O modelo em que todos ganham

GLOBALIZAÇÃO

O modelo em que todos ganham

O bom senso manda, atualmente, que se globalizem os processos produtivos toda vez que se pretenda resultados ótimos nos negócios, porque globalização e otimização são sinônimos

YEDA S. SANTOS


De todos os significados que se tem dado à globalização, talvez o melhor seja o que possibilita resultados ótimos para os negócios. Nesse sentido, globalizar é bem mais do que importar e exportar pois significa buscar resultados em que todos os envolvidos ganhem. E onde os lucros apareçam quando se atinge a eficiência produtiva, estabelecendo parcerias internacionais.

“Globalização é o nome que se dá ao fenômeno que indica facilidade de interagir economicamente fora do país. Ainda que o custo entre importação e exportação esteja empatado, o lucro pode se realizar através do baixo custo de produção, trazendo resultado ótimo”, explica o professor Julio Stern, diretor do Centro de Matemática e Computação Aplicada do Instituto de Matemática e Estatística (IME), da USP.

A resultados ótimos se dá o nome de otimização. Globalizar, portanto, é otimizar. O caminho mais curto para se chegar à otimização é a pesquisa operacional, verdadeira radiografia empresarial que detecta seus pontos nevrálgicos, através de cálculos matemáticos, em áreas que variam em muitos níveis de complexidade. Porém, qualquer que seja a área, tais pesquisas terão sempre por objetivo encontrar o ótimo resultado.

“São análises assim que tornam possível tomar decisões isentas, utilizando como único critério a eficiência e, para chegar a ela, os matemáticos calculam a real capacidade produtiva do que se quer atingir, para maximizá-la”, afirma Julio Stern. O termo pesquisa operacional surgiu na década de 40, durante a Segunda Guerra Mundial, aplicado à economia americana, para maximizar sua capacidade produtiva e fazer frente às demandas da guerra. Naquela época, tornou-se necessário modelar sistemas econômicos, capazes de montar equações que permitissem conhecer a capacidade produtiva do exército alemão para atingi-lo onde “doesse mais”. “Era uma arma de defesa”, observa Stern. Segundo ele, a pesquisa operacional descobriu que, de acordo com o modelo de capacidade produtiva, um dos calcanhares-de-aquiles do exército alemão era o combustível. A partir daí, foram feitas várias operações para destruir refinarias, como meio de provocar dano máximo ao inimigo. “Os ataques a refinarias poderiam nem configurar as operações mais eficientes do ponto de vista militar e não eram prioritários naquele momento. Mas transformaram-se em vitais depois de feita a modelagem econômica do sistema, que detectou ser necessário aplicar ali esforço concentrado”, acrescenta o professor.

Entre as décadas de 50 e 60 esse tipo de pesquisa foi utilizado em sistemas de energia e telecomuicações, na Europa e Estados Unidos. “A instituição líder nessa área foi o Banco Mundial, nos Estados Unidos, que fazia modelos econômicos de países endividados para escolher melhor onde investir”, lembra ele.

Já o Federal Reserve, o banco central norte-americano, é considerado um dos maiores criadores de modelos matemáticos e estratégicos. O banco tem tradição nessa área e volta-se para a política interna, na tentativa de regular sua própria economia de maneira ótima: diminuir ou aumentar taxas de juros; promover ou não o crescimento de empregos; mexer no câmbio.

“Pesquisa operacional e desenvolvimento estratégico são fundamentais, hoje, para um país que é também uma organização. A Petrobrás dispõe de departamentos que trabalham nisso, assim como o Banco Central, que se vale de muitos modelos matemáticos para realizar negócios”, relata o diretor do Centro de Computação Aplicada, que concebeu um modelo matemático de globalização para otimizar o maior grupo de empresas do setor de tintas da América do Sul pertencente à holding Bunge y Born.

A palavra-chave é otimizacão

Matemáticos e economistas trabalham juntos nesses projetos. O profissional de pesquisa operacional é o matemático e a modelagem da pesquisa é sempre em parceria. Bom exemplo disso foi o trabalho realizado, há cinco anos, junto à holding Bunge y Born, de origem argentina e atividade diversificada, incluindo a produção de tintas. O grupo hoje tem sede no Brasil e capital majoritariamente brasileiro.

Depois da Primeira Guerra Mundial chegou a deter 70% do mercado mundial de grãos e, atualmente, é uma das maiores produtoras de jeans do mundo, além de atuar nos ramos alimentício e químico. A empresa transferiu sua sede para o Brasil, na década de 70, após o seqüestro de um dos membros da família Born, Juan Born. O modelo de globalização ali aplicado é considerado pelo professor Stern “muito simples, com tempo de desenvolvimento pequeno para chegar a resultados fantásticos”.

Ele chama de resultado fantástico o lucro de US$ 1,7 milhão por ano para o grupo composto nelas empresas do setor de tintas – Alba (argentina), Inca (uruguaia) e Coral (brasileira) – depois de resolvidos, matematicamente, os desacertos na produção de resinas e emulsões, dois dos principais insumos dessa área. O planejamento trabalhou com cerca de mil variáveis que envolvem a fabricação de tintas e desenvolveu programa apropriado de computador para otimizar os lucros. Logo de início usou uma das principais prerrogativas oferecidas pelo Mercosul (Mercado Comum do Sul), que é a isenção de tarifas alfandegárias.

“Antes da interação proporcionada pelo Mercosul, as fronteiras eram pouco permeáveis e as taxas alfandegárias muito elevadas tornando praticamente impossível o trânsito entre os países. O Mercosul abriu a possibilidade de otimizar, mas sem apontar como. Já o modelo matemático mostrou como aproveitar essa oportunidade”, considera Stern. Foram introduzidos no sistema elementos de racionalidade que serviram como instrumento de negociação. “Substituímos o ‘vamos fazer aqui porque eu quero’ pelo ‘vamos fazer aqui porque é melhor para todos’. Essa é a racionalidade essencial para atingir o ótimo”, conta Julio Stern.

De acordo com o modelo aplicado, foi dada oportunidade a cada uma de fazer o que fizesse melhor. Antes disso, os dirigentes dessas empresas entendiam que o melhor era cada uma delas abastecer seu próprio mercado. O modelo matemático continua, em princípio, com essa hipótese, embora a responsabilidade pela fabricação de resinas e emulsões passe a ser coletiva.

As três empresas usam resinas, emulsões, pigmentos, solventes e água e existe cerca de uma dúzia de resinas envolvidas nesse processo produtivo. Mas, como cada fábrica comprava e produzia apenas para consumo interno, enfrentavam preços diferenciados de matérias-primas, nos três países. O Brasil fabrica alguns dos insumos no Pólo Petroquímico de Camaçari, na Bahia, e outros em Cubatão, que custam mais barato que em outros países, pois dispõe de política de incentivo ao uso de insumos produzidos aqui.

A Argentina fabrica alguns dos mesmos insumos que o Brasil e importa também. Há, ainda, a situação de quem importa tudo, como o Uruguai. “Importar lá é mais barato porque o país não produz nada, e não dispõe de política de incentivo”, diz Stern. Além disso, cada país tem uma demanda mercadológica. A solução para isso foi implantar uma política de compra conjunta – globalizada – que pudesse fazer frente aos preços, negociando a favor do grupo, em função do volume adquirido.


Modelo brasileiro

O Brasil está apto a fabricar e exportar software, segundo o professor Stern, muito embora seu mercado seja menor que o da cidade de Nova York. “Aqui temos mão-de-obra barata e capacitada”, diz ele. Por isso, entende que a reserva de mercado, nos anos 80, “deu com os burros n’água porque queria fazer a coisa errada, que era produzir hardware para o mercado interno”. Segundo Stern, temos que fazer o contrário: produzir software para o mercado externo. “Por que teríamos que produzir vinhos, enquanto a França produzisse frutas tropicais?” Segundo ele, temos uma vantagem comparativa em relação ao mercado americano, que é pessoal qualificado, bem treinado e com baixos salários. Isso o levou a participar de um projeto com duração prevista de três anos, que envolve a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) em cerca de US$ 60 mil, professores e alunos do Departamento de Ciência da Computação do IME, além da iniciativa privada, com o objetivo de desenvolver software para o mercado interno e o externo.