A Formação do Profissional de Bolsa




Mercado de capitais

A formação do profissional de Bolsa

É grande o número de formandos que saem das universidades mais preparados para serem ministros da Fazenda do que economistas com a visão do mercado financeiro que as nossas empresas tanto precisam.

Há quatro décadas, a Faculdade de Economia da Universidade de São Paulo (USP) fornece os melhores quadros aos orgãos públicos e empresas estatais. Hábeis em lidar com temas macroeconômicos, como dúvida interna e hiperinflação, por exemplo, os economistas recém-formados gaguejavam para explicar o que é mercado a termo, swap, título derivativo e outros termos corriqueiros no mercado de capitais. Não e à toa, assim, que as corretoras de valores e bancos iam buscar profissionais das áreas de Engenharia e Matemática, mais acostumados a transformar os números frios em rentáveis carteiras de ativos.

Não se trata, é claro, de incapacidade dos alunos da USP. O problema, constatado pelos próprios professores, era de um mal congênito dos cursos da Faculdade de Economia. No ano passado, por exemplo, a Bolsa de Mercadorias e Futuros apresentou um balanço vistoso, com o recorde de 200 mihões de contratos negociados em commodities – mercadorias agrícolas, agropecuária e ouro. Esse fabuloso mercado, perto de completar 100 anos, era, porêm, quase um mistério para os alunos que saíam com diploma da FEA nas mãos. A maioria era reprovada quando submetida a um teste para formar um portfolio de ativos. Aliás, o que é mesmo um portfolio de ativos?

Esse quadro começou a mudar. “Os alunos saíam preparados para serem ministros da Economia”, diz Marcos Eugênio de Lima Silva, professor na FEA e pós-doutorado na Universidade de Berkeley, Estados Unidos. “Mas aprendiam pouco sobre o funcionamento da moeda no mercado.”

Reconhecida a carência, os professores da FEA e do Instituto de Matemática da USP trataram de superá-la. A chave para abrir as portas do mercado de capitais aos alunos de Economia foi um curso especializado. O projeto teve o apoio institucional da BM&F, que ainda destinou US$ 80 mil à iniciativa. “As empresas ainda precisam de economistas com melhor visão do mercado financeiro”, explica Pedro Carvalho de Mello, diretor da Bolsa de Mercadorias e Futuros. “Os economistas precisam recuperar seu espaço no mercado.”

Os alunos imergem durante um semestre em 60 horas de aulas sobre finanças. Noções básicas da moderna teoria de finanças sobre a formação de portfolios e de preços de ativos, comportamento do mercado e estratégias de investimentos são alguns dos sete itens do cardápio servido aos alunos. O Instituto de Matemática desenvolveu o programa de software, batizado de Ponto-Crítico, que permite a aplicação do modelo de Markowitz – a principal ferramenta usada no mercado para a composição da carteira de ativos. “Ainda que alguns tópicos não sejam aprofundados”, esclarece Eugénio de Lima, coordenador do projeto, “o curso tem conteúdos teórico, técnico e prático”.

O primeiro curso foi realizado no ano passado. As 40 vagas logo foram esgotadas, e outros 150 alunos interessados ficaram de fora. A meta inicial era tornar o curso de especialização em mercado de capitais parte do currículo regular da FEA dentro de cinco anos. Mas a proposta entusiasmou tanto – não só os economistas, mas também alunos de Engenharia e Administração da USP – que isso ocorrerá já no próximo ano. O número de vagas também será ampliado, com turmas estudando pela manhã e à noite. Cálculos que os alunos sê iriam fazer caso resolvessem encarar um curso de pós-graduação agora começam a ser traduzidos durante os cinco anos de graduação. “Com a abertura internacional da economia”, diz Eugênio de Lima, “os estudantes precisam estar mais bem preparados para interagir com profissionais de outros países”.

Acadámicos mais perto do mundo real

A Bolsa de Mercadorias e Futuros ainda n˜åo era um dos pulmões financeiros de S˜åo Paulo, na década de 60, quando Pedro Carvalho de Mello frequentava o curso de Economia. Na Universidade Federal do Rio de Janeiro, ele ouviu as lições de Octávio Gouveia de Bulhões, ex-Ministro da Fazenda no Governo Castelo Branco. Carvalho de Mello chegou à cadeira de vice-presidente do Pittsburgh Bank, um dos dez maiores bancos dos EUA, mas sua trajetória não foi muito diferente da que percorre a maioria dos executivos hoje no mercado financeiro. “Aprendia-se muito apanhando da vida”, diz. Um caminho que pode ser facilitado, acha ele.

“A comunidade acadêmica deve se aproximar do mundo real da sociedade”, apregoa Carvalho de Mello. Essa integração traz vantagens para ambos os lados. A BM&F vem procurando encurtar a distância entre o mercado, não só com os economistas, promovendo palestras em várias faculdades. Com a Faculdade de Agronomia da USP, em Piracicaba, interior de São Paulo, a Bolsa de Mercadorias tem convênio para desenvolver cinco cursos de especialização em Mercado de Capitais. “O perfil do mercado de commodities mudou muito nos últimos anos”, justifica. Não basta ao agrônomo conhecer as técnicas avançadas de reprodução do gado – compara Carvalho -, se não souber tornar rentável esse ativo. O princípio vale na m˜åo inversa. Os profissionais do mercado financeiro deveriam pisar mais na seara dos agricultores. Com essa proposta surgiu na BM&F o programa Um Dia no Campo para funcionários das corretoras e instituições financeiras. “A integração tem sido muito útil”, avalia o diretor da BM&F.

De olho no filé-mignon da economia

Cristiano Monteiro Fortes, 20 anos, está terminando o curso de Economia na Universidade de S˜åo Paulo e com um pé no mercado de trabalho. No ano passado, ele teve que deixar o emprego no Banco América do Sul, à frente de uma sempre tumultuada mesa de operações de ouro e cámbio, nos pregões da Bolsa de Mercadoria e Futuros. O trabalho lhe tomava horas preciosas de estudos. Cristiano faz questõo de colecionar boas notas. Foi isso que lhe valeu – somado ao perfeito domínio do idioma inglês – a escolha para ser o primeiro aluno da FEA a participar, em 1993, do intercámbio cultural com a Universidade de Frankfurt, na Alemanha. Lá, assistiu, durante um ano, a aulas de Economia. “O mercado financeiro está cada vez mais exigente”, afirma o estudante.

De volta ao Brasil, alegrou-se com a possibilidade de conhecer melhor essa área, através do curso de especialização montado pela FEA, em convênio com a Bolsa de Mercadorias e Futuros. “Era inaceitável que o melhor curso de Economia da Amêrica Latina”, diz Cristiano, “não aprofundasse o estudo sobre o mercado de capitais”. Segundo ele, os economistas, mais bem preparados, têm muito a contribuir, pois, no Brasil, ainda se emprega pouco o calculo matemático para montar opções de investimentos.

Os estudantes de Economia já estão de olhos atentos nas muitas portas abertas ultimamente pelas instituições financeiras. Um dos sinais dessas ofertas à o aumento do número de bancos múltiplos. “O mercado de capitais à o novo filé mignon da Economia”, aposta Cristiano Monteiro.

Software ajuda a montar portfolios

As empresas do mercado de capitais não podem, a rigor, reclamar da eficiência da pesquisa básica na Universidade de São Paulo. Um programa de software que permite o uso do modelo de Markowitz, chave principal para a montagem de portfólios, foi desenvolvido no Instituto de Matemática e hoje agiliza a montagem de carteiras de ativos em seis grandes corretores do mercado. Trata-se do programa Ponto-Crítico, que também à empregado numa versão didática para os alunos da Faculdade de Economia no curso de especialização em mercado de capitais.

“O programa levou dois anos de maturação até se tornar aplicável”, diz Júlio Michael Stern, professor de Matemática e pai do programa. O Ponto-Crítico ministrado nas aulas acompanharão livro sobre o curso a ser editado na Faculdade de Economia ainda este ano. Os alunos da FEA e a BM&F têm acesso ao programa gratuitamente. Sem um programa avançado como esse, as corretores sê têm uma forma de montar o modelo de Markowitz: “Rachando a cabeça, na ponta do lápis”, diz Michael Stern.

Stênio Andrade
António Carlos Moreira