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Resumo da palestra do Lessig feita em São Paulo, em 07nov00
- Subject: Resumo da palestra do Lessig feita em São Paulo, em 07nov00
- From: Imre Simon <is@ime.usp.br>
- Date: Wed, 15 Nov 2000 20:39:55 -0300
O resumo a seguir foi feito pelo Érico Guizzo e complementado por mim
mesmo. Obrigado, Érico, é um belo trabalho!
Este resumo dá uma idéia muito boa da fala do Lessig aqui em São
Paulo, na semana passada.
As idéias do Lessig são muito ricas, muito provocativas e muito profundas.
Gostaria de encorajar uma discussão destas idéias, incluindo também aquelas
do livro dele e aquelas expressas nos seus trabalhos já
comentados. Esta lista é um local ótimo para tal discussão.
Abraços,
Imre Simon
- ---
Palestra de Lawrence Lessig
1a Conferência Internacional de
Direito da Internet e da Informática
São Paulo
7/11/2000
1. Estamos vivendo uma explosão de inovação, de invenção, da
criatividade, do comércio como nunca foi visto antes. Contudo, não
sabemos o porquê nem o que inspira essa "mágica". A Internet trará
novas formas de se fazer negócios e isso vai incomodar aqueles que
têm o poder, que têm o controle hoje. Chamemos essas forças de
"Dark Forces".
2. Sabemos que essas forças irão responder. Elas irão reagir de duas
formas. Primeiro reagirão de formas conhecidas: tentarão garantir
seus interesses canalizando as mudanças através da
legislação. Pedirão aos legisladores para desacelerar as mudanças e
também tentarão proteger o velho do novo. Isso já está
acontecendo. Mas as "Dark Forces" também reagirão de uma forma mais
obscura para a maioria das pessoas, de uma forma que pode
representar uma ameaça para o futuro. Vou falar principalmente
desta segunda reação, mostrando como alterações na arquitetura de
um sistema podem afetar as suas características básicas.
2.1 O ciberespaço tem uma constituição. É o código-fonte, o software,
o hardware, a arquitetura da Internet. As regras estão inseridas
no software, elas definem o espaço, incorporam valores, regulam o
comportamento, as normas sociais.
Mas o fato de a arquitetura regular o comportamento não é novo:
[Os exemplos abaixo são tirados do artigo Cyberspace's Constitution do
Lessig, disonível no sítio dele em Harvard. O Capítulo 7 do livro dele
contém outros exemplos também.[is]]
a) David Hackett Fisher descreveu como os fundadores de New England
planejaram as cidades que fundaram de modo a garantir que a relação
entre os prédios e com a praça da cidade assegurasse que o
comportamento na cidade fosse adequadamente restrita e regulamentada.
b) Jeremy Bentham propôs uma arquitetura para prisões que ficou
conhecida como o panóptico (pan=tudo, óptico=ver) de Bentham. Era
uma prisão em que as celas ficavam dispostas de forma circular
havendo uma torre no centro, de onde se podia ver todos os presos.
c) Napoleão III reconstruiu Paris de modo que as avenidas sejam muito
largas para a época. Isto dificultaria o bloqueio das avenidas e
dificultava a atividade revolucionária. De fato, esta arquitetura,
devida a Haussmann, garante até hoje que Paris seja uma cidade
moderna, apesar de ter sido construída 150 anos atrás.
d) As pontes em Long Island foram construídas por Robert Moses numa
época em que o racismo ainda vigorava nos Estados Unidos. Dessa
forma, as pistas inferiores das pontes eram baixas de forma que só
podiam trafegar carros, mas não ônibus. Com isto preservou a
exclusividade de uso do espaço público.
2.2 O espaço, portanto, pode regular o comportamento. E no ciberespaço
isso é ainda mais forte.
O ciberespaço é de fato um lugar, as pessoas vivem lá, não apenas
sozinhos, mas em grupos. Depois essas pessoas se desconectam e
estão apenas "aqui". Os efeitos de viver "lá" serão sentidos
"aqui". Você poderá ser influenciado por comportamentos e culturas
não mais restritas ao local físico onde vive, a sua comunidade, mas
será influenciado de forma muito mais abrangente.
Por exemplo, na vida real é mais fácil manter as crianças longe da
pornografia. No mundo real é difícil para uma criança fingir que é
um adulto. No ciberespaço é diferente. Um indivíduo, na rede, não
pode se "auto-autenticar" como no mundo real. Você é apenas mais
um, o próximo. Os sites eróticos não podem distinguir crianças de
adultos e impedi-las de acessar pornografia. Um site é apenas um
servidor, uma página que é acessada com um navegador, que troca
informações com o servidor. O usuário não tem conhecimento dessa
negociação. O servidor sabe bastante coisa sobre o cliente, mas
essa informação é transparente para o usuário. E isso faz parte da
arquitetura, é uma característica da arquitetura, e tem
conseqüências para a vida real.
2.3 A experiência, portanto, está atrelada ao código, o código define
as liberdades, os controles, tudo depende dele. Mas o fato
importante é que o código pode ser *modificado*, alterado, sem que
isto seja notado pelos usuários.
Por exemplo, num certo sistema online os usuários passaram a pagar
uma certa taxa se usassem os serviços de e-mail e bate-papo além de
um certo limite. Isso desagradou a muitos usuários, que começaram a
reclamar das taxas. O sistema online então alertou esses usuários
de que não iria admitir tais contestações, o que só agravou a
situação. Os usuários sentiram sua liberdade de expressão regulada
e começaram a reclamar ainda mais. O sistema online acabou
expulsando alguns usuários, mas a situação só piorou. Usando as
salas de bate-papo, um grande número de usuário se amotinou e
conseguiu reverter a situação contra o sistema online, abolindo as
taxas impostas.
Mas tente começar uma revolução nas salas de bate-papo da America
Online, o maior provedor do mundo com mais de 25 milhões de
usuários, mas cujas salas de bate-papo ficam num canto escondido do
site e só permitem 23 usuário por vez. Você será considerado um
louco. Então não é por que a America Online tenha qualquer
restrição quanto a discussões políticas que você não conseguirá
organizar uma revolução. A limitação deve-se apenas à arquitetura
do sistema. Não há espaço público. E por isso a America Online não
sofre dos mesmos problemas do primeiro sistema online.
3. O futuro da regulação, portanto, será a história de como a
arquitetura irá mudar. A liberdade estava antes protegida na
arquitetura liberal da Internet, mas agora está ameaçada. É
necessária uma contra-revolução contra as forças que querem
proteger o velho do novo e impedir a inovação. Essas forças já
estão agindo. Posso citar três exemplos de como essas Dark Forces
estão se mobilizando e o que pretendem.
Elas querem:
i) controlar a Rede;
ii) controlar a invenção e a inovação através do uso da Rede;
iii) controlar o espectro.
4. Vou explicar melhor cada uma delas:
4.1 Na década de 60, Paul Baran, da Rand Corporation, desenvolveu a
pedido do Departamento de Defesa (DoD), uma arquitetura de rede
muito parecida com o que é a Internet hoje. O DoD chamou a AT&T
para avaliar e possivelmente construir a nova rede. Mas a AT&T
desaprovou o projeto e disse que tal arquitetura de rede nunca
funcionaria. Não por acaso, a AT&T detinha o monopólio da
telefonia na época. Esse monopólido dava à empresa total controle
sobre a arquitetura do sistema telefônico e isso impedia a
inovação, o desenvolvimento de outras arquiteturas. Idéias e
propostas que não fossem condizentes com os interesses da AT&T
seriam coibidas e eliminadas como uma bola de neve no inferno. Só
depois que a AT&T foi quebrada em 1984 é que novos modelos puderam
ser propostos e a Internet se tornou realidade.
Graças, principalmente, ao trabalho de David [???], Dave Clark e
[???], a Rede foi concebida com uma arquitetura simples,
estúpida. A Internet não discrimina os dados que trafegam através
dela, ela processa os pacotes cegamente. Essa estrutura encoraja a
inovação, o desenvolvimento de novos programas que façam uso dessa
arquitetura, mesmo que esses novos programas ameacem aqueles que
já são amplamente utilizados, as aplicações dominantes. O que
importa, portanto, é se o mercado, se os usuários demandam por
aquela aplicação. Essa é a diferença de princípios entre um
ambiente onde domina uma força centralizadora e um ambiente onde
inexistem tais forças. Nesses últimos, o poder pode ser
questionado sem conseqüências ameaçadoras. A inovação pode ser
bem-sucedida quando aparece num ambiente desse tipo e há demanda
por parte do mercado. Qualquer inovação pode ser facilmente
testada neste ambiente, a rede roda o quer que seja. A decisão da
aceitação ou não da inovação cabe ao mercado e à sociedade, neste
caso. Mas quando a Rede passa a ter donos, o que ocorre com a
mudança para o cabo ou para o ambiente sem fio, a história
muda. Os donos das redes terão controle sobre o conteúdo, sobre o
que é permitido, sobre que tipo de negócio é aceito. A Internet em
banda larga vai contra o princípio fundamental da arquitetura
simples e estúpida e a inovação poderá ser impedida. Podemos ver
um exemplo de como isso já está acontecendo se observarmos como a
AT&T está comprando agressivamente os provedores de Internet a
cabo. Ela quer transformar o acesso à Internet em um serviço de
cabo.
[ O Lessig fala cada vez mais sobre os princípios básicos da
arquitetura da rede Internet. Ele refere-se aos trabalhos de Paul
Baran, Jerome Saltzer, David Reed, Dave Clark, John Postel. A melhor
fonte que encontrei sobre as posições que ele defende está no seu
artigo "Open Code and Open Societies: Values if Internet Governance"
que contém também as referências bibliográficas. Este trabalho pode
ser lido na home page de Lessig. O seu parecer sobre o Napster
(disponível na página do Napster) contém também argumentos importantes
nesta direção. Veja também <web.mit.edu/Saltzer/www/publications>
[is]]
4.2 Sobre o controle da invenção, há a questão das patentes. As
patentes são uma forma de regulação, uma forma de monopólio
concedido pelo governo. As patentes impõem custos para outros
inventores e para os consumidores. Podem também prejudicar outros
inovadores. Elas não servem, portanto, a nenhum propósito comum,
público. Não é possível confiar nas organizações que emitem as
patentes. Nos últimos anos houve um aumento desordenado do número
de patentes concedidas nos Estados Unidos. O maior aumento
refere-se a patentes de software e de modelos de negócios. A
qualidade de serviço das agências que controlam as patentes é
muito ruim. O serviço é feito por empregados sobrecarregados e mal
pagos. E não dá para entender como o governo dos Estados Unidos
permitiu isso, essa explosão na concessão desordenada de
patentes. Sem ter qualquer idéia mais precisa se eles fazem
qualquer bem, para que finalidade realmente servem. Eu sou
americano e eu não tenho nenhuma pista de porque eles fizeram
isto.
O atual sistema visa a transferência da invenção e da inovação
para as grandes empresas americanas. Seu efeito será a proteção
das grandes empresas americanas. Fazer uso do sistema de patentes
impõe custos, altos custos. É preciso fazer buscas de patentes
anteriores, é preciso ter acesso a muitos advogados. As pequenas
empresas que são e sempre foram os celeiros da invenção não
conseguem arcar com os custos envolvidos. As empresas que não são
americanas também ficam prejudicadas pelo sistema de patentes dos
EUA. Então o sistema atual não serve para proteger nem as pequenas
companhias nem aquelas que não são americanas.
4.3 O terceiro ponto é quanto ao controle do espectro. As grandes
empresas querem ter o controle do espectro. Querem convencer a
opinião pública de que é necessário que o governo leiloe o
espectro a fim de garantir um bom uso do mesmo. Mas a concessão de
uso do espectro pelo governo não é a única nem a melhor forma de
se fazer uso do espectro. A concessão por parte do governo obedece
a interesses políticos e não se deve permitir que o mercado se
aproprie do espectro. Muita gente pensa que o espectro é como uma
estrada, com diversas vias nas quais trafegam os veículos. As vias
devem ser administradas por companhias que garantam o uso adequado
de toda a estrada e que assegurem que os carros não venham a
colidir. Mas esse modelo é falso: o espectro não é como um
estrada. Ele pode ser compartilhado e não precisa ser
administrado, controlado, pelo governo ou pelo mercado, mas pela
*tecnologia*. Assim como a tecnologia que constitui a Internet
hoje. Devemos lutar para que esse modelo vigore, devemos combater
esse discurso de que o espectro deve ser privatizado. Quanto mais
diverso o uso, os recursos, o meio comum e compartilhado, mais
assegurada está a inovação. Caso contrário, a inovação fica
ameaçada, o velho é protegido do novo e de novos usos.
5. Portanto, as "Dark Forces" estão tentando modificar a arquitetura, tanto legal
quanto tecnologicamente. Os poderosos de hoje estão se protegendo
dos inovadores de amanhã. E ninguém está tomando medidas para
proteger a invenção. Devemos então resistir, adotar atitudes
céticas diante do governo dos Estados Unidos. Eu proponho quatro
medidas de resistência:
a) Devemos entender e defender o ambiente criado pela Internet e que
criou a Internet. Este é um ambiente que assegura, que sustenta, a
inovação. Devemos lutar pela manutenção da filosofia "end-to-end"
que advoga a simplicidade no centro da rede. Não devemos permitir a
apropriação da infra-estrutura da Rede, não devemos aceitar que
indivíduos se apoderem da Rede.
b) Devemos estender esse ambiente a todo contexto em que for
tecnologicamente possível. Em particular ao ambiente sem
fio. Devemos defender a diversidade, a multiplicidade, a varidade e
a quantidade.
c) Devemos ser céticos quanto a regulação. Não devemos, porém, opor-se
universalmente à regulação. Alguma regulação certamente
é necessária, mas não sabemos até que ponto ir. As pressões para
que regulações sejam impostas vêm daqueles que não podem competir
com o novo. As "Dark Forces" querem ser protegidas da inovação pela
legislação. Devemos resistir isto!
d) Devemos resistir contra o extremismo do modelo de propriedade
intelectual proposto/imposto pelos Estados Unidos e pela
Organização Mundial de Propriedade Intelectual. Não devemos aceitar
que exista apenas um modelo de propriedade intelectual proposto por
essa organização, que protege os direitos daquilo que já existe,
mas não protege a inovação.
6. Por fim, digo que sou um pessimista. É preciso proteger a Internet
antes que ela seja destruída. Acho que diante desse cenário,
uma revolução, ou uma contra-revolução, é necessária, mas eu
próprio não sei por onde começar.