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Re: Resumo da palestra do Lessig feita em São Paulo, em 07nov00




Muito interessante o resumo. Gostaria de fazer algumas perguntas
e observações:

1. O espectro de que se fala em 4.3 é o espectro eletromagnético, o das
transmissões de rádio e tv?

2. Do que o Lessig já escreveu li ainda muito pouco, por isso não estou
muito a par das idéias dele, e posso estar chovendo no molhado. Quando ele
diz que devemos ser céticos em relação à regulação, ele parece subentender
que o legislador sempre busca o interesse de particulares em detrimento da
sociedade. Entretanto, se a regulação visar o bem da sociedade, ela será
benéfica e me parece que esse tipo de regulação deve ser procurado. Veja
por exemplo o caso do Viaduto do Chá. Ele foi construído por um
particular, que cobrava pedágio das pessoas que passavam. Parece mais
razoável o status atual dele de propriedade pública, visto que se a
sociedade toda depende e haure benefícios ou facilidades daquele bem, faz
pouco sentido que ele seja propriedade particular. Uma rede ou mesmo um
sistema operacional (por exemplo) que, pelo motivo que for, tornou-se uma
via ou ferramenta de largo uso na sociedade, deve também de alguma maneira
pertencer a ela, ainda que a sua manutenção esteja a cargo de um
particular que para isso recebeu uma concessão, mas que não pode sentir-se
ou agir como o proprietário daquilo, por exemplo redefinindo os seus
padrões técnicos de funcionamento à revelia da sociedade. Enfim, penso que
uma regulação que defenda a sociedade deve ser objetivamente procurada.

3. Houve um erro de digitação na referência a Jon Postel, ficou "John" ao
invés de "Jon" (Jonathan). Um bom lugar para se conhecer mais sobre a
contribuição dos autores citados são os RFCs (http://www.ietf.org).

Obrigado e saudações,

Ricardo Ueda.


On Wed, 15 Nov 2000, Imre Simon wrote:

> O resumo a seguir foi feito pelo Érico Guizzo e complementado por mim
> mesmo. Obrigado, Érico, é um belo trabalho!
> 
> Este resumo dá uma idéia muito boa da fala do Lessig aqui em São
> Paulo, na semana passada.
> 
> As idéias do Lessig são muito ricas, muito provocativas e muito profundas.
> Gostaria de encorajar uma discussão destas idéias, incluindo também aquelas
> do livro dele e aquelas expressas nos seus trabalhos já
> comentados. Esta lista é um local ótimo para tal discussão.
> 
> Abraços,
> 
> Imre Simon
> 
> 
> - ---
> Palestra de Lawrence Lessig
> 1a Conferência Internacional de
> Direito da Internet e da Informática
> São Paulo
> 7/11/2000
> 
> 1. Estamos vivendo uma explosão de inovação, de invenção, da
>    criatividade, do comércio como nunca foi visto antes. Contudo, não
>    sabemos o porquê nem o que inspira essa "mágica". A Internet trará
>    novas formas de se fazer negócios e isso vai incomodar aqueles que
>    têm o poder, que têm o controle hoje. Chamemos essas forças de
>    "Dark Forces".
> 
> 2. Sabemos que essas forças irão responder. Elas irão reagir de duas
>    formas. Primeiro reagirão de formas conhecidas: tentarão garantir
>    seus interesses canalizando as mudanças através da
>    legislação. Pedirão aos legisladores para desacelerar as mudanças e
>    também tentarão proteger o velho do novo. Isso já está
>    acontecendo. Mas as "Dark Forces" também reagirão de uma forma mais
>    obscura para a maioria das pessoas, de uma forma que pode
>    representar uma ameaça para o futuro. Vou falar principalmente
>    desta segunda reação, mostrando como alterações na arquitetura de
>    um sistema podem afetar as suas características básicas.
> 
> 2.1 O ciberespaço tem uma constituição. É o código-fonte, o software,
>     o hardware, a arquitetura da Internet. As regras estão inseridas
>     no software, elas definem o espaço, incorporam valores, regulam o
>     comportamento, as normas sociais.
> 
>     Mas o fato de a arquitetura regular o comportamento não é novo:
> 
> [Os exemplos abaixo são tirados do artigo Cyberspace's Constitution do
> Lessig, disonível no sítio dele em Harvard. O Capítulo 7 do livro dele
> contém outros exemplos também.[is]]
>    
> a) David Hackett Fisher descreveu como os fundadores de New England
>    planejaram as cidades que fundaram de modo a garantir que a relação
>    entre os prédios e com a praça da cidade assegurasse que o
>    comportamento na cidade fosse adequadamente restrita e regulamentada.
> 
> b) Jeremy Bentham propôs uma arquitetura para prisões que ficou
>    conhecida como o panóptico (pan=tudo, óptico=ver) de Bentham. Era
>    uma prisão em que as celas ficavam dispostas de forma circular
>    havendo uma torre no centro, de onde se podia ver todos os presos.
> 
> c) Napoleão III reconstruiu Paris de modo que as avenidas sejam muito
>    largas para a época. Isto dificultaria o bloqueio das avenidas e
>    dificultava a atividade revolucionária. De fato, esta arquitetura,
>    devida a Haussmann, garante até hoje que Paris seja uma cidade
>    moderna, apesar de ter sido construída 150 anos atrás.
> 
> d) As pontes em Long Island foram construídas por Robert Moses numa
>    época em que o racismo ainda vigorava nos Estados Unidos. Dessa
>    forma, as pistas inferiores das pontes eram baixas de forma que só
>    podiam trafegar carros, mas não ônibus. Com isto preservou a
>    exclusividade de uso do espaço público.
> 
> 2.2 O espaço, portanto, pode regular o comportamento. E no ciberespaço
>     isso é ainda mais forte.
> 
>     O ciberespaço é de fato um lugar, as pessoas vivem lá, não apenas
>    sozinhos, mas em grupos. Depois essas pessoas se desconectam e
>    estão apenas "aqui". Os efeitos de viver "lá" serão sentidos
>    "aqui". Você poderá ser influenciado por comportamentos e culturas
>    não mais restritas ao local físico onde vive, a sua comunidade, mas
>    será influenciado de forma muito mais abrangente.
> 
>     Por exemplo, na vida real é mais fácil manter as crianças longe da
>    pornografia. No mundo real é difícil para uma criança fingir que é
>    um adulto. No ciberespaço é diferente. Um indivíduo, na rede, não
>    pode se "auto-autenticar" como no mundo real. Você é apenas mais
>    um, o próximo. Os sites eróticos não podem distinguir crianças de
>    adultos e impedi-las de acessar pornografia. Um site é apenas um
>    servidor, uma página que é acessada com um navegador, que troca
>    informações com o servidor. O usuário não tem conhecimento dessa
>    negociação. O servidor sabe bastante coisa sobre o cliente, mas
>    essa informação é transparente para o usuário. E isso faz parte da
>    arquitetura, é uma característica da arquitetura, e tem
>    conseqüências para a vida real.
> 
> 2.3 A experiência, portanto, está atrelada ao código, o código define
>     as liberdades, os controles, tudo depende dele. Mas o fato
>     importante é que o código pode ser *modificado*, alterado, sem que
>    isto seja notado pelos usuários.
> 
>    Por exemplo, num certo sistema online os usuários passaram a pagar
>    uma certa taxa se usassem os serviços de e-mail e bate-papo além de
>    um certo limite. Isso desagradou a muitos usuários, que começaram a
>    reclamar das taxas. O sistema online então alertou esses usuários
>    de que não iria admitir tais contestações, o que só agravou a
>    situação. Os usuários sentiram sua liberdade de expressão regulada
>    e começaram a reclamar ainda mais. O sistema online acabou
>    expulsando alguns usuários, mas a situação só piorou. Usando as
>    salas de bate-papo, um grande número de usuário se amotinou e
>    conseguiu reverter a situação contra o sistema online, abolindo as
>    taxas impostas.
> 
>     Mas tente começar uma revolução nas salas de bate-papo da America
>    Online, o maior provedor do mundo com mais de 25 milhões de
>    usuários, mas cujas salas de bate-papo ficam num canto escondido do
>    site e só permitem 23 usuário por vez. Você será considerado um
>    louco. Então não é por que a America Online tenha qualquer
>    restrição quanto a discussões políticas que você não conseguirá
>    organizar uma revolução. A limitação deve-se apenas à arquitetura
>    do sistema. Não há espaço público. E por isso a America Online não
>    sofre dos mesmos problemas do primeiro sistema online.
> 
> 3. O futuro da regulação, portanto, será a história de como a
>    arquitetura irá mudar. A liberdade estava antes protegida na
>    arquitetura liberal da Internet, mas agora está ameaçada. É
>    necessária uma contra-revolução contra as forças que querem
>    proteger o velho do novo e impedir a inovação. Essas forças já
>    estão agindo. Posso citar três exemplos de como essas Dark Forces
>    estão se mobilizando e o que pretendem.
> 
> Elas querem:
> 
> i) controlar a Rede;
> 
> ii) controlar a invenção e a inovação através do uso da Rede;
> 
> iii) controlar o espectro.
> 
> 4. Vou explicar melhor cada uma delas:
> 
> 4.1 Na década de 60, Paul Baran, da Rand Corporation, desenvolveu a
>     pedido do Departamento de Defesa (DoD), uma arquitetura de rede
>     muito parecida com o que é a Internet hoje. O DoD chamou a AT&T
>     para avaliar e possivelmente construir a nova rede. Mas a AT&T
>     desaprovou o projeto e disse que tal arquitetura de rede nunca
>     funcionaria. Não por acaso, a AT&T detinha o monopólio da
>     telefonia na época. Esse monopólido dava à empresa total controle
>     sobre a arquitetura do sistema telefônico e isso impedia a
>     inovação, o desenvolvimento de outras arquiteturas. Idéias e
>     propostas que não fossem condizentes com os interesses da AT&T
>     seriam coibidas e eliminadas como uma bola de neve no inferno. Só
>     depois que a AT&T foi quebrada em 1984 é que novos modelos puderam
>     ser propostos e a Internet se tornou realidade.
>    
>     Graças, principalmente, ao trabalho de David [???], Dave Clark e
>     [???], a Rede foi concebida com uma arquitetura simples,
>     estúpida. A Internet não discrimina os dados que trafegam através
>     dela, ela processa os pacotes cegamente. Essa estrutura encoraja a
>     inovação, o desenvolvimento de novos programas que façam uso dessa
>     arquitetura, mesmo que esses novos programas ameacem aqueles que
>     já são amplamente utilizados, as aplicações dominantes. O que
>     importa, portanto, é se o mercado, se os usuários demandam por
>     aquela aplicação. Essa é a diferença de princípios entre um
>     ambiente onde domina uma força centralizadora e um ambiente onde
>     inexistem tais forças. Nesses últimos, o poder pode ser
>     questionado sem conseqüências ameaçadoras. A inovação pode ser
>     bem-sucedida quando aparece num ambiente desse tipo e há demanda
>     por parte do mercado. Qualquer inovação pode ser facilmente
>     testada neste ambiente, a rede roda o quer que seja. A decisão da
>     aceitação ou não da inovação cabe ao mercado e à sociedade, neste
>     caso. Mas quando a Rede passa a ter donos, o que ocorre com a
>     mudança para o cabo ou para o ambiente sem fio, a história
>     muda. Os donos das redes terão controle sobre o conteúdo, sobre o
>     que é permitido, sobre que tipo de negócio é aceito. A Internet em
>     banda larga vai contra o princípio fundamental da arquitetura
>     simples e estúpida e a inovação poderá ser impedida. Podemos ver
>     um exemplo de como isso já está acontecendo se observarmos como a
>     AT&T está comprando agressivamente os provedores de Internet a
>     cabo. Ela quer transformar o acesso à Internet em um serviço de
>     cabo.
> 
> [ O Lessig fala cada vez mais sobre os princípios básicos da
> arquitetura da rede Internet. Ele refere-se aos trabalhos de Paul
> Baran, Jerome Saltzer, David Reed, Dave Clark, John Postel. A melhor
> fonte que encontrei sobre as posições que ele defende está no seu
> artigo "Open Code and Open Societies: Values if Internet Governance"
> que contém também as referências bibliográficas. Este trabalho pode
> ser lido na home page de Lessig. O seu parecer sobre o Napster
> (disponível na página do Napster) contém também argumentos importantes
> nesta direção. Veja também <web.mit.edu/Saltzer/www/publications>
> [is]]
> 
> 4.2 Sobre o controle da invenção, há a questão das patentes. As
>     patentes são uma forma de regulação, uma forma de monopólio
>     concedido pelo governo. As patentes impõem custos para outros
>     inventores e para os consumidores. Podem também prejudicar outros
>     inovadores. Elas não servem, portanto, a nenhum propósito comum,
>     público. Não é possível confiar nas organizações que emitem as
>     patentes. Nos últimos anos houve um aumento desordenado do número
>     de patentes concedidas nos Estados Unidos. O maior aumento
>     refere-se a patentes de software e de modelos de negócios. A
>     qualidade de serviço das agências que controlam as patentes é
>     muito ruim. O serviço é feito por empregados sobrecarregados e mal
>     pagos. E não dá para entender como o governo dos Estados Unidos
>     permitiu isso, essa explosão na concessão desordenada de
>     patentes. Sem ter qualquer idéia mais precisa se eles fazem
>     qualquer bem, para que finalidade realmente servem. Eu sou
>     americano e eu não tenho nenhuma pista de porque eles fizeram
>     isto. 
> 
>     O atual sistema visa a transferência da invenção e da inovação
>     para as grandes empresas americanas. Seu efeito será a proteção
>     das grandes empresas americanas. Fazer uso do sistema de patentes
>     impõe custos, altos custos. É preciso fazer buscas de patentes
>     anteriores, é preciso ter acesso a muitos advogados. As pequenas
>     empresas que são e sempre foram os celeiros da invenção não
>     conseguem arcar com os custos envolvidos. As empresas que não são
>     americanas também ficam prejudicadas pelo sistema de patentes dos
>     EUA. Então o sistema atual não serve para proteger nem as pequenas
>     companhias nem aquelas que não são americanas.
> 
> 4.3 O terceiro ponto é quanto ao controle do espectro. As grandes
>     empresas querem ter o controle do espectro. Querem convencer a
>     opinião pública de que é necessário que o governo leiloe o
>     espectro a fim de garantir um bom uso do mesmo. Mas a concessão de
>     uso do espectro pelo governo não é a única nem a melhor forma de
>     se fazer uso do espectro. A concessão por parte do governo obedece
>     a interesses políticos e não se deve permitir que o mercado se
>     aproprie do espectro. Muita gente pensa que o espectro é como uma
>     estrada, com diversas vias nas quais trafegam os veículos. As vias
>     devem ser administradas por companhias que garantam o uso adequado
>     de toda a estrada e que assegurem que os carros não venham a
>     colidir. Mas esse modelo é falso: o espectro não é como um
>     estrada. Ele pode ser compartilhado e não precisa ser
>     administrado, controlado, pelo governo ou pelo mercado, mas pela
>     *tecnologia*. Assim como a tecnologia que constitui a Internet
>     hoje. Devemos lutar para que esse modelo vigore, devemos combater
>     esse discurso de que o espectro deve ser privatizado. Quanto mais
>     diverso o uso, os recursos, o meio comum e compartilhado, mais
>     assegurada está a inovação. Caso contrário, a inovação fica
>     ameaçada, o velho é protegido do novo e de novos usos.
> 
> 5. Portanto, as "Dark Forces" estão tentando modificar a arquitetura, tanto legal
>    quanto tecnologicamente. Os poderosos de hoje estão se protegendo
>    dos inovadores de amanhã. E ninguém está tomando medidas para
>    proteger a invenção. Devemos então resistir, adotar atitudes
>    céticas diante do governo dos Estados Unidos. Eu proponho quatro
>    medidas de resistência:
> 
> a) Devemos entender e defender o ambiente criado pela Internet e que
>    criou a Internet. Este é um ambiente que assegura, que sustenta, a
>    inovação. Devemos lutar pela manutenção da filosofia "end-to-end"
>    que advoga a simplicidade no centro da rede. Não devemos permitir a
>    apropriação da infra-estrutura da Rede, não devemos aceitar que
>    indivíduos se apoderem da Rede.
> 
> b) Devemos estender esse ambiente a todo contexto em que for
>    tecnologicamente possível. Em particular ao ambiente sem
>    fio. Devemos defender a diversidade, a multiplicidade, a varidade e
>    a quantidade.
> 
> c) Devemos ser céticos quanto a regulação. Não devemos, porém, opor-se
>    universalmente à regulação. Alguma regulação certamente
>    é necessária, mas não sabemos até que ponto ir. As pressões para
>    que regulações sejam impostas vêm daqueles que não podem competir
>    com o novo. As "Dark Forces" querem ser protegidas da inovação pela
>    legislação. Devemos resistir isto!
> 
> d) Devemos resistir contra o extremismo do modelo de propriedade
>    intelectual proposto/imposto pelos Estados Unidos e pela
>    Organização Mundial de Propriedade Intelectual. Não devemos aceitar
>    que exista apenas um modelo de propriedade intelectual proposto por
>    essa organização, que protege os direitos daquilo que já existe,
>    mas não protege a inovação.
> 
> 6. Por fim, digo que sou um pessimista. É preciso proteger a Internet
>    antes que ela seja destruída. Acho que diante desse cenário,
>    uma revolução, ou uma contra-revolução, é necessária, mas eu
>    próprio não sei por onde começar.
> 
>