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Re: Resumo da palestra do Lessig feita em São Paulo, em 07nov00
- Subject: Re: Resumo da palestra do Lessig feita em São Paulo, em 07nov00
- From: Ricardo Ueda Karpischek <ueda@ime.usp.br>
- Date: Thu, 16 Nov 2000 13:48:05 -0200 (EDT)
Muito interessante o resumo. Gostaria de fazer algumas perguntas
e observações:
1. O espectro de que se fala em 4.3 é o espectro eletromagnético, o das
transmissões de rádio e tv?
2. Do que o Lessig já escreveu li ainda muito pouco, por isso não estou
muito a par das idéias dele, e posso estar chovendo no molhado. Quando ele
diz que devemos ser céticos em relação à regulação, ele parece subentender
que o legislador sempre busca o interesse de particulares em detrimento da
sociedade. Entretanto, se a regulação visar o bem da sociedade, ela será
benéfica e me parece que esse tipo de regulação deve ser procurado. Veja
por exemplo o caso do Viaduto do Chá. Ele foi construído por um
particular, que cobrava pedágio das pessoas que passavam. Parece mais
razoável o status atual dele de propriedade pública, visto que se a
sociedade toda depende e haure benefícios ou facilidades daquele bem, faz
pouco sentido que ele seja propriedade particular. Uma rede ou mesmo um
sistema operacional (por exemplo) que, pelo motivo que for, tornou-se uma
via ou ferramenta de largo uso na sociedade, deve também de alguma maneira
pertencer a ela, ainda que a sua manutenção esteja a cargo de um
particular que para isso recebeu uma concessão, mas que não pode sentir-se
ou agir como o proprietário daquilo, por exemplo redefinindo os seus
padrões técnicos de funcionamento à revelia da sociedade. Enfim, penso que
uma regulação que defenda a sociedade deve ser objetivamente procurada.
3. Houve um erro de digitação na referência a Jon Postel, ficou "John" ao
invés de "Jon" (Jonathan). Um bom lugar para se conhecer mais sobre a
contribuição dos autores citados são os RFCs (http://www.ietf.org).
Obrigado e saudações,
Ricardo Ueda.
On Wed, 15 Nov 2000, Imre Simon wrote:
> O resumo a seguir foi feito pelo Érico Guizzo e complementado por mim
> mesmo. Obrigado, Érico, é um belo trabalho!
>
> Este resumo dá uma idéia muito boa da fala do Lessig aqui em São
> Paulo, na semana passada.
>
> As idéias do Lessig são muito ricas, muito provocativas e muito profundas.
> Gostaria de encorajar uma discussão destas idéias, incluindo também aquelas
> do livro dele e aquelas expressas nos seus trabalhos já
> comentados. Esta lista é um local ótimo para tal discussão.
>
> Abraços,
>
> Imre Simon
>
>
> - ---
> Palestra de Lawrence Lessig
> 1a Conferência Internacional de
> Direito da Internet e da Informática
> São Paulo
> 7/11/2000
>
> 1. Estamos vivendo uma explosão de inovação, de invenção, da
> criatividade, do comércio como nunca foi visto antes. Contudo, não
> sabemos o porquê nem o que inspira essa "mágica". A Internet trará
> novas formas de se fazer negócios e isso vai incomodar aqueles que
> têm o poder, que têm o controle hoje. Chamemos essas forças de
> "Dark Forces".
>
> 2. Sabemos que essas forças irão responder. Elas irão reagir de duas
> formas. Primeiro reagirão de formas conhecidas: tentarão garantir
> seus interesses canalizando as mudanças através da
> legislação. Pedirão aos legisladores para desacelerar as mudanças e
> também tentarão proteger o velho do novo. Isso já está
> acontecendo. Mas as "Dark Forces" também reagirão de uma forma mais
> obscura para a maioria das pessoas, de uma forma que pode
> representar uma ameaça para o futuro. Vou falar principalmente
> desta segunda reação, mostrando como alterações na arquitetura de
> um sistema podem afetar as suas características básicas.
>
> 2.1 O ciberespaço tem uma constituição. É o código-fonte, o software,
> o hardware, a arquitetura da Internet. As regras estão inseridas
> no software, elas definem o espaço, incorporam valores, regulam o
> comportamento, as normas sociais.
>
> Mas o fato de a arquitetura regular o comportamento não é novo:
>
> [Os exemplos abaixo são tirados do artigo Cyberspace's Constitution do
> Lessig, disonível no sítio dele em Harvard. O Capítulo 7 do livro dele
> contém outros exemplos também.[is]]
>
> a) David Hackett Fisher descreveu como os fundadores de New England
> planejaram as cidades que fundaram de modo a garantir que a relação
> entre os prédios e com a praça da cidade assegurasse que o
> comportamento na cidade fosse adequadamente restrita e regulamentada.
>
> b) Jeremy Bentham propôs uma arquitetura para prisões que ficou
> conhecida como o panóptico (pan=tudo, óptico=ver) de Bentham. Era
> uma prisão em que as celas ficavam dispostas de forma circular
> havendo uma torre no centro, de onde se podia ver todos os presos.
>
> c) Napoleão III reconstruiu Paris de modo que as avenidas sejam muito
> largas para a época. Isto dificultaria o bloqueio das avenidas e
> dificultava a atividade revolucionária. De fato, esta arquitetura,
> devida a Haussmann, garante até hoje que Paris seja uma cidade
> moderna, apesar de ter sido construída 150 anos atrás.
>
> d) As pontes em Long Island foram construídas por Robert Moses numa
> época em que o racismo ainda vigorava nos Estados Unidos. Dessa
> forma, as pistas inferiores das pontes eram baixas de forma que só
> podiam trafegar carros, mas não ônibus. Com isto preservou a
> exclusividade de uso do espaço público.
>
> 2.2 O espaço, portanto, pode regular o comportamento. E no ciberespaço
> isso é ainda mais forte.
>
> O ciberespaço é de fato um lugar, as pessoas vivem lá, não apenas
> sozinhos, mas em grupos. Depois essas pessoas se desconectam e
> estão apenas "aqui". Os efeitos de viver "lá" serão sentidos
> "aqui". Você poderá ser influenciado por comportamentos e culturas
> não mais restritas ao local físico onde vive, a sua comunidade, mas
> será influenciado de forma muito mais abrangente.
>
> Por exemplo, na vida real é mais fácil manter as crianças longe da
> pornografia. No mundo real é difícil para uma criança fingir que é
> um adulto. No ciberespaço é diferente. Um indivíduo, na rede, não
> pode se "auto-autenticar" como no mundo real. Você é apenas mais
> um, o próximo. Os sites eróticos não podem distinguir crianças de
> adultos e impedi-las de acessar pornografia. Um site é apenas um
> servidor, uma página que é acessada com um navegador, que troca
> informações com o servidor. O usuário não tem conhecimento dessa
> negociação. O servidor sabe bastante coisa sobre o cliente, mas
> essa informação é transparente para o usuário. E isso faz parte da
> arquitetura, é uma característica da arquitetura, e tem
> conseqüências para a vida real.
>
> 2.3 A experiência, portanto, está atrelada ao código, o código define
> as liberdades, os controles, tudo depende dele. Mas o fato
> importante é que o código pode ser *modificado*, alterado, sem que
> isto seja notado pelos usuários.
>
> Por exemplo, num certo sistema online os usuários passaram a pagar
> uma certa taxa se usassem os serviços de e-mail e bate-papo além de
> um certo limite. Isso desagradou a muitos usuários, que começaram a
> reclamar das taxas. O sistema online então alertou esses usuários
> de que não iria admitir tais contestações, o que só agravou a
> situação. Os usuários sentiram sua liberdade de expressão regulada
> e começaram a reclamar ainda mais. O sistema online acabou
> expulsando alguns usuários, mas a situação só piorou. Usando as
> salas de bate-papo, um grande número de usuário se amotinou e
> conseguiu reverter a situação contra o sistema online, abolindo as
> taxas impostas.
>
> Mas tente começar uma revolução nas salas de bate-papo da America
> Online, o maior provedor do mundo com mais de 25 milhões de
> usuários, mas cujas salas de bate-papo ficam num canto escondido do
> site e só permitem 23 usuário por vez. Você será considerado um
> louco. Então não é por que a America Online tenha qualquer
> restrição quanto a discussões políticas que você não conseguirá
> organizar uma revolução. A limitação deve-se apenas à arquitetura
> do sistema. Não há espaço público. E por isso a America Online não
> sofre dos mesmos problemas do primeiro sistema online.
>
> 3. O futuro da regulação, portanto, será a história de como a
> arquitetura irá mudar. A liberdade estava antes protegida na
> arquitetura liberal da Internet, mas agora está ameaçada. É
> necessária uma contra-revolução contra as forças que querem
> proteger o velho do novo e impedir a inovação. Essas forças já
> estão agindo. Posso citar três exemplos de como essas Dark Forces
> estão se mobilizando e o que pretendem.
>
> Elas querem:
>
> i) controlar a Rede;
>
> ii) controlar a invenção e a inovação através do uso da Rede;
>
> iii) controlar o espectro.
>
> 4. Vou explicar melhor cada uma delas:
>
> 4.1 Na década de 60, Paul Baran, da Rand Corporation, desenvolveu a
> pedido do Departamento de Defesa (DoD), uma arquitetura de rede
> muito parecida com o que é a Internet hoje. O DoD chamou a AT&T
> para avaliar e possivelmente construir a nova rede. Mas a AT&T
> desaprovou o projeto e disse que tal arquitetura de rede nunca
> funcionaria. Não por acaso, a AT&T detinha o monopólio da
> telefonia na época. Esse monopólido dava à empresa total controle
> sobre a arquitetura do sistema telefônico e isso impedia a
> inovação, o desenvolvimento de outras arquiteturas. Idéias e
> propostas que não fossem condizentes com os interesses da AT&T
> seriam coibidas e eliminadas como uma bola de neve no inferno. Só
> depois que a AT&T foi quebrada em 1984 é que novos modelos puderam
> ser propostos e a Internet se tornou realidade.
>
> Graças, principalmente, ao trabalho de David [???], Dave Clark e
> [???], a Rede foi concebida com uma arquitetura simples,
> estúpida. A Internet não discrimina os dados que trafegam através
> dela, ela processa os pacotes cegamente. Essa estrutura encoraja a
> inovação, o desenvolvimento de novos programas que façam uso dessa
> arquitetura, mesmo que esses novos programas ameacem aqueles que
> já são amplamente utilizados, as aplicações dominantes. O que
> importa, portanto, é se o mercado, se os usuários demandam por
> aquela aplicação. Essa é a diferença de princípios entre um
> ambiente onde domina uma força centralizadora e um ambiente onde
> inexistem tais forças. Nesses últimos, o poder pode ser
> questionado sem conseqüências ameaçadoras. A inovação pode ser
> bem-sucedida quando aparece num ambiente desse tipo e há demanda
> por parte do mercado. Qualquer inovação pode ser facilmente
> testada neste ambiente, a rede roda o quer que seja. A decisão da
> aceitação ou não da inovação cabe ao mercado e à sociedade, neste
> caso. Mas quando a Rede passa a ter donos, o que ocorre com a
> mudança para o cabo ou para o ambiente sem fio, a história
> muda. Os donos das redes terão controle sobre o conteúdo, sobre o
> que é permitido, sobre que tipo de negócio é aceito. A Internet em
> banda larga vai contra o princípio fundamental da arquitetura
> simples e estúpida e a inovação poderá ser impedida. Podemos ver
> um exemplo de como isso já está acontecendo se observarmos como a
> AT&T está comprando agressivamente os provedores de Internet a
> cabo. Ela quer transformar o acesso à Internet em um serviço de
> cabo.
>
> [ O Lessig fala cada vez mais sobre os princípios básicos da
> arquitetura da rede Internet. Ele refere-se aos trabalhos de Paul
> Baran, Jerome Saltzer, David Reed, Dave Clark, John Postel. A melhor
> fonte que encontrei sobre as posições que ele defende está no seu
> artigo "Open Code and Open Societies: Values if Internet Governance"
> que contém também as referências bibliográficas. Este trabalho pode
> ser lido na home page de Lessig. O seu parecer sobre o Napster
> (disponível na página do Napster) contém também argumentos importantes
> nesta direção. Veja também <web.mit.edu/Saltzer/www/publications>
> [is]]
>
> 4.2 Sobre o controle da invenção, há a questão das patentes. As
> patentes são uma forma de regulação, uma forma de monopólio
> concedido pelo governo. As patentes impõem custos para outros
> inventores e para os consumidores. Podem também prejudicar outros
> inovadores. Elas não servem, portanto, a nenhum propósito comum,
> público. Não é possível confiar nas organizações que emitem as
> patentes. Nos últimos anos houve um aumento desordenado do número
> de patentes concedidas nos Estados Unidos. O maior aumento
> refere-se a patentes de software e de modelos de negócios. A
> qualidade de serviço das agências que controlam as patentes é
> muito ruim. O serviço é feito por empregados sobrecarregados e mal
> pagos. E não dá para entender como o governo dos Estados Unidos
> permitiu isso, essa explosão na concessão desordenada de
> patentes. Sem ter qualquer idéia mais precisa se eles fazem
> qualquer bem, para que finalidade realmente servem. Eu sou
> americano e eu não tenho nenhuma pista de porque eles fizeram
> isto.
>
> O atual sistema visa a transferência da invenção e da inovação
> para as grandes empresas americanas. Seu efeito será a proteção
> das grandes empresas americanas. Fazer uso do sistema de patentes
> impõe custos, altos custos. É preciso fazer buscas de patentes
> anteriores, é preciso ter acesso a muitos advogados. As pequenas
> empresas que são e sempre foram os celeiros da invenção não
> conseguem arcar com os custos envolvidos. As empresas que não são
> americanas também ficam prejudicadas pelo sistema de patentes dos
> EUA. Então o sistema atual não serve para proteger nem as pequenas
> companhias nem aquelas que não são americanas.
>
> 4.3 O terceiro ponto é quanto ao controle do espectro. As grandes
> empresas querem ter o controle do espectro. Querem convencer a
> opinião pública de que é necessário que o governo leiloe o
> espectro a fim de garantir um bom uso do mesmo. Mas a concessão de
> uso do espectro pelo governo não é a única nem a melhor forma de
> se fazer uso do espectro. A concessão por parte do governo obedece
> a interesses políticos e não se deve permitir que o mercado se
> aproprie do espectro. Muita gente pensa que o espectro é como uma
> estrada, com diversas vias nas quais trafegam os veículos. As vias
> devem ser administradas por companhias que garantam o uso adequado
> de toda a estrada e que assegurem que os carros não venham a
> colidir. Mas esse modelo é falso: o espectro não é como um
> estrada. Ele pode ser compartilhado e não precisa ser
> administrado, controlado, pelo governo ou pelo mercado, mas pela
> *tecnologia*. Assim como a tecnologia que constitui a Internet
> hoje. Devemos lutar para que esse modelo vigore, devemos combater
> esse discurso de que o espectro deve ser privatizado. Quanto mais
> diverso o uso, os recursos, o meio comum e compartilhado, mais
> assegurada está a inovação. Caso contrário, a inovação fica
> ameaçada, o velho é protegido do novo e de novos usos.
>
> 5. Portanto, as "Dark Forces" estão tentando modificar a arquitetura, tanto legal
> quanto tecnologicamente. Os poderosos de hoje estão se protegendo
> dos inovadores de amanhã. E ninguém está tomando medidas para
> proteger a invenção. Devemos então resistir, adotar atitudes
> céticas diante do governo dos Estados Unidos. Eu proponho quatro
> medidas de resistência:
>
> a) Devemos entender e defender o ambiente criado pela Internet e que
> criou a Internet. Este é um ambiente que assegura, que sustenta, a
> inovação. Devemos lutar pela manutenção da filosofia "end-to-end"
> que advoga a simplicidade no centro da rede. Não devemos permitir a
> apropriação da infra-estrutura da Rede, não devemos aceitar que
> indivíduos se apoderem da Rede.
>
> b) Devemos estender esse ambiente a todo contexto em que for
> tecnologicamente possível. Em particular ao ambiente sem
> fio. Devemos defender a diversidade, a multiplicidade, a varidade e
> a quantidade.
>
> c) Devemos ser céticos quanto a regulação. Não devemos, porém, opor-se
> universalmente à regulação. Alguma regulação certamente
> é necessária, mas não sabemos até que ponto ir. As pressões para
> que regulações sejam impostas vêm daqueles que não podem competir
> com o novo. As "Dark Forces" querem ser protegidas da inovação pela
> legislação. Devemos resistir isto!
>
> d) Devemos resistir contra o extremismo do modelo de propriedade
> intelectual proposto/imposto pelos Estados Unidos e pela
> Organização Mundial de Propriedade Intelectual. Não devemos aceitar
> que exista apenas um modelo de propriedade intelectual proposto por
> essa organização, que protege os direitos daquilo que já existe,
> mas não protege a inovação.
>
> 6. Por fim, digo que sou um pessimista. É preciso proteger a Internet
> antes que ela seja destruída. Acho que diante desse cenário,
> uma revolução, ou uma contra-revolução, é necessária, mas eu
> próprio não sei por onde começar.
>
>