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BARBIE: UMA "BARBIERIDADE" QUE SE FAZ COM AS CRIANÇAS

Valdemar W. Setzer
www.ime.usp.br/~vwsetzer
18/7/12

Em 13/7/12 a equipe da seção Criança e Consumo do Instituto Alana abriu um blog com o nome "Barbie: uma imagem que aprisiona" comentando sobre uma notícia de duas garotas que se fantasiaram de Barbies para irem à sua festa de formatura. Nesse comentário, foram feitas críticas à boneca Barbie. Escrevi um texto acrescentando mais críticas às Barbies e ampliando a discussão para bonecas de plástico em geral. Tentei postar esse meu texto no blog, mas ele foi recusado, segundo fui informado, devido ao seu tamanho. Tentei dividi-lo em 2 e depois em 3 partes, sem sucesso. Assim sendo, resolvi inserir em meu site esta página com o texto original que abre o blog, incluindo todos os seus vínculos e imagens, seguido de meu texto, exatamente como iria postá-lo.


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Barbie: uma imagem que aprisiona

Por Lais / Equipe em 13 julho 2012 - Comportamento

                          Jovens chegam para festa em caixa da Barbie

"Barbie: uma imagem que aprisiona", esse foi o título do meu trabalho de conclusão de curso de Psicologia há alguns anos atrás. Mas, posso dizer que essa boneca loira e linda sempre chamou minha atenção não só pelos belos modelitos que exibia ou por seus 10 cm de quadril e 12,5 de busto. Barbie prometeu a todas as meninas de minha geração um mundo cor de rosa repleto de acessórios e acabou nos aprisionando nesse sonho.

Agora, vamos há um pouco de história.No final dos anos 50 o casal Ruth e Elliot Handler, fundadores da fábrica de brinquedos Mattel, encontraram um nicho de mercado, ainda não explorado, ao observar as brincadeiras de sua filha Barbara de 7 anos com bonecas de papel. Nessa época não existia uma boneca tridimensional de corpo adulto com a qual a criança pudesse fantasiar e realizar seus sonhos. Foi nesse momento que Ruth criou a Barbie e seu mundo "Pink" revolucionando para sempre as brincadeiras das meninas que, até então, brincavam exclusivamente com bebês como um exercício para a maternidade.

Desde a chegada da Barbie nas prateleiras, garotas do mundo todo passaram então a experimentar, em suas brincadeiras, a falsa idéia de que as mulheres adultas podiam ser o que desejassem: médicas, astronautas, bailarinas, mas claro, desde que fossem magras e belas. Assim, a boneca virou o jogo e passou não só a ditar as regras da brincadeira, mas também os desejos da garotada; por esgotar em seu corpo magro, oco e de plástico com as possibilidades de ser, pois passava valores que priorizavam o ter.

Barbie, hoje com mais de 50 anos de idade, continua sendo a boneca mais amada e vendida no mundo todo e acabou conquistando um fã clube de mais de 18 milhões de membros, desfiles inspirados em seus modelos de roupa, exposições em museus mundo afora e até mais de 36 cirurgias plásticas em um único corpo. A estética da Barbie é hoje imposta pela cultura da moda e, principalmente, pelas imagens publicitárias mobilizando milhões de meninas e adolescentes a fazer de tudo para conquistar o corpo ideal vendido como passaporte para a felicidade.

Esse fato é tão verdadeiro que na semana passada um exemplo chegou à maioria dos jornais brasileiros chocando a todos: Duas adolescentes inglesas de 16 anos, da cidade de Crewkerne, chegaram ao baile de formatura do colégio empacotadas dentro de caixas da Barbie em tamanho natural, como verdadeiras bonecas de plástico encenando uma entrada triunfal. As caixas de papelão de 1,80 m x 0,60, com flores pintadas a mão, foram feitas por uma das mães que gastou 250 libras para realizar o sonho das meninas.

Bom, se a intenção era roubar a cena elas conseguiram. A cidade toda parou para vê-las passar, aprisionadas em seu sonho de infância. Onde vamos parar? No baile de formatura! Agora, vale a reflexão... Se de alguma maneira, nós mulheres nos libertamos dos espartilhos de nossas bisavós, as adolescentes da atualidade continuam aprisionadas ao culto do corpo perfeito numa busca incansável pela magreza e felicidade que não lhes dá sossego.

Tags : apelos infantis barbie empresa manipuladora erotização precoce

URL curto : http://bit.ly/PS3oJT


Olá, Laís, Carla, equipe e leitores,

Ótimo vocês terem abordado alguns problemas das "Barbieridades". Mas há outros muito importantes, cito mais alguns:

1. As bonecas de plástico com rostos, cabelo e corpos imitando o corpo humano com perfeição (fora exageros de proporção apontados no artigo) não dão margem à fantasia. Crianças devem apenas brincar com brinquedos que incentivem a imaginação e, para isso, devem ser rústicos. Por exemplo, como uma criança pode imaginar que uma Barbie está triste, ou mesmo chorando, se ela está permanentemente sorrindo? Comparem com uma boneca Waldorf, de pano, feita com tecido e enchimento natural, como por exemplo seguindo os vínculos de vários produtores (em geral com fotos) em

http://www.sab.org.br/produtos/PRmainFrame.htm#BON

Note-se que as bonecas Waldorf são estéticas, e não caricatas ou grotescas, como muitas bonecas de pano que se encontram por aí, por exemplo com bocas, olhos, rostos ou mesmo pernas exageradamente grandes. Com uma bonita boneca de pano uma criança pode imaginar o que quiser.

Cito aqui um caso pessoal: minhas duas filhas mais velhas, quando eram crianças pequenas, de vez em quando ganhavam uma boneca de plástico (naqueles tempos gloriosos as Barbies estavam começando e não eram populares por aqui). Deixávamos elas brincarem alguns dias com essas bonecas, antes de dar sumiço nas mesmas (e nunca fizeram falta). Pois notamos que com as bonecas de pano nossas filhas brincavam de "nenê" e, com as de plástico, de "boneca"! Nota-se aí como as últimas não permitiam que elas imaginassem uma criança de verdade.

Reparem os olhos e bocas das bonecas Waldorf: são pequenas manchas; a criança tem que imaginar a forma de olhos e bocas para brincar com elas. O mesmo para mãos, que não tem nem mesmo dedos separados, às vezes somente o punho é sugerido por ser mais estreito; o mesmo com os pés.

2. Uma boneca de pano, especialmente de tecido natural, permite que a criança encoste-a em seu rosto, abrace-a, faça carinho nela etc. Experimentem fazer isso com uma boneca de plástico, ainda mais em miniatura como uma Barbie; a textura do plástico é uniforme, lisa, em geral dura; isso significa não incentivar o desenvolvimento do sentido do tato. Além disso, significa que a criança não consegue relacionar-se com as bonecas de plástico como com as de pano, que devem ser relativamente macias, permitindo até que a criança apoie sua cabecinha nelas e talvez queira dormir com elas junto de seu rosto. Alguém acha agradável dormir com um pedaço de plástico duro junto ao rosto?

3. Notem nas bonecas Waldorf as cores singelas, não berrantes. Nada que se dê para uma criança pequena deve ser exagerado, tudo deve ser calmo, tranquilo.

4. Uma das coisas que mais me abalam ao ver uma boneca de plástico é o mecanismo de junção de braços e pernas no corpo, para que os primeiros possam girar. Esse mecanismo não tem nada a ver com a maneira como nossos membros estão unidos ao nosso corpo. O pior é que os membros das bonecas de plástico podem ser arrancados com facilidade, deformando totalmente o corpo, que fica maneta ou perneta. Pior ainda, o membro fica solto, separado do corpo. São essas as imagens que desejamos que as crianças formem do ser humano? Da mesma maneira como não se deve balbuciar para um nenê, imitando sua fala mas, ao contrário, devemos falar com ele nossa língua da maneira mais perfeita possível, para que ele possa, imitando, aprender a falar decentemente, uma boneca não deve criar na criança uma imagem distorcida ou despedaçada do ser humano (e de nenhum animal). Note-se que nas bonecas de pano não é possível separar os membros, a não ser que se os cortem com tesoura.

5. Citei o aspecto grotesco de muitas bonecas, inclusive de pano. É muito importante reconhecer que esse grotesco acaba sendo uma caricatura do mundo. O que vou expressar em seguida vale também para histórias em quadrinhos e desenhos animados, pois todos eles apresentam invariavelmente caricaturas da realidade. Uma criança pequena aprende essencialmente por imitação. A maneira mais eficiente de ensinar uma criança a pegar direito uma colher ou garfo é comer junto com ela, para que ela, vendo as posições e movimentos corretos de um adulto, possa imitá-lo e assim aprender. Portanto, sempre se deve apresentar à criança a realidade, e não uma caricatura desta. Como se pode criar nas crianças respeito e veneração pela natureza e pelos seres humanos se eles, mesmo que esporadicamente, são apresentados como caricaturas? Como uma criança pode ter amor e carinho por uma boneca que é uma caricatura grotesca?

6. O supra-sumo do grotesco são os dinossauros, que são monstruosos. Não consigo imaginar o que se passa na mente de um pai que dá um deles para seu filho pequeno. Ou esses monstros infundem medo nas crianças ou fazem-nas não ter medo de coisas aterrorizantes; ambos são terríveis educacionalmente.

7. Detalhes não são importantes para as crianças; pelo contrário, como eu citei, prejudicam a imaginação. Note-se como crianças de 3-4 anos desenham uma pessoa: em geral, apenas a cabeça e as pernas, o que na pedagogia Waldorf em alemão se chama de "Kopffüssler", "cabeça-pé". A criança está representando aquilo que é importante para ela.

Tenham dó de nossas crianças. Deixem-nas ser infantis, incentivem sua fantasia, apresentem a elas um mundo bom e belo, que elas possam admirar e amar.

Valdemar W. Setzer
15/7/12
www.ime.usp.br/~vwsetzer