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Um ótimo livro sobre transição de fases (especificamente no tocante as
nações)  é "O Ponto de Mutação", do Bernz (ou Franz -não lembro agora-)
Capra. Há também um filme com o mesmo título, produzido pelo irmão dele.

Um pequeno comentário sobre o texto do Contardo Calligaris:

Creio que ele tenha feito confusão entre dois conceitos, a mesma confusão
que o terrorista fez. Contardo confundiu o POVO norte-americano, com o
GOVERNO norte-americano. Muitas pessoas não gostam do GOVERNO estadunidense
(como eu) mas não têm nada contra o POVO.
Eu também não gosto de alguns governantes do Brasil, e nem assim sou contra
o povo brasileiro.

Creio que a indignação com o terror praticado contra os EUA deve ser
exatamente na mesma medida que a indignação com a política imperialista
estadunidense.

Anderson


----- Original Message -----
From: Michel Vale Ferreira <michelvf@uol.com.br>
To: <is-339-01@ime.usp.br>
Sent: Tuesday, September 18, 2001 3:06 PM
Subject: Outra visão do assunto EUA



> PATRIOTISMO
>
> Há complacência com o terror no sentimento de que os cidadãos do país
> mereciam punição
>
> A face oculta do antiamericanismo
> Os terroristas podiam apostar que, em vários lugares do mundo -e não só
> entre seus companheiros de loucura-, seriam esboçados pequenos sorrisos
>
> CONTARDO CALLIGARIS
> COLUNISTA DA FOLHA
>
> Qual era a expectativa dos terroristas que, na terça-feira passada,
surgiram
> no céu americano e nas telas de TV do mundo inteiro? Qual poderia ser o
alvo
> da operação? Certo, queriam destruir. Mas a morte e a demolição eram
apenas
> um meio. O ganho que eles procuravam era simbólico: o ataque aconteceu no
> território americano (na capital e em Nova York, a cidade-vitrine do
> Ocidente) e contra edifícios que fazem parte do imaginário mundial: as
> torres gêmeas e o Pentágono. O show era para quem?
> Para produzir o júbilo de seus adeptos, não precisava de tanto. Agora, se
o
> público alvo eram os próprios americanos (na esperança de enfraquecê-los),
o
> fracasso foi total. Duvido que os terroristas tivessem a ingenuidade de
> pensar que seu gesto encontraria os favores de alguma oposição interna
> americana ou que a tragédia semearia a discórdia. Mas, caso contassem com
> isso, a decepção deve ter sido completa. O ataque parece ter aplainado as
> arestas da sociedade americana.
> Os dois grandes partidos -Democrata e Republicano - entraram em regime de
> cooperação bipartidária. O Partido Libertário, em seu comunicado de 12 de
> setembro, execra o ataque terrorista, encoraja solidariedade, doações de
> sangue e de dinheiro para as vítimas e para a reconstrução.
> As pessoas próximas do movimento das milícias, com todo seu ódio pelo
> governo federal, são inevitavelmente nacionalistas e patriotas. Que
> simpatizantes desse movimento, como Timothy McVeigh e Terry Nichols,
tenham
> sido capazes do atentado de Oklahoma City não implica nenhuma cumplicidade
> possível com o ataque de terça-feira.
> As milícias têm devoção pela defesa do território - quer seja a nação ou o
> terreno ao redor de casa, ambos são santuários.
> No site The Patriot, há uma sondagem sobre a questão: os EUA devem ou não
> responder militarmente à agressão? As respostas positivas superam de longe
a
> média nacional.
> As margens do leque político dos EUA são quase todas manifestações de um
> individualismo radical inspirado pelos valores fundamentais da Revolução e
> da Constituição americanas. É difícil imaginar posições mais antinômicas a
> um fundamentalismo tradicionalista.
> Os terroristas islâmicos poderiam esperar ter mais chances com seus
supostos
> correligionários. É concebível que a Nação do Islã, uma margem extrema,
> muçulmana e anti-semita do movimento negro, visse no fundamentalismo
> islâmico um aliado internacional. Aliás, a escolha do Islã como
catalisador
> de uma organização negra foi, desde o começo, uma provocação ao
> "establishment" ocidental e americano.
> Mas os dias de Malcolm X e da conversão de Cassius Clay em Mohammed Ali
> passaram há tempo: o movimento está em forte regressão. De qualquer forma,
a
> aliança com o fundamentalismo islâmico no exterior, se é que existiu, não
> tem como se manter quando o país é agredido.
> Louis Farrakhan, chefe atual da Nação do Islã, anunciou um pronunciamento
> sobre o ataque ao país para o dia 16 de setembro, na mesquita Maryam, em
> Chicago, convidando "todos os cidadãos de Chicago, seja qual for sua raça,
> sua fé ou sua cor". O caráter excepcionalmente aberto desse convite
> manifesta a adesão ao clima de união nacional. Já está dito que a
declaração
> será sobre "a horrenda agressão contra os Estados Unidos da América".
> Enfim, mais importante: a escolha do World Trade Center como alvo
> transformou esse centro financeiro num lugar de sofrimento. A figura
> impessoal (e eventualmente pouco simpática) do homem de negócios é
> substituída hoje pela humanidade dos corpos desmembrados.
> De repente, está colmatada a fratura, que certamente divide a América
> contemporânea, entre Wall Street e o "heartland", o coração da terra -o
país
> dos americanos médios, trabalhadores rurais e manuais. "O bombeiro
salvando
> os homens de Wall Street" poderia ser uma capa de Norman Rockwell que,
> descrevendo o heroísmo do resgate em curso, simbolizaria o reencontro
> solidário de americanos que talvez estivessem afastados indevidamente.
Isso,
> sob a bandeira comum: nos últimos três dias a venda de bandeiras nos EUA
> explodiu. Na frente das casas dos subúrbios, assim como nas janelas dos
> apartamentos urbanos, os americanos desdobram bandeiras. É uma maneira de
> dizer a confiança na persistência do país.
> Há outros efeitos paradoxais da destruição -certamente não desejados pelos
> terroristas. Considere-se, por exemplo, a geração atual de adolescentes
> americanos, para quem o Vietnã é um filme de Kubrick, a Guerra do Golfo é
um
> videogame e o mundo é tutelado pelo letreiro dos índices Dow Jones e
Nasdaq,
> ao som repetitivo da música tecno. Esses jovens são acusados de serem
> gananciosos e sem ideais. Na terça-feira passada, eles foram acordados
> brutalmente: terão de inventar uma maneira nova de dar sentido a suas
vidas,
> uma maneira em que escolher valores é relevante.
> Algo parecido acontece com os adultos. Na internet, num bate-papo de
> psicólogos sobre o ataque, alguém sugere: "É ótimo que as vítimas e suas
> familiares disponham de aconselhamento. Mas não devemos facilitar o luto
de
> todos. Não devemos querer rapidamente voltar ao bem-estar. Devemos nos
> lembrar". Todos concordam. Fazia tempo que, numa discussão americana, não
> encontrava-se um consenso contra a exigência imediata de bem-estar.
> Nesse quadro, é estranho ouvir ou ler comentários sobre uma suposta nova
> fragilidade dos americanos que não se veriam mais como invencíveis. Claro,
o
> território foi violado, mas, longe de sentirem-se diminuídos ou humilhados
> por isso, os americanos parecem sentir-se enfim justificados. O ataque
> autoriza uma adesão ao interesse e aos valores nacionais sem reservas e
sem
> pudores.
> Surge uma nova boa consciência americana, que aparece, por exemplo, na
> intolerância declarada para com o antiamericanismo. Os americanos não são
> mais masoquistas. O presidente Bush assinalou esse estado de espírito ao
> anunciar que os pêsames não serão suficientes: daqui por diante quem não
> está com a América, está contra ela. Lance Morrow, num artigo na Time.com,
> escreveu: "Quem não odeia os que fizeram essas coisas e as pessoas que os
> incitam e festejam é filosófico demais para ser uma companhia decente". A
> palavra "filosófico" é uma clara alusão à moda antiamericana que se tornou
> quase marca obrigatória de (pretensa) inteligência crítica.
> Não é difícil entender a razão dessa mudança de tom. Voltemos a perguntar
> quem é o público alvo do show de horror montado pelos terroristas. Não são
> os adeptos e não são os americanos. Mas os assassinos suicidas podiam
> apostar que, em vários lugares do mundo -e não só entre seus companheiros
de
> loucura-, seriam esboçados pequenos sorrisos mal escondidos, no estilo:
"Que
> pena, mas estavam pedindo, não é?"
> É razoável pensar que o público estrategicamente mais importante para os
> terroristas sejam todos aqueles que, embora lamentando a perda das vidas,
se
> felicitariam de ver atingidos os símbolos da potência americana. Nestes
> dias, circulam na internet listas dos "malfeitos" dos EUA, como para
lembrar
> boas razões para ser antiamericano. Também circulam listas de tributo aos
> EUA, lembrando os empréstimos e as doações de dinheiro, sangue e energia
que
> os EUA fizeram pelo mundo.
> Estava comparando as listas, quando me ocorreu que, em grande parte, o
> antiamericanismo ocidental talvez seja fruto de uma divisão que está
dentro
> de nós.
> Foi assim. Uma amiga americana me telefonou aos prantos no dia 13. Ela
> acabava de conversar com uma amiga comum brasileira, a qual, preocupada,
> ligara para ter notícias. A amiga americana percebeu que, atrás dos
pêsames,
> havia uma espécie de complacência moralizante com o terror, tipo: chegou a
> justa punição do materialismo sem coração. A amiga americana, embora capaz
> de crítica de seu próprio país, desta vez não aguentou: "Materialismo de
> quem?", indignou-se. "Cada vez que você vem para Nova York, usa a cidade
> como um shopping center ou um parque de diversões. E na hora de chorar por
> Nova York, me faz a moral?" A amiga americana tinha razão. Ela descobria
(e
> me fazia descobrir) assim um mecanismo crucial do antiamericanismo
ocidental
> banal.
> Os EUA nos aparecem como o sonho realizado da modernidade; graças a isso,
> podemos lhes atribuir todas as caraterísticas de nossa cultura.
> Naturalmente, atribuímos aos EUA as caraterísticas que menos gostamos de
> reconhecer em nós mesmos. Assim, por exemplo, não sei se os americanos são
> mais consumistas do que nós. Provavelmente não. Mas os EUA são designados
> por nós como pátria do consumismo. Eles são sem dúvida a pátria de nosso
> consumismo. Graças a esse artifício, podemos frequentá-los dando livre
curso
> a nossos desejos de consumir sem considerar que esses desejos sejam
nossos.
> Ao contrário, pretendemos que seja um mal da cultura americana.
> Quando algo em nossa cultura nos envergonha, uma boa saída consiste em
> "descobrir" que esse algo é especificamente americano. O antiamericanismo,
> em suma, alivia nossas culpas. Melhor, suprime-as, pois elas, de repente,
> são sempre só americanas. Explica-se assim um mistério sociológico. Na
> última década, os EUA tornaram-se o objeto da maior vontade migratória e
da
> maior adesão cultural da história da modernidade. A adoção de traços do
> estilo de vida americano constitui quase uma tentativa de migração por
> mimetismo. Como é possível que eles sejam, ao mesmo tempo, o objeto de
> sentimentos suficientemente hostis para que, nas circunstâncias de hoje,
> apareça, no canto dos lábios de alguns, o ricto de um "bem feito"?
> Não seria mal se conseguíssemos interpretar e resolver o antiamericanismo.
> Isso permitiria que enxergássemos os EUA como um país real e não como um
> lugar de nossa psique. Também, num momento em que um conflito entre
culturas
> ameaça o novo século, seria útil que pudéssemos encarar o que
somos -parando
> de atribuir ao Tio Sam o que menos gostamos em nós mesmos.
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