Por um fio de esperança

BOLSAS

Por um fio de esperança

Para professor do Instituto de Matemática e Estatística, a
queda global das bolsas não é preocupante; preocupante é a urgência da reforma fiscal. Só ela leva ao crescimento econômico

YEDA S. SANTOS

Engana-se quem pensa que as bolsas de valores são locais frios e absolutamente racionais. Isso é apenas parte da história. Na verdade, são lugares que adicionam esperanças a complexas operações baseadas em raciocínios extremamente simples, de compra e venda, em que o momento de vender ou comprar é amarrado por um fio de esperança – no futuro.

Qualquer negócio feito em bolsas depende de expectativas futuras. “Se o presidente do Banco Central americano (Federal Reserve) diz que vai baixar os juros; e que vão pagar menos pelos meus títulos, eu (me) retiro daquele mercado e procuro melhores oportunidades. Nesse momento sou racional”, explica o professor de Pesquisa Operacional e diretor do Centro de Matemática e Computação Aplicada (Cemcap), do Instituto de Matemática e Estatística (IME) da USP, Julio Stern.

A queda das taxas de juros americanas deve provocar, a curto prazo, um aquecimento na economia mundial com a venda de papéis ao próprio governo americano. O aquecimento se daria em caráter mundial porque todas as bolsas estão interligadas, sob o efeito da globalização, unindo os Estados Unidos ao resto do mundo.


Trata-se de um processo mecânico. As pessoas que precisam do rendimento proporcionado por aqueles (ativos) vendem seus títulos e aplicam em outros investimentos. Tiram seu dinheiro das letras do Tesouro Americano e buscam investimentos que remuneram com juros mais altos, (isto é) investimentos de maior risco.

“Operações em bolsas são determinadas pela lei do risco e retorno. Quanto maior o retorno, (maior) o risco. Quer dizer que, quando procuro investimentos que pagam altas taxas, corro o risco de ganhar ou perder muito dinheiro”.

Deve-se ver as bolsas de valores como um grande termômetro que mede as expectativas das pessoas em relação à economia e que apostam nelas. Uma fábrica de sonhos que boa parte das vezes se torna realidade. Portanto, não são instituições fechadas em si mesmas. Medem os sintomas da economia e alertam para a possibilidade de sucesso, contanto que se saiba interpretar corretamente seus sinais.

Diante disso (não) fica difícil perceber por que qualquer declaração que possa alterar os rumos da economia provoca a subida ou descida dos pregões.

Brasil de alto risco

De nada adianta entender o termômetro sem entender o corpo cuja temperatura ele está medindo. As bolsas de valores são o termômetro e a economia, como um todo, o corpo que manifesta a temperatura. O Brasil é considerado hoje um investimento de alto risco, (remunerando) seus investidores em 49,75% de juros ao ano. Isso não significa, necessariamente, um bom negócio. Significa que ao se tomar R$100,00 emprestados hoje e devolve-se R$ 149,75 daqui a um ano.

“Não existe processo produtivo que dê esse retorno. Além disso, nenhum investimento é amortizado em menos de dois anos”, assinala o professor e continua: “Vejo a taxa de juros no patamar em que está como um problema, pois está acima da capacidade de (pagamento) da economia brasileira”.

Apesar de os investimentos estrangeiros de longo prazo – indústrias que se instalaram no País – serem responsáveis por nossa perspectiva de crescimento, temos de resolver , “com urgência”, o déficit das contas públicas. “O Brasil está em situação muito privilegiada, pois os investimentos de longo prazo superam os de curto prazo”, analisa Stern, para quem o País tem um potencial tão grande de crescimento que será preciso muito esforço para estragar o jogo.

Mas o crescimento brasileiro, hoje, é sinônimo de reforma fiscal, que se define como a garantia de equilíbrio entre a arrecadação (através de impostos ) e os gastos públicos. A estrutura monetária brasileira saiu de situação completamente “capenga” e estruturou-se através do Plano Real. “Desde então, ficamos com um problema pendente, que é o déficit das contas públicas, ocasionado pelo fato de o País gastar, sistematicamente, mais do que ganha, situação que não será solucionada com maior arrecadação de impostos.”

Dá para pensar que quanto mais o governo (taxa), mais dinheiro arrecada para pagar suas contas. Não é verdade. Se o governo cobrar além do limite suportável pela capacidade produtiva de sua economia, mais gente deixa de pagar, entrando para a informalidade; mais empresas quebram. “Mede-se o limite da economia identificando sua capacidade de pagamento frente à sua capacidade de produzir”. informa o professor Stern.

Pelo contrário, se o País abater pelo menos 10% do total de impostos arrecadados, oferece à economia oportunidade de crescimento quase imediata. “Os Estados Unidos cobram 25% do PIB (Produto Interno Bruto) em impostos. enquanto o Brasil cobra 30%. A economia americana se debateu durante muito tempo com altas taxas e experimentou o desenvolvimento quando elas baixaram”, analisa.

Taxar a economia acima de sua capacidade resulta em perda de competitividade, permitindo que a importação de produtos mostre-se mais interessante (mais barata) do que produzir aqui, devido ao “custo Brasil”. Esse custo será alto se o processo produtivo for taxado repetidas vezes (imposto em cascata). Ele determina quanto custa fabricar bens no País. Quanto mais taxas incidem sobre o processo produtivo, mais caro e inviável ele se torna.

Por que a economia cresceria, caso as taxas de juros baixassem?

“Porque o empresário teria como ampliar seus negócios e contratar pessoas. Além disso, é muito melhor, para o governo, arrecadar 8% sobre 2 do que 10% sobre 1”, explica Stern. Segundo ele, se se enxugasse a máquina do Estado, tirando funcionários supérfluos, as despesas do governo diminuiriam e o resultado não seria o desemprego. “Desafogando a economia de tantos impostos, para cada emprego perdido no setor público o setor privado abriria duas a três vagas.” Isso porque o governo capta impostos do setor privado (para pagar salários). Se a economia cresce, os negócios em bolsas também crescem, valendo-se de seu papel de termômetro. “Elas respondem e amplificam os prognósticos da economia em geral.”

Para o professor Julio Stern, não causa surpresa a queda das bolsas, ao mesmo tempo, no mundo todo. “Em 1929 ocorreu fenômeno semelhante. E hoje temos a globalização para interligá-las”, resume. O valor das ações corresponde aos lucros esperados pelas empresas. Se a perspective é de perda (o valor das ações cai), por exemplo, por um desaquecimento na economia, o investidor procura outros tipos de investimento.

Crescer pode ser problema

O crescimento mundial é muito semelhante ao que ocorreu nas décadas de 20 e 30, com o aparecimento da eletricidade, que aumentou a produtividade e, quando esta aumenta, poucas pessoas fazem o trabalho de várias.

O outro fator de então, geopolítico, referia-se ao fim da I Guerra Mundial e ao número enorme de soldados que se transformaram em mão-de-obra disponível, levando ao desemprego. Se naquela ocasião o mundo experimentou aumento brutal de produtividade com os avanços da eletricidade, agora é por causa da informática.

“Atualmente, um operário é capaz de fazer o trabalho de dez. Talvez o seu salário tenha aumentado uma ou duas vezes, mas não aumentou dez porque, para o empresário, a produtividade interessa na medida em que ele possa ganhar mais sem alterar muito sua folha salarial. A quantidade de dinheiro injetada na economia através dos salários está diminuindo, com menos pessoas ganhando mais. Para não cair numa recessão (oferta maior que a demanda) é preciso fazer os ajustes necessários”, relata Stern..

Os dólares estão fugindo do País? Falar em fuga de dólares, segundo Stern, é força de expressão. “O Brasil convidou alguns investidores internacionais para investir aqui, em curto prazo, e investimento de curto prazo, como o nome já diz, é o capital que tem idas e vindas. Portanto, a saída de dólares não deveria surpreender ninguém. Esse investimento é assim por natureza.”


 O grito das bolsas

Durante os pregões, os operadores gritam como se estivessem num mercado onde se vendem legumes e verduras. “E assim deve ser. Cada um deles oferece preço melhor par seu produto”, conta o professor Julio Stern. Gritam sempre mais alto que o operador ao lado, seu concorrente, para alertar o comprador para o seu preço. Os operadores falam por um telefone especial, ligado diretamente à corretora para a qual trabalham. Na empresa, o corretor, em contato com o cliente, indica o caminho a tomar na busca dos melhores resultados. Se os negócios não vão bem e a bolsa cai 5%, por exemplo, é sinal de que o preço médio ponderado das ações caiu 5%.