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mensagem do Professor Setzer



Apenas com o objetivo demais informação copio aqui a mensagem do professor Waldemar Setzer sobre o ENEM o TRI etc.
Quero esclarecer que não é minha opinião assim como as outras que enviei.
carlinhos

 Olá a todas/os,

Vou aproveitar o e-mail do Caio para tecer algumas considerações sobre as provas dos vestibulares e do ENEM. Falo em grande parte de minha experiência no CESCEM da Fundação Carlos Chagas, que começou a onda dos vestibulares unificados nas provas de 1965, e também foi o primeiro a usar apenas testes (acho que o primeiro vestibular com testes foi o do ITA em 1959, ano em que entrei lá). Eu fazia parte do Conselho da Fundação e era responsável pelo processamento de dados dos exames.

1. Se os alunos pudessem ver as correções das provas de redação, aposto que seria o fim do uso desse tipo de provas, pois iria ficar provado que elas simplesmente não funcionam do ponto de vista de correção objetiva. Vou dar um exemplo. Uma vez, talvez lá por 1967-68, eu fui à sala onde estavam sendo corrigidas as provas dissertativas de Matemática da MAPOFEI. Lembro muito bem que um examinador levantou-se e disse algo como ?O que aconteceu com essa prova?? Ele tinha corrigido a questão que lhe cabia, tinha dado a nota máxima, e teve curiosidade de olhar as outras já corrigidas. Acho que todas, ou algumas, estavam com zero. Então ele examinou as respostas e viu que estavam todas certas.

2. Suponhamos que se queira objetividade total nas correções, isto é, que a nota seja totalmente independente de quaisquer outros fatores além das respostas dadas pelos candidatos. Nesse caso, a única solução é usar testes de múltipla escolha.

3. O saudoso Prof. Walter Leser dizia que havia várias pesquisas indicando que um bom teste era equivalente a uma boa prova dissertativa bem corrigida, inclusive em português.

4. O maior argumento a favor das provas dissertativas é a influência disso no ensino, especialmente o médio. Aí há, em minha opinião, um erro terrível: organizar o ensino escolar visando os exames do ENEM e os vestibulares (eu passei por isso, pois fiz o Bandeirantes -- mas naquela época, isso se refletia apenas na quantidade de aulas de cada matéria , e não no conteúdo, que visava o conhecimento). O próprio CESCEM tinha como meta influenciar as escolas, por isso fazia exames de laboratório de física, química e biologia, que funcionavam. Não sei como contornar esse problema sem mudar a mentalidade dos professores e dos pais, mas as escolas Waldorf mostram que é possível ter um ensino de qualidade sem levar em conta os vestibulares. Talvez uma solução seria tornar os cursinhos públicos (mas, por favor, não estatais, como o são as assim chamadas "escolas públicas").

5. Por que provas dissertativas não funcionam? Muito simples, por dois motivos. O primeiro é a exaustão, física e psicológica. Quem acha que um examinador que examina sua primeira prova do dia vai corrigi-la com os mesmos critérios que usará ao examinar sua centésima prova do dia, levante a mão por e-mail. O segundo são os fatores físiológicos e psicológicos de cada examinador; por exemplo, não dormiu direito na noite anterior, está fazendo um regime violento para deixar de ter sobrepeso (a propósito, mal que já aflige 60% dos brasileiros), brigou com o/a parceiro/a, está preocupado com uma dívida impagável etc. etc.

6. Em um país de corrupção deslavada, em todos os níveis, é realmente impossível evitar vazamentos de provas e questões. Se é para evitar isso, um exame não pode envolver talvez nem mesmo centenas de milhares de candidatos, quanto mais milhões.

7. Um exame para todo o Brasil parece-me não fazer nenhum sentido, pois as diferenças culturais são muito grandes. Lembro-me que há muuuitos anos o INPE tinha um projeto de desenvolver uma TV e um sistema com satélites para ensino até no meio da mata. Um dos exemplos de programas educacionais falava de galochas, coisa desconhecida no Nordeste e no Norte, que continha a população-alvo principal, e em desuso aqui no Sul. Será que a formulação de uma questão prática de matemática ou de física deveria usar o mesmo linguajar em qualquer canto do país? Lembro de uma questão, acho que do ENEM, envolvendo taxa de conversão de moeda estrangeira. Ora bolas, quantos dos candidatos já estiveram no exterior e vivenciaram esse problema para entender do que se trata?

8. Esse critério de ajuste dos pesos das questões do ENEM baseado em sua dificuldade, a Teoria das Respostas ao Item (TRI) parece-me uma aberração, pois quero ver quantos candidatos conseguem entender como sua nota final é calculada, mesmo se isso fosse possível. É válido uma pessoa prestar um exame e não saber como sua nota é calculada? No mínimo, no mínimo, já que aparentemente o critério de dificuldade é avaliado em testes anteriores, cada questão deveria ter o seu peso especificado na prova (se é que ele não depende dos resultados dela mesma).

9. Na época do CESCEM e em anteriores, havia em algumas faculdades um problema de excedentes, alunos que tinham sido ?aprovados? mas não conseguiram vaga e que faziam um ba-fa-fá para serem considerados aprovados. Tratava-se de exames com nota mínima de aprovação e não selecionadores dos ?melhores?.(A propósito, que melhor é esse? A única coisa que se pode afirmar de um aluno aprovado em um vestibular é que no momento da prova ele soube responder as questões dela melhor do que outros; não se pode afirmar que ele será um bom aluno na universidade e muito menos um bom profissional.) Pois naquela época um professor que era largamente considerado meio maluco, inventou um sistema matricial para calcular as notas de modo que só fossem aprovados exatamente o número de vagas (será que não havia desistências naquela época?). Obviamente ele foi rejeitado pois os pesos usados para o cálculo, a fim de eles darem justinho o número desejado de aprovados, eram arbitrários, isto é, poderiam prejudicar alguns candidatos e favorecer outros. Será que isso não está acontecendo com esse critério misterioso (para mim, que não o conheço) do ENEM?

10. Achei um artigo sobre o TRI

Entenda a Teoria de Respostas ao Item (TRI), utilizada no Enem

(Se o vínculo não funcionar, faça uma busca no google com esse texto.)

Dei uma olhada no artigo; ele é genérico, sem mostrar os cálculos que são feitos. Estou em dúvidas quanto à isonomia mencionada nele, isto é, se todos os candidatos são realmente tratados da mesma maneira. Suponhamos que essa isonomia seja estatística. Ora, um resultado estatístico não pode ser aplicado a um indivíduo isolado. Se um remédio tem 10% de chance de matar uma pessoa e 90% de curar, se você tomá-lo e morrer, para você a primeira chance foi de 100% (mas não se preocupe, você não saberá disso...).

aaaaaaaaaaaaaaaaaaa, Val.

Carlos Alberto de Braganca Pereira <cpereira@ime.usp.br>