWS: Há muitos efeitos negativos, como descrevo em meus livros, no artigo citado acima e outros que estão em meu site, e eles aplicam-se a qualquer uso, no lar e na escola. Por exemplo, no caso da Internet há 3 efeitos que considero irrefutáveis: 1. O perigo de ela causar dependência. De 10 a 20% dos usuários, dependendo da idade, local e cultura, são viciados nela, o que é muito pior do que álcool, drogas etc. 2. O perigo de predadores, que se aproveitam para obter informações da criança, do adolescente ou da família com objetivos criminosos e para marcar encontros. 3. Liberdade total de acesso ao que é conveniente e principalmente inconveniente para a idade -- desses últimos, os mais conhecidos são a pornografia e a pedofilia, e a violência; crianças e jovens não devem ter liberdade total em nada, devem ser sempre orientados, e esperam isso intuitivamente.

Em particular, qualquer vício solta substâncias no cérebro que dão sensação de prazer, de modo que há um perigo muito grande de se passar de um vício no uso da Internet para outros tipos de vícios, incluindo drogas e álcool.

ACA: Quais são os efeitos negativos no desenvolvimento da criança da TV e dos jogos, em particular?

VWS: Todos os meios eletrônicos aceleram indevidamente o desenvolvimento intelectual e psicológico, causando sérios distúrbios, pois o amadurecimento humano deve ser muito lento.

A TV e todos os outros meios baseiam-se num dispositivo comum, uma tela. Quando ela exibe um texto, não há uma diferença muito grande em relação a um texto impresso. O grande problema aparece quando ela exibe imagens em movimento. O padrão é esse movimento ser muito rápido (na TV, em geral há mudanças na imagem de 15 a 25 vezes por minuto; sugiro aos leitores verificarem isso, incluindo efeitos zoom, mudança de fundo, aparecimento ou mudança de letreiros etc.), e assim é impossível pensar em cada imagem, e muito menos imaginar algo diferente. Isso induz um estado de consciência de desatenção, de sonolência, semi-hipnótico, comprovado já em 1971 por Krugman. Compare-se com um romance, em que é necessário prestar atenção em cada parágrafo e imaginar os personagens, o ambiente, a trama etc. Ou com um texto científico ou filosófico, onde é necessário associar conceitos, o que exige um pensar ativo. Com isso, existe um prejuízo para a capacidade de imaginar, e portanto da criatividade.

O efeito da TV não é essencialmente informativo, mas condicionador. Por isso os partidos brigam de foice para terem mais um minuto a mais na TV -- sabem que com ele vão condicionar milhões de eleitores (ver meu artigo a respeito, "Um minuto a mais na TV", em meu site). E por isso 2/3 dos gastos com propaganda no Brasil vão para a TV. Ela é o veículo de comunicação mais difundido (98% dos lares no Brasil têm pelo menos uma), mas isso não seria suficiente; o fato é que ela funciona para condicionar os telespectadores a fazer o que não fariam sem ela. Note-se que uma boa parte da Internet é movida por propaganda; isso mostra o seu efeito condicionador.

Os video games de longe mais jogados, os de ação e reação, são muito piores do que a TV, pois abafam ainda mais o pensamento (se o jogador pensar conscientemente em cada movimento que deve fazer, é "morto" pelos inimigos) pois condicionam não só pela imagem, como na TV, mas também pela ação. A origem dos jogos violentos foi a necessidade de dessensibilizar os soldados do exército americano: um soldado ou policial que não é socialmente dessensibilizado acerta 20% dos tiros, ao passo que um dessensibilizado (isto é, teve sua empatia e compaixão diminuídas) acerta 90%. Verificou-se que a melhor maneira de dessensibilizar era o uso de simuladores de lutas e batalhas no computador; posteriormente a Nintendo começou a vender os simuladores, conforme relatado pelo coronel psicólogo Dave Grossman, que era especialista em dessensibilização de soldados.

Já os video games de estratégia são muito prejudiciais para crianças e adolescentes pois forçam um pensamento lógico-simbólico, algorítmico que, aliás, é o grande problema de qualquer uso de um computador. Crianças devem ter um pensamento e uma linguagem vagos, imprecisos, e não exatos como exigido pelos computadores. Tenho a impressão de que essa deturpação da capacidade de pensar é uma das causas fundamentais do que várias pesquisas científicas (inclusive uma de Dwyer e colaboradores da UNICAMP) já constataram: quanto mais uma criança ou adolescente usa computadores, em média pior o rendimento escolar.

Mas há muitos outros efeitos no desenvolvimento, como por exemplo o fato de esses meios serem essencialmente "distrativos", como mostrado magistrlamente por Nicholas Carr em seu livro "A Geração Superficial -- o que a Internet está fazendo com nossos cérebros" (ver em meu site minha resenha sobre ele) e quanto mais distração, mais ela é requerida. Todos eles prejudicam a concentração mental, absolutamente essencial para o aprendizado.

Há ainda muitos outros efeitos, como o prejuízo para a sensibilidade social, como citado acima, para a sociabilização, o aumento de peso e suas terríveis consequências etc. etc.

ACA: Há como reverter essa situação? Como?

VWS: Sim: retirar totalmente os aparelhos de crianças e adolescentes. No primeiro caso isso é fácil. Vai haver muita choradeira, mas aos poucos as crianças perdem o vício. Já com adolescentes o problema é enorme, mas experiências têm mostrado que depois de eles fazerem a casa cair, aos poucos reconhecem que foram beneficiados com essa atitude. Uma solução é os pais estarem sempre presentes quando os jovens usam um computador conectado à internet, e eles usarem um celular dos pais para se comunicarem pela Internet com os amigos em coisas essenciais – os jovens criaram uma necessidade de usar redes sociais, para marcarem encontros, combinarem o que vão fazer e vestir etc. Se usarem o celular de um dos pais, este pode controlar o uso. O uso dos meios eletrônicos NÃO pode ser feito em liberdade, pois os riscos e os malefícios são grandes demais. Alguns pais restringem o uso, por exemplo a meia hora por dia, mas nesse tempo também deve haver algum controle; o risco de um uso descontrolado é grande demais.

Note-se que muitos adultos não estão se controlando no uso desses meios, como se quer que crianças e adolescentes o façam?

É importante observar que a TV é a porta aberta para todos os outros meios, e deve ser evitada ao máximo, inclusive por adultos, mesmo quando as crianças estão dormindo, pois ela é essencialmente inútil. Não há nenhuma necessidade de se ver TV, pelo contrário, ela prejudica a sociabilização e o lazer construtivo, como a leitura, o passeio, tocar-se um instrumento musical, interagir socialmente etc.

ACA: Como afastar as crianças de meios eletrônicos e trazê-las para a leitura de um livro e realização de outras atividades ao ar livre?

VWS: Elas não devem ter acesso a esses meios, a menos na presença dos pais e professores. É absolutamente necessário que eles controlem o uso, o seu tempo, o momento, o local etc. Essencial também é que os adultos não usem os aparelhos na frente dos filhos; em particular, crianças pequenas são extremamente abertas ao ambiente e querem imitar tudo os que os adultos fazem, pois é imitando que aprendem a andar, falar e pensar.

De maneira alguma crianças e adolescentes devem ter esses aparelhos em seu dormitório, pois aí não haverá nenhum controle. Essa, aliás, é uma forte recomendação da American Academy of Pediatrics. O mesmo se aplica ao uso de um smartphone com acesso à Internet. Minha recomendação é que os pais deem aos filhos apenas celulares como telefones, sem pacote de dados e portanto de acesso à Internet. Provavelmente os predadores não irão usar SMS na comunicação com crianças e jovens.

De qualquer modo, tenho dado em minhas inúmeras palestras uma recomendação enfática: o uso dos meios deve ser adiado o máximo possível. É terrível ver até crianças de colo já usando os aparelhos. Os pais fazem isso por comodismo, pois crianças e adolescentes ficam vidrados nos aparelhos, que são feitos para serem altamente atraentes, e deixam os pais em paz. Mas os pais puseram filhos no mundo para terem conforto e paz? Começando o uso dos aparelhos muito cedo, depois é impossível segurar o seu uso.

ACA: Como desenvolver a criatividade?

VWS: Por meio de atividades artísticas (todas as matérias escolares deveriam ser dadas artisticamente) e artesanais, como na pedagogia Waldorf. Além disso, deve-se incentivar o contato social pessoal e a cooperação, pois o virtual prejudica-o. A propósito, toda competição é antissocial por natureza, pois sempre alguém ganha e alguém perde; quem ganha fica feliz à custa de pelo menos frustração de quem perdeu.

ACA: Há impactos positivos? Se sim, quais?

VWS: Qualquer impacto positivo é, na minha opinião, ultrapassado infinitamente pelos negativos. Por exemplo, numa palestra um senhor disse que seu sobrinho tinha aprendido inglês jogando video games violentos. Minha reposta foi: "Não há um outro meio mais saudável de aprender inglês?"

É preciso ter muito cuidado com aparentes efeitos positivos. A propósito, existe uma "lei" de Setzer (ver em meu site; ela foi publicada no Fórum dos Leitores do jornal "O Estado de São Paulo") que diz: "O ensino está tão ruim, mas tão ruim, que até computador ensina melhor." O correto é melhorar o ensino, e não usar como paliativo um instrumento que causa muito mais prejuízos do que benefícios.

ACA: Como os impactos positivos podem ser melhor explorado por pais e educadores, por exemplo?

VWS: Ficando ao lado das crianças e jovens enquanto usam os meios. Mas é necessário julgar muito profundamente se qualquer uso está fazendo algum bem e se os males que ele produz não ultrapassam o bem. Além disso, examinar se até um pouco de uso não induz crianças e jovens a usar o aparelho muito mais.

Em particular, professoras que recomendam aos alunos fazerem uma busca de algum material na Internet estão cometendo um verdadeiro crime, pois estão arriscando os alunos a se viciarem, a se sujeitarem a predadores, a perderem tempo com outros acessos, a perderem a capacidade de se concentrar etc.

Os leitores vão se surpreender, mas devo declarar que não sou contra o uso de um aparelho de TV na sala de aula, para demonstrações. No entanto, há duas condições essenciais. 1. No caso de filmes, devem ser mostrados no máximo durante 3 ou 4 minutos, desligados e se discutir com os jovens o que foi visto; em seguida, deve-se repetir o trecho visto, e discutir novamente os detalhes. Somente depois disso deve-se passar para o próximo trecho curto. Assim o que foi visto vai para o consciente, transformando-se em informação e não em condicionamento. 2. Uma consideração essencial é a idade mínima. Creio que isso deve ser feito a partir da 7ª ou 8ª séries. Antes disso, muito mais importante do que ver imagens é criar imaginações.

A propósio, essa questão da idade mínima não é em geral tratada por pais e educadores. Por exemplo, nos meus estudos cheguei à conclusão de que a idade mínima para o computador não prejudicar os jovens deveria ser de 17 anos, o que hoje em dia é uma utopia.

ACA: Como você vê pesquisas (como a da Veja) que citam benefícios da tecnologia?

VWS: São oba-oba de vendedores de hardware, de software, de vagas em escolas, e opinião de pessoas ignorantes das pesquisas mostrando os terríveis problemas causados pelos meios eletrônicos. Todas as pesquisas que examinei e que trombeteiam algum efeito positivo são parciais, não levando em conta prejuízos globais no desenvolvimento da criança e do adolescente. Além disso, são fruto de uma concepção de mundo que está produzindo o que podemos ver em todo lugar: um aumento da miséria humana, principalmente psicológica e social.