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O que é uma prova?

Em matemática, uma prova= demonstração é uma argumentação que procura convencer o leitor de que uma certa uma proposição= afirmação previamente enunciada, está correta. Em outras palavras, uma prova é uma narrativa que ajuda o leitor a entender por que uma dada proposição é verdadeira.

Em geral, as proposições têm a forma se A então B, sendo A a hipótese e B a tese da proposição. Mas às vezes a hipótese não é dada explicitamente.

Qual a estrutura de uma prova? Uma prova é um texto, escrito em língua natural (português, ou inglês, ou russo, ou chinês, etc.), que consiste em uma sequência de sentenças gramaticalmente completas. Mais precisamente, uma prova é uma sequência de afirmações em que cada afirmação decorre logicamente das anteriores. A primeira afirmação é a hipótese da proposição e a última afirmação é a tese.

Exemplo 1

? ? 1 2 B
? ? 2 3 B
? ? 3 B 2
? ? B 2 1
? ? 2 1 0
? ? 3 1 0
2 B B 1 0
 1  2 2 1 0

Considere a configuração do jogo Minesweeper à direita. Cada B representa uma bomba. As posições em branco não têm bombas e as posições marcadas com ? podem ou não ter bombas. Uma posição marcada com um número k não tem bomba mas é vizinha de exatamente k bombas. (Cada posição tem até 8 vizinhos: ao norte, a nordeste, a leste, … , a noroeste.)  Nosso problema é decidir se uma dada posição ? tem uma bomba ou não.

Cada posição do tabuleiro é especificada por suas coordenadas. Assim, por exemplo, o extremo superior esquerdo do tabuleiro tem coordenadas (1,1) e o cruzamento da primeira linha com a segunda coluna tem coordenadas (1,2).

Proposição:  A posição (1,2) da configuração da figura não tem bomba.

Prova, por contradição:

Suponha, por um momento, que há uma bomba em (1,2).

A posição (2,3) é vizinha de duas bombas e há uma bomba em (3,4).

Logo, as posições (2,2) e (3,2) não têm bomba alguma.

Portanto, o 3 na posição (3,3) garante que há uma bomba em (4,2).

Agora, o 2 na posição (5,3) garante que não há bomba em (5,2) nem em (6,2).

Mas isso é inconsistente com o 3 na posição (6,3).

Esta contradição mostra que (1,2) não pode ter uma bomba.

Exemplo 2

Proposição:  Não existem números inteiros positivos p e q tais que p/q=2.  Em outras palavras, a raiz quadrada de 2 é irracional.

Prova, por contradição:

Suponha que existem números inteiros positivos p e q tais que (p/q)2=2.

Escolha p e q de modo que eles não tenham divisor comum.

Portanto, não existe número inteiro maior que 1 que divida tanto p quanto q.

O número p2 é par, pois p2=2q2.

O número p é par, pois o produto de quaisquer dois números ímpares é ímpar.

Seja s o número inteiro p/2.

O número q2 é par, pois q2=p2/2= (2s)2/2= 2s2.

O número q é par, pois o produto de dois ímpares é ímpar.

Os números p e q são divisíveis por 2.

Isso contradiz a maneira como escolhemos pq.

A contradição mostra que a raiz quadrada de 2 é irracional.

Exemplo 3

Proposição:  Se n é um número inteiro positivo então 12+22+32++n2= 16n(n+1)(2n+1).

Prova, por indução em n:

Suponha que n=1 (esta é a base da indução).

Nesse caso, os dois lados da identidade valem 1 e portanto são iguais.

Suponha agora que n>1 (aqui começa o passo da indução).

Por hipótese de indução, 12+22++(n1)2= 16(n1)n(2n1).

Portanto,  12+22++n2=

xxxxxxxxxxxx =12+22++(n1)2+n2

xxxxxxxxxxxx =16(n1)n(2n1)+n2

xxxxxxxxxxxx =16n((n1)(2n1)+6n)

xxxxxxxxxxxx =16n(2n23n+1+6n)

xxxxxxxxxxxx =16n(2n2+3n+1)

xxxxxxxxxxxx =16n(n+1)(2n+1),

como queríamos demonstrar.

Mau exemplo. Veja uma maneira feia de organizar a indução. Ela é feia porque vai na direção errada, de n+1 para n, e assim termina com uma expressão que não é idêntica à tese.

Suponha que n=1 (esta é a base da indução).

Então os dois lados da identidade valem 1 e portanto são iguais.

Suponha agora que a identidade vale para n (aqui começa o passo da indução).

Vamos provar a identidade para n+1:

xx 12+22++n2+(n+1)2=

xxxxxxxxx =16n(n+1)(2n+1)+(n+1)2

xxxxxxxxx =16(n+1)(n(2n+1)+6(n+1))

xxxxxxxxx =16(n+1)(2n2+7n+6)

xxxxxxxxx =16(n+1)(n+2)(2n+3)

xxxxxxxxx =16(n+1)(n+2)(2(n+1)+1)).

Exemplo 4

O grau de um vértice v num grafo é o número de arestas que têm ponta v. O grau de um vértice v é denotado por g(v).

Proposição:  Em qualquer grafo, a soma dos graus dos vértices é igual ao dobro do número de arestas. Em outras palavras, se (V,E) é um grafo então vVg(v)=2|E|.

Prova, por indução em |E|:

Base da indução: |E|=0.

Nesse caso, g(v)=0, e portanto g(v)= 2|E|.

Passo da indução: |E|>0.

Suponha que a identidade vale em todo subgrafo próprio de (V,E) (esta é a hipótese de indução).

Seja xy uma aresta do grafo.

Seja F o conjunto E{xy}.

Seja g(v) o grau de v no grafo (V,F).

Por hipótese de indução,  g(v)=2|F|.

Temos g(x)=1+g(x), g(y)=1+g(y) e g(v)=g(v) para todo v diferente de xy.

Portanto,  g(v)=1+1+g(v)=2+2|F|.

Mas 2+2|F|=2|E|.

Portanto,  g(v)=2|E|, como queríamos demonstrar.

Errado.  Eis uma versão errada da indução. Ela supõe a tese e acrescenta uma aresta ao grafo em vez de tirar uma.

Base da indução: |E|=0.

Então g(v)=0, e portanto g(v)=2|E|.

Passo da indução: suponha que g(v)=2|E| para um grafo (V,E).

Acrescente ao grafo uma nova aresta xy.

Seja E o novo conjunto de arestas.

Denote por g os graus dos vértices no grafo (V,E).

Temos g(x)=1+g(x), g(y)=1+g(y) e g(v)=g(v) para todo v diferente de xy.

Portanto, g(v)=1+1+g(v)=2+2|E|.

Mas 2+2|E|=2|E|, e assim g(v)=2|E|.

Exemplo 5

Um emparelhamento num grafo é um conjunto de restas que incide no máximo uma vez em cada vértice. Dizemos que um emparelhamento M satura um vértice v se M incide em v.

Proposição:  Em qualquer grafo, todo vértice não isolado é saturado por algum emparelhamento máximo.

Prova:

Seja G um grafo e u um vértice não isolado de G.

Seja M um emparelhamento máximo em G.

Se M satura u então nada mais temos que provar.

Suponha agora que M não satura u.

Seja uv qualquer uma das arestas que incidem em u.

O emparelhamento M satura v (pois é máximo).

Seja vw a aresta de M que incide em v.

O conjunto (M{uv}){vw} é um emparelhamento.

Esse emparelhamento é máximo (pois tem o mesmo tamanho que M).

Esse emparelhamento satura u.

Observações finais

É claro que você não precisa seguir fielmente o formato dos exemplos acima: o texto da prova pode ser complementado com comentários e observações que tornem a leitura mais fácil.  (A propósito, veja o artigo de Reuben Hersh.)

Exercícios

  1. Prove, por indução em k, que 20+21++2k=2k+11.
  2. Seja a um número positivo qualquer. Afirmo que an1=1 para todo inteiro positivo n. Eis a prova (por indução em n). Se n=1 então an1=a0=1 e portanto a afirmação está correta nesse caso. Agora tome n>1 e suponha, a título de hipótese de indução, que ak1=1 para k=n1,n2,,1. Então an1=an2a1=an2an2/an3=1×1/1=1. Portanto, a afirmação está correta para todo n, como queríamos provar. Onde está o erro dessa prova?  [D.E. Knuth, Fundamental Algorithms]
  3. Afirmo que i=1n11/(i(i+1))=3/21/n para todo número inteiro positivo n. Eis a prova, por indução em n. Para n=1, ambos os lados da equação valem 1/2 e portanto a afirmação está correta nesse caso. Agora tome n>1 e suponha, como hipótese de indução, que i=1n21/(i(i+1))=3/21/(n1). Teremos então
    i=1n11i(i+1)=i=1n21i(i+1) + 1(n1)n=321n1+1(n1)n=321n1 + 1n11n=321n.

    Onde está o erro da prova? Alguma coisa deve estar errada, pois quando n=6 o lado esquerdo da equação vale 5/6 enquanto o lado direito vale 4/3.  [D.E. Knuth, Fundamental Algorithms]

  4. Imagine uma barra retangular de chocolate que consiste em quadradinhos dispostos em m linhas e n colunas. Uma tal barra pode ser quebrada ao longo de uma linha ou de uma coluna, produzindo assim duas barras menores. Qual o número mínimo de quebras necessário para reduzir uma barra aos seus quadradinhos constituintes?  [Manuel Blum]
  5. Imagine uma jarra contendo um certo número de bolas brancas e bolas pretas. Suponha também que você tem um suprimento ilimitado de bolas brancas fora da jarra. Agora repita o seguinte procedimento enquanto ele fizer sentido: retire duas bolas da jarra; se as duas tiverem a mesma cor, coloque uma bola branca na jarra; se as duas tiverem cores diferentes, coloque uma bola preta na jarra. Qual a cor da última bola a sobrar na jarra?  [Manuel Blum]

Bibliografia e material suplementar