QUAIS SÃO OS MELHORES E OS PIORES PRESENTES PARA CRIANÇAS E ADOLESCENTES?

Valdemar W. Setzer
www.ime.usp.br/~vwsetzer

Este ensaio foi publicado na revista Nós – Época de Natal 2008, editada pela Escola Waldorf Rudolf Steiner de São Paulo, pp. 29-31. Ele foi escrito tendo em vista os pais daquela escola, mas serve para o público em geral.

 

Fala-se em Natal, fala-se de presentes. Um bom presente é dado com consciência, e é aquele que é adequado para quem o recebe, produzindo alegria duradoura mas também algum desenvolvimento pessoal.

Quais são os melhores presentes? Genericamente, para crianças e adolescentes, são aqueles que incentivam a imaginação, o interesse pelo mundo real, e os desenvolvimentos físico, artístico, social e intelectual, todos levando-se em conta a idade. Por exemplo, um livro com ilustrações bonitas e artísticas, adequadas para crianças pequenas (raridade nas livrarias...), pode produzir um desenvolvimento intelectual adequado em uma criança de 2 anos, pois não será o de um intelecto abstrato. Nesse sentido, a Pedagogia Waldorf tem uma enorme contribuição a dar, pois conceitua o desenvolvimento infantil e juvenil conforme a idade e, a partir dele, pode-se deduzir o que é adequado ou não.

E os piores presentes? Aqui posso deixar de ser genérico. Penso que, além de casos universalmente aceitos, como por exemplo armas em geral (eu não daria nem as de brinquedo), os piores presentes que podem ser dados para crianças e adolescentes são, do mais para o menos ruim: video game, TV, acesso à Internet e computador.

Vou começar pela TV, pois a partir de uma conceituação sobre ela é fácil entender por que os video games são ainda piores. A TV é um presente péssimo pois, entre outros males, é apassivadora e condicionadora. De fato, um telespectador não faz nada com seu corpo enquanto está assistindo TV (segundo pesquisas, gasta menos energia do que uma pessoa deitada sem dormir), e não precisa nem fazer um esforço de concentração, pois normalmente não está mentalmente concentrado. As imagens sucedem-se com tal rapidez, que não é possível pensar conscientemente no que está sendo visto e ouvido. Por outro lado, como com qualquer aparelho com tela exibindo rapidamente imagens sucessivas, animação ou um filme, é impossível imaginar qualquer outra coisa. Isto é, o pensamento é abafado e as capacidades de imaginar e de fantasiar são prejudicadas. Criatividade, segundo o "sociólogo do lazer" Domenico di Masi, é a confluência de fantasia, isto é, ter idéias novas, com a capacidade de fazer algo concreto com essas idéias. Portanto, a TV prejudica decisivamente a criatividade. Por outro lado, o estado de consciência obnubilado normal de qualquer telespectador torna a TV um veículo condicionador, pois tudo o que é vivenciado pelo ser humano é gravado, a maior parte em seu subconsciente (o leitor não será o mesmo depois de ter lido este ensaio). Por isso houve um casamento perfeito entre TV e propaganda. Susan Linn, em seu livro Crianças do Consumo – a infância roubada (São Paulo: Instituto Alana, 2006), na pg. 132 cita que o McDonald’s gastou só nos EUA, só em propaganda na TV, só em 2002, US$ 510,5 milhões. Ora, uma empresa dessas não iria jogar fora essa fortuna, se ela não revertesse em polpudos lucros, ao fazer as pessoas inconscientemente terem vontade de comer junk food em um McDonald’s.

Imagine-se uma criança ou adolescente com uma TV em seu quarto. Isso significa total falta de controle por parte dos pais, seja dos programas, seja do horário. Isso me faz recordar um estudo da Associação Americana de Pediatria, que constatou que, em média, aos 18 anos um jovem americano já presenciou 200.000 atos de violência na TV. Considerando que tudo isso está gravado no subconsciente e no inconsciente, pode-se imaginar o aumento de agressividade, e embrutecimento de sentimentos (por exemplo, levando à falta de compaixão e à falta de capacidade de amar profundamente) que serão produzidos. Pode-se imaginar um presente pior do que dar uma TV a uma criança ou jovem?

Sim, pode-se. É só dar um video game, ou um sistema de VGs. Acontece que, se a TV condiciona pela imagem (e um pouco pelo som), os joguinhos condicionam também pela ação. Vou dividi-los em duas categorias: ação/reação e estratégia. Em geral, os da primeira exigem reações rápidas, automáticas (isto é, abafam totalmente o pensamento consciente, que é lento) e em geral contêm violência. A origem dos VGs violentos é, segundo o Cel. Dave Grossman (Stop Teaching our Kids to Kill, New York: Crown, 1999), um de seus pesquisadores no exército americano, a necessidade de dessensibilizar soldados (um soldado comum acerta 20% dos tiros, um dessensibilizado acerta 90%); notou-se que os VGs eram o meio mais eficiente para isso. Veja-se em meu site, em meus artigos, citações de pesquisas que mostram claramente que VGs (e também a TV) violentos aumentam a agressividade a curto, médio e longo prazos. Quando um VG é jogado no computador, até que poderia haver algum controle por parte dos pais (a menos de o aparelho estar no quarto dos filhos); mas nos portáteis não há nenhum controle. Quanto aos VGs de estratégia, todos forçam um pensamento lógico, formal, e muitos também têm violência. A Pedagogia Waldorf mostra que o pensamento lógico só deveria ser cultivado a partir do ensino médio. Além disso, muitos desses VGs simulam situações da realidade, como a vida de uma cidade. Só que os modelos de simulação são sempre matemáticos, sendo infinitamente distantes da realidade. Em outras palavras, esses jogos dão uma falsa idéia de como se podem resolver problemas, conflitos, etc.

"Vou dar um computador para meu filho." Péssima idéia. Veja-se, para começar, a posição de uma criança usando um computador: é uma posição de adulto ou de criança? A atividade é infantil ou de adulto? Em segundo lugar, já foi provado estatisticamente (inclusive em dois trabalhos, um alemão e outro da UNICAMP, usando dados do SAEB de 2001) que, quanto mais uma criança ou jovem usa um computador, pior seu rendimento escolar. Além de o computador ser máquina matemática, e portanto forçar um pensamento lógico-simbólico, inadequado antes do ensino médio, é preciso ter muita maturidade para controlar a si próprio, e não ser "agarrado" pela máquina. Ela sempre faz o que se a manda fazer (a não ser que se use o sistema operacional Windows...), em um determinismo que não existe na natureza e nem em outros tipos de máquina, e isso dá uma sensação enorme de potência. Além disso, não há nenhuma necessidade de crianças e adolescentes usarem um computador. A aparente necessidade aparece com a Internet.

Se o presente será uma conexão com a Internet, é bom pensar muitas, muitas vezes antes de embarcar nesse perigoso barco furado. Segundo Gregory S. Smith (How to Protect your Children on the Internet, Westport: Praeger 2007), crianças e adolescentes são ingênuos. Segundo um press release de 13/11/08 da agência da ONU International Communication Union, (minha tradução) "... de acordo com pesquisas recentes, 60% das crianças e adolescentes trocam mensagens instantâneas (chats) diariamente. Três em cada quatro crianças conectadas estão dispostas a dar informações pessoais e sobre sua família, em troca de bens e serviços. E a cada ano, uma em cada 5 serão alvos de predadores ou pedófilos." Portanto, além dos males que o computador produz física, social e mentalmente, aparece aqui o problema do perigo físico. Até que enfim, uns e outros vão começar a acordar, pois pouca gente confia em argumentos sobre consequências psicológicas ou psíquicas, mas desastres físicos todos aceitam (por isso não deixam seus filhos, digamos, de 10 anos, guiarem um automóvel). G.S.Smith recomenda instalação de dois tipos de programas, para filtragem de acessos e para monitoramento e gravação de toda a atividade feita com a Internet. O primeiro pode ser falho; o segundo, em minha opinião produz um ambiente de desconfiança (veja-se em meu site o artigo "Como proteger seus filhos da Internet"). Ele ainda recomenda a assinatura de um contrato entre pais e filhos, sobre o que pode e o que não pode ser feito por eles na Internet, especificando quais as penalidades no caso de infração às regras nele estabelecidas. Minha recomendação é que, se um pai acha erroneamente que a Internet é benéfica para seus filhos, ele precisa ficar continuamente ao lado deles quando usam a Internet.

Um presente pior do que uma conexão para a Internet em casa, é um celular com acesso a ela. Nesse caso não haverá nenhum, absolutamente nenhum controle do uso, e a impossibilidade de se instalar programas de controle e monitoramento de acesso.

Quaisquer benefícios trazidos pelos meios eletrônicos na educação são suplantados infinitamente pelos prejuízos que eles causam. Uma consequência absolutamente garantida desses meios é a aceleração indevida do desenvolvimento emotivo e intelectual de criança e jovens, ao mesmo tempo que prejudicam o desenvolvimento físico e a coordenação motora. Ora, justamente a Pedagogia Waldorf tem um cuidado extremo em preservar a necessária infantilidade e juventude, e desenvolver lentamente, harmoniosamente, o indivíduo como um todo. Espero que os pais Waldorf não irão contra esse espírito básico dessa pedagogia, dando presentes que prejudiquem o carinhoso esforço dos mestres, que tanto sucesso educacional tem produzido.