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Nascimento da Internet

Três fatos muito importantes devem ser mencionados neste ponto. De um lado temos a implementação de toda a pilha de protocolos TCP/IP da ARPANET, na versão do Unix escrito em Berkeley, a ``Berkeley System Distribution'', BSD. Este sistema era distribuído gratuitamente para universidades e rodava na arquitetura VAX da DIGITAL, a mais popular em universidades na época. Posteriormente ela deu origem a SunOS, também muito popular em ambientes acadêmicos, ligados às redes então existentes. A inclusão deste ``software'' num sistema operacional de ampla distribuição foi um fato catalizador que levou ao estabelecimento do TCP/IP como um padrão de fato. O sucesso deste padrão forçou a adesão da Microsoft em 1995, e a partir daí a inclusão desta pilha de protocolos em sistemas operacionais é praticamente obrigatória, sob pena de alto risco de falência do empreendimento.

O segundo fato que merece menção é o surgimento da empresa SUN que aproveitou os projetos da Stanford University Network e que foi fundada por entusiastas de grande visão da Universidade de Stanford e da Universidade de Berkeley, em 1982. A SUN popularizou o sistema operacional Unix, versão BSD, e facilitou sobremaneira a utilização de computadores em redes locais baseadas nos protocolos TCP/IP. Esta política fazia parte da filosofia da empresa, que professava nos anos 80 que ``The Network is the Computer'' numa espécie de reformulação do lema ``A União Faz a Força''. Um dos instrumentos mais poderosos da empresa neste sentido foi a introdução do Network File System, NFS, baseado num protocolo que a empresa tornou público e que teve uma aceitação universal logo em seguida. A NFS permite o compartilhameto transparente dos discos de vários computadores numa rede local facilitando a visão da rede heterogênea como um único sistema pelo usuário.

O terceiro fato a ser mencionado é a criação, em 1984, de outra empresa, a CISCO, por gente que igualmente saiu da Universidade de Stanford. Esta empresa escolheu como missão a fabricação de elementos ativos para a rede Internet, isto é, computadores especializados que tratam do encaminhamento, pela rede, dos pacotes digitais. Os mais complexos destes equipamentos são os roteadores que substituíram os computadores especializados originais, chamados de Interface Message Processors (IMP). A fabricação de ``hardware'' especializado para o protocolo TCP/IP tem duas conseqüências importantes. Por um lado, ele aumenta de muito a eficiência do processo de roteamento dos pacotes, permitindo que a rede alcance patamares de eficiência substanciais. Por outro lado, a fabricação em grande escala implica num barateamento dos equipamentos. Tudo isto transformou a CISCO numa empresa gigante que fatura 4 bilhões de US$ por ano e a Internet numa rede que conta hoje (julho de 1997) com mais de 16 milhões de computadores.

Nos anos intermediários da década de 1980 houve uma proliferação de redes [41] tais como DECNET, VNET, BITNET, HEPNET, JANET, JUNET, EARN, NETNORTH, FidoNet, etc. O livro [21], editado em 1989, listava nada menos do que 105 redes espalhadas pelo mundo todo, várias delas com uma forma particular de endereçamento de ``e-mail''.

Nesta época a rede ARPANET começou a mostrar sinais de fadiga devido à baixa velocidade de suas linhas (56 Kbps). Dado o enorme interesse, agora de toda a comunidade acadêmica, na conexão à rede, a NSF iniciou em 1987 um investimento maciço no estabelecimento de uma ampla rede acadêmica de alta velocidade e que interligasse inclusive os seus centros de supercomputação com toda a comunidade consumidora deste recurso. Criou-se a rede acadêmica NSFNET que viria a absorver a ARPANET, desativada em 1990. Nesta época a NSFNET alcançava toda a comunidade acadêmica dos EUA com um ``backbone'' de velocidade 1,5 Mbps. A NSFNET, sendo uma rede acadêmica, regia-se por uma ``Acceptable Use Policy'' que definia os usos aceitáveis e inaceitáveis da rede. A rede, sendo financiada pela NSF não podia ser usada para fins lucrativos. Vale mencionar que a NSF executou e operou a sua rede através de empresas privadas, sendo a empresa Merit, com ligações à Universidade de Michigan, uma das principais contratadas. Maiores detalhes sobre a história da NSFNET podem ser encontrados em [20].

Com a proliferação das redes o modelo e protocolos TCP/IP emergiram como o padrão predominante da área e isto tornou muito fácil a interligação de redes independentes. À megarede resultante chamou-se de Internet, que nasceu sem alardes como um corolário natural da ARPANET e da NSFNETgif. A Internet até hoje não tem um órgão regulamentador oficial. O que existe, desde 1992, é a Internet Society, uma sociedade civil que talvez assuma o gerenciamento global da rede em algum momento no futuro. A situação atual lembra talvez a anarquia da USENET nos anos 80, descrita pouco acima.

Apesar desta situação, o que mantém a Internet como uma unidade é o protocolo TCP/IP e o mecanismo público de fixação de suas normas através dos chamados RFC's (Request for Comments), cuja aderência rigorosa é forçada pelo desconforto, que se manifestaria em dificuldade de comunicação com o resto do mundo, de quem queira, por ventura, se afastar. Em outras palavras, o volume da Internet no momento é tal que torna-se impossível qualquer tentativa de concorrência com ela. É impossível exagerar, com relação à este aspecto, a importância da adoção do protocolo TCP/IP pela NSFNET em 1987. A própria indústria de ``hardware'' incorporou este protocolo nos seus produtos e, hoje em dia, a montagem de uma rede computacional fora dos padrões TCP/IP provavelmente seria proibitiva em função do seu alto custo e baixa probabilidade de aceitação. Como conseqüência desta situação as muitas redes que existiam ainda cinco anos atrás vêm desaparecendo uma a uma, sendo absorvidas pela Internet. Todas as tecnologias proprietárias encaixam-se nesta descrição.

A ampla disponibilidade de ``hardware'' TCP/IP relativamente barato e a ampla disponibilidade do ``software'' de rede TCP/IP praticamente gratuito levam ao estabelecimento cada vez mais numeroso de redes corporativas, sem interesse de conexão à rede Internet, por questões de segurança empresarial, e que usam a mesma tecnologia, o mesmo ``hardware'' e o mesmo ``software'' da Internet. Estas redes, que estão revolucionando a vida interna das grandes empresas [34], vêm sendo chamadas de Intranets desde o início de 1996 [2].

A NSF percebeu que a rede construída excedia rapidamente o seu interesse e o seu potencial de financiamento e que vencida a fase de introdução, a rede poderia se manter em seus próprios pés. Assim, em 1994 ela anunciou que retirar-se-ia em 1995 do financiamento da rede NSFNET e que concomitantemente iria desistir da imposição da ``Acceptable Use Policy''. A rede estava aberta para a exploração comercial e para o uso com fins lucrativos. Foi previsto um período de alguns meses para a transição. Esta transição veio a ser conhecida como a ``privatização'' da Internet.

A resposta da comunidade mundial foi imediata, explosiva e até surpreendente. O uso da rede aumentou para patamares nunca antes imaginados e continua crescendo no seu ritmo exponencial.


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Imre Simon
Wed Jul 16 16:46:01 EST 1997