OS MEIOS ELETRÔNICOS E A EDUCAÇÃO:
Televisão, jogo eletrônico e computador

Valdemar W. Setzer
www.ime.usp.br/~vwsetzer – versão de 7/12/2001

1. Introdução

Este artigo foi escrito originalmente em espanhol como texto para um workshop realizado no Festival IDRIART La Educación Encerra un Tesoro, realizado em San Salvador, em março de 1998 (ver essa versão em meu site). Ele foi traduzido para o português por Ana Vieira Pereira e revisto e ampliado por mim. É o primeiro artigo de meu livro sobre meios eletrônicos e educação [Setzer, 2001, p. 15-39].

Neste ensaio descrevo brevemente, de um ponto de vista fenomenológico, os aparelhos de televisão, videogame e computador e a atitude daqueles que os usam. Em seguida, abordo o seu impacto no âmbito educacional. A abordagem conjunta dos três meios permite uma interessante comparação entre eles com relação à sua influência nos seus usuários, percebendo-se que cada um atua primordialmente numa região da atividade interior das pessoas. Artigos publicados em [Setzer, 2001] expandem ou especializam as considerações sobre cada um dos aparelhos (ver também artigos em meu site). As minhas considerações estão baseadas na Pedagogia Waldorf [Lanz, 1998], introduzida por Rudolf Steiner em 1919 e utilizada em mais de 800 escolas espalhadas pelo mundo.

2. A televisão

2.1 O aparelho

A televisão é um aparelho baseado num tubo de raios catódicos. Nele, um filamento é aquecido, formando à sua volta o que se chama de "nuvem de elétrons". Uma diferença muito grande de potencial elétrico (no caso de uma TV a cores, 25.000V) entre o filamento e a tela metalizada arranca os elétrons dessa nuvem, que deixam o filamento sob a forma de um feixe e encontram a tela; é no ponto de contato com ela que o fósforo da tela emite luz. O feixe é deslocado magneticamente, fazendo o que se chama de "varredura" (scanning), um caminho na tela por linha - primeiro as linhas ímpares, depois as pares, diminuindo-se assim o efeito de piscar (flickering). É interessante notar que a imagem nunca se encontra completa na tela, pois, quando o feixe volta para um ponto por onde já passou, este deve estar completamente "apagado", senão haveria sobreposição e a imagem deixaria de ser nítida. Assim, a imagem é formada de fato na retina, pela sua retenção luminosa, contrariamente a objetos observados pela visão. Uma variação na intensidade do raio produz pontos mais ou menos luminosos. No caso da TV a cores, há uma máscara com seqüências de três pontos vizinhos: vermelho, verde e azul; a combinação de diferentes intensidades do feixe em cada elemento de um conjunto desses três pontos produz no telespectador uma ilusão de cores. Cada imagem é formada 30 vezes por segundo, dividida em linhas formadas seqüencialmente por meio de pontos. No cinema, as imagens são formadas por quadros completos (24 por segundo) e não por linhas de pontos.

A imagem é muito grosseira: são cerca de 300.000 pontos - só para efeito de comparação, a retina tem cerca de 150 milhões de células sensíveis à luz. Assim, não é possível distinguir-se a expressão de uma pessoa se ela está focada por inteiro. Por isso nas novelas e nos telejornais somente o rosto é focado - como será visto adiante, a expressão da pessoa é fundamental na transmissão. Compare-se também nossa acuidade visual ao olharmos uma árvore a certa distância, vendo-se nitidamente as folhas; se ela é focalizada pela câmera de TV por inteiro, as folhas não podem ser distinguidas na tela.

Como no cinema, a televisão pode ser caracterizada como um sistema de imagens consecutivas, dando a impressão de movimento, com som sincronizado. Diferenças fundamentais são os fatos de que o aparelho é muito pequeno, e a tela de cinema é grande (o que exige movimentação dos olhos), e a imagem do cinema é muitíssimo mais fina e projetada por inteiro.

2.2 O telespectador

O telespectador está fisicamente inativo. Dos seus sentidos, trabalham somente a visão e a audição, mas de maneira extremamente parcial - por exemplo, os olhos praticamente não se mexem [Mander, 1978, p. 165]. De fato, a região de maior nitidez da retina, a fóvea, determina um cone de 2 graus de abertura total (dentre os 200 graus abrangidos pela visão, experimente-se com os braços abertos), e o aparelho a uma distância normal cobre 6 graus [Patzlaff, 2000, p. 25]. Daí a fixidez do olhar do telespectador, isto é, os músculos do olho ficam quase inativos. A imagem não se torna mais nítida se o telespectador aproximar-se da tela, contrariamente aos objetos comuns. Ao invés disso, começa-se a ver os pontos que compõem a imagem. A distância do aparelho é constante, portanto não existe necessidade de acomodação (convergência dos eixos ópticos e grossura do cristalino), a luminosidade também é praticamente constante, por conseguinte a pupila não muda de abertura, etc.

Os pensamentos estão praticamente inativos: não há tempo para raciocínio consciente e para fazer as associações mentais, já que os dois são muito lentos. Isso ficou provado nas poucas pesquisas de efeitos neurofisiológicos da TV [Krugman, 1971, Emery&Emery, 1976, Walker, 1980]: o eletroencefalograma e a falta de movimento dos olhos de uma pessoa vendo televisão indicam um estado de desatenção, de sonolência, de semi-hipnose (normalmente qualquer telespectador entra nesse estado num tempo de meio minuto). Jane Healy justifica esse estado mental como uma reação neurológica aos estímulos visuais exagerados e contínuos [1990, p. 174]. O piscar da imagem, o ambiente em penumbra e a passividade física do telespectador, especialmente seu olhar fixo, fazem com que o cenário seja semelhante a uma sessão de hipnose.

Ainda há a atividade interior dos sentimentos. É praticamente a única atividade externa e interna do espectador. Por isso os programas tentam sempre causar um impacto nos sentimentos: novelas com conflitos pessoais profundos, esportes perigosos e cheios de ação e a tão falada violência.

Tudo isso significa que o telespectador está num estado de consciência que têm os animais quando não são atraídos por uma atividade exterior como caçar, prestar atenção em um possível perigo, procurar alimento, etc.

O estado de sonolência do telespectador é muito conhecido entre os diretores de imagem. Por isso eles sempre produzem imagens que mudam constantemente: se uma imagem ficasse parada, todos adormeceriam. Jerry Mander disse que nos Estados Unidos as imagens mudam numa média de 8 a 10 por minuto, no que ele denominou de "efeitos técnicos", aí contados efeitos zoom, mudança de câmera, superposição de imagens, aparecimento de palavras na tela, e mesmo mudança não-natural de voz [Mander, 1978, p. 303]. Em transmissão de propaganda, ele detectou 10 a 15 efeitos técnicos. Neil Postman, em seu extraordinário livro sobre TV e discurso público, traz uma razão de 3,5 segundos por tomada de imagem [Postman, 1986, p. 86]. Hoje em dia, na TV brasileira, essas mudanças são muito mais rápidas, como eu pude constatar. Essa mudança constante de imagens e a excitação necessária dos sentimentos (recursos usados para impedir que o telespectador passe do estado de sonolência para o de sono profundo) fazem com que tudo o que a televisão transmite seja transformado em um show. Postman chama a atenção para o fato de que, com isso, quase tudo na vida se transformou num show: a política, a religião, a educação, etc. [p. 87, 114, 125, 142]. As pessoas acostumaram-se de tal forma com a apresentação em formato de show da TV que não aceitam nem agüentam outras formas de atividade cultural, mais simples e calmas, tendo a impressão de que são aborrecidas.

Na leitura, é preciso produzir uma intensa atividade interior: num romance, imaginar o ambiente e os personagens; num texto filosófico ou científico, associar constantemente os conceitos descritos. A TV, pelo contrário, não exige nenhuma atividade mental: as imagens chegam prontas, não há nada para associar. Não há possibilidade de pensar sobre o que está sendo transmitido, porque as velocidades das mudanças de imagem, de som e de assunto impedem que o telespectador se concentre e acompanhe a transmissão conscientemente.

2.3 A TV e a educação

De tudo o que foi visto, pode-se concluir que a TV não tem praticamente nenhum efeito educativo. Educação é um processo muito lento (o que se aprende de forma instantânea não tem valor profundo) e deve acompanhar o processo global da criança ou do jovem, mas na TV tudo é rápido pela necessidade do aparelho. A educação é um processo de caráter contextual (o professor leva em conta o que foi dado no dia ou na semana anterior e, em métodos de educação integrada, como na Pedagogia Waldorf, os professores sabem o que os outros professores da mesma turma estão fazendo e conhecem individualmente muito bem os seus alunos), mas a TV, como meio de comunicação de massa, está quase sempre totalmente fora do contexto do espectador.

O ponto mais negativo, porém, da televisão com relação à educação é que esta exige atenção e atividade do estudante, sobretudo quando se pensa que a educação deveria ter como uma das suas principais metas desenvolver nas crianças e nos jovens a capacidade de imaginar e de criar mentalmente. Mas a televisão faz exatamente o contrário: o constante bombardeio de milhões de imagens faz com que o telespectador perca a habilidade de imaginar e criar. Isso é principalmente preocupante com crianças e jovens, que estão desenvolvendo essas habilidades (num adulto que as tenha, a perda parcial pode ser lamentável, mas muito pior é nunca chegar a desenvolvê-las).

Pode-se concluir que a televisão pode ser empregada como meio de condicionamento, mas não de educação. Por isso, como notou Jerry Mander no livro já citado, existe um casamento perfeito entre TV e propaganda [Mander 1978, p. 134]: para esta, o estado ideal do consumidor é o de absoluta semi-consciência, porque assim não existe a crítica (a propaganda é a arte de convencer pessoas a consumir aquilo que não precisam, o que tem preço maior ou qualidade inferior). Em 2000, foram gastos no Brasil R$12,9 bilhões em propaganda, sendo que 63,5% foram para a TV [Betting, 2001] - por que funciona! Mander cita que nos Estados Unidos o gasto com propaganda na TV na década de 70 era de 60% [Mander, 1978, p. 134]. Marie Winn e Fred e Merrelyn Emery, mostram que a televisão não tem um efeito educativo [Winn, 1979, p. 59, Emery&Emery, 1976, p. 107]. O que ela tem é um efeito condicionador de ações e de imagens interiores.

Assim, a televisão representa em muitos aspectos a antítese da educação. Deve ser somente empregada na educação como ilustração, com vídeos de curta duração, para que o professor possa repetir imagens e discutir com os seus alunos o que eles viram, de preferência somente no ensino médio ou na universidade.

3. Os jogos eletrônicos

3.1 O aparelho

Vou considerar aqui somente o jogo eletrônico mais típico: aquele que exige velocidade do indivíduo que joga contra a máquina e ganha pontuação quando acerta determinadas ações, o que denomino de jogos tipo "combate".

O aparelho consiste numa tela (grande como um monitor de computador ou TV, ou até mesmo uma tela bem pequena de jogo portátil), um computador e um meio de comunicação entre o jogador e o computador - um teclado, um joystick ou uma pistola que detecte luminosamente a posição apontada por ela na tela.

A tela exibe uma figura em movimento; o jogador tem de fazer alguma ação com seus dedos, como pressionar algumas teclas; o computador detecta que teclas foram pressionadas e produz uma modificação na imagem da tela; e assim por diante.

Como será visto adiante, o computador é uma máquina determinista. Isso tem como conseqüência que, se há alguma imagem na tela e o jogador pressiona determinada tecla, a mudança de imagem do joguinho será sempre a mesma. Pode-se introduzir algum efeito aleatório, mas tem de ser sempre pré-determinado entre uma coleção de ações pré-programadas.

2.2 O jogador

Diferente do que acontece com a televisão, o conjunto jogo-jogador é um circuito fechado, ou seja, o que acontece na tela - o que a máquina faz , depende parcialmente das ações do jogador. Assim, o jogador não está fisicamente passivo. Mas a sua atividade é muito limitada: usando um teclado, somente os seus dedos se movem com muita rapidez e as suas mãos praticamente nem se movem; com um joystick, em geral somente uma das mãos faz pequenos movimentos.

Como na TV, a visão e a audição (quando há sons) estão parcialmente ativas, mas no jogo eletrônico ainda existe uma pequena atividade do sentido do tato e, para utilizar a classificação dos 12 sentidos introduzida por Rudolf Steiner [Setzer, S.A.L., 2000], o sentido sinestésico, de movimento, também está parcialmente ativo. Esses dois, todavia, assim como a visão e a audição, atuam de maneira extremamente limitada: as teclas não exigem uma diferenciação táctil e o movimento é sempre o mesmo.

Há ainda uma outra semelhança com a TV: o pensamento não está ativo. Como no jogo típico os pontos que o jogador ganha dependem da velocidade da sua reação, e como o pensamento consciente é muito lento, o jogador precisa reagir sem pensar. Na TV, o telespectador estava passivo sem pensar; no jogo eletrônico, o jogador está ativo num espaço extremamente limitado de movimentos, mas também sem pensar. Em outras palavras, os jogos impõem ações automáticas. Com isso, torna-se muito claro por que crianças têm mais facilidade e mais sucessos com essas máquinas: elas não têm ainda o seu pensamento e a sua consciência tão desenvolvidos como os adultos; esse desenvolvimento torna mais difícil a eliminação do pensamento quando é preciso exercitar uma ação.

Finalmente, como na TV, os sentimentos estão ativos, mas são aquilo que eu chamo de "sentimento de desafio" e são o que o que atrai o jogador. Em ambos os casos eles são artificiais, ou seja, não têm relação com a realidade da natureza e são incentivados desde o exterior. Compare-se com sentimentos despertados por leitura de um romance: eles são baseados em uma criação interior (a imagem do personagem ou da situação). Ou com a visão de uma pessoa alegre ou sofrendo, em que existe a realidade da alegria ou do sofrimento alheios. No caso do jogo, o sentimento é enfrentar o desafio, ganhar da máquina.

É interessante notar que reações automáticas são características de animais e não de seres humanos adultos. Em geral, o ser humano pensa antes de fazer algo, examinando, por meio de representações mentais, as conseqüências de seus atos. Por exemplo, suponha-se que um homem veja na rua uma mulher muito bonita e tenha vontade de beijá-la. Normalmente ele não faria isso, porque pensaria que ela talvez não gostasse, pudesse gritar e aí ele ficaria numa posição no mínimo desconfortável. E, assim pensando, não age segundo os seus impulsos. A mesma coisa não acontece com os animais: eles agem movidos pelos seus impulsos e pelo condicionamento imposto pelo meio ambiente. Um animal não pensa nas conseqüências dos seus atos. Por isso pode dizer-se que o jogo eletrônico, por um lado, "animaliza" o jogador.

Por outro lado, como o jogo impõe pequenas ações motoras automáticas e essas ações são mecânicas, "maquiniza" o ser humano. É fácil perceber que, se o jogador fosse substituído por uma máquina, com uma câmara para detectar as mudanças na tela e um computador para planejar e efetuar as ações, ela jogaria muito melhor do que qualquer ser humano. Em outras palavras, pode dizer-se que o jogador está sendo reduzido a uma máquina de detectar pequenos e limitados impulsos visuais e fazer pequenos e limitados movimentos com os seus dedos.

3.3 O jogo eletrônico e a educação

Um dos mais importantes objetivos da educação é desenvolver lentamente a capacidade de tomar atitudes conscientes. Como foi visto, os animais agem sempre seguindo seus instintos e condicionamento, mas seres humanos não. Os jogos eletrônicos vão contra esse objetivo da educação e produzem, como vimos, uma "animalização" do ser humano; isso é contrário a um dos objetivos supremos da educação, que é tornar o jovem mais humano e menos animal.

Como no caso da TV, não há contexto no jogo. Todos os jogadores são tratados da mesma forma. Dessa maneira, o jogo vai contra o ideal da educação de produzir indivíduos diferenciados. Por outro lado, os jogos condicionam o jogador a executar os movimentos limitados, que o fazem ganhar mais pontos. Um dos ideais da educação deveria ser formar indivíduos que possam agir em liberdade, procurando atingir as metas que eles mesmos se propõem, e não agir de maneira condicionada.

O jogador aprende a fazer algo muito especializado. Mas o que aprendeu somente se aplica no jogo, não pode ser utilizado na vida prática diária. No entanto, numa situação de emergência, de estresse, de consciência abafada, o jogador pode reagir como fazia no jogo, mas tratando o real como artificial, o que é um grande perigo, pois são duas coisas completamente diferentes. Nesse sentido ele é muito pior do que a TV. Esta grava no subconsciente do telespectador todas as imagens e situações vistas; o jogo eletrônico, além dessa gravação, ainda treina o jogador a executar certas ações. No artigo sobre jogos eletrônicos de meu livro sobre meios eletrônicos e educação [Setzer, 2001], cito tragédias ocorridas em escolas americanas, em que o condicionamento e o treinamento promovido por eles provocaram ações violentas, trágicas, executadas por jovens jogadores. Estes agiram como animais ou, pior ainda, como máquinas, com fantástica precisão e sem nenhuma compaixão. Isso não significa que todos os jogadores de jogos violentos (95% de todos os jogos) sairão dando tiros por aí; mas em situações de emergência ou de estresse podem reagir como foram condicionados pelos jogos. De qualquer modo, todas as vivências do ser humano ficam gravadas no seu consciente ou subconsciente, de modo que todo esse lixo de imagens e ações violentes acaba forçosamente por influenciar o modo de pensar e o comportamento dos jogadores.

Assim, o jogo eletrônico também não tem efeito educativo. Pelo contrário, prejudica a educação e deseduca.

4. O computador

4.1 O aparelho

O computador é uma máquina completamente diferente de todas as outras. Estas servem para transformar, transportar ou armazenar energia ou matéria, como um torno que transforma matéria; um carro, que transporta pessoas (matéria); uma bateria, que armazena energia elétrica. O computador não faz nada disso: ele transforma, transporta e armazena dados, que são representações simbólicas quantificadas ou quantificáveis e não devem ser confundidos com informações. Estas devem ter sempre um significado para quem as recebe, e podem não ser transmitidas sob forma de dados como, por exemplo, a sensação de calor ou de frio (ver o artigo "Dados, informação, conhecimento e competência" em [Setzer, 2001] e em meu site). Aquela quantificação é essencial para os dados poderem ser introduzidos em um computador, onde tudo deve necessariamente estar quantificado. Note-se que programas também são dados.

Dados não têm consistência física, são produtos do nosso pensar. (Foi justamente o fato de os dados não serem físicos que levou à redução do tamanho dos computadores. Não se pode reduzir o tamanho dos tornos ou dos carros, porque devem estar de acordo com a matéria física que vão transformar ou transportar.)

O computador é uma máquina de simular pensamentos restritos. O programa que ele executa consiste em pensamentos, que são as instruções ou comandos. A execução do programa simula os pensamentos que o programador elaborou para processar os dados, que também foram pensados. Não é correto dizer que o computador pensa, visto que as instruções são pensamentos altamente restritos e limitados às ações que a máquina pode executar. O pensamento humano contém infinitamente mais que o que é utilizado para simular a execução de um programa. Além disso, o computador segue cega e inexoravelmente as instruções de um programa, de modo que ele não pode ter a criatividade de nosso pensamento, fora o fato de obviamente não ter sentimentos. Normalmente os sentimentos sempre acompanham e influenciam os pensamentos e vice-versa.

As instruções ou comandos - mesmo os icônicos - de uma linguagem de programação ou de um software qualquer são entes matemáticos, pois podem ser descritos totalmente de maneira formal, por meio de construções matemáticas. As outras máquinas, que trabalham com matéria ou energia, não estão sujeitas a uma descrição totalmente matemática, somente uma muito aproximada. Isso porque que não se sabe o que é a matéria: não há um modelo matemático exato para ela (é interessante notar que há bons modelos, aproximados, na mecânica quântica, somente para átomos muito simples). Como os dados são símbolos formais, pode dizer-se que a matemática dos computadores é lógico-simbólica. E, dentro da matemática lógico-simbólica, há ainda uma outra restrição: ela deve ser algorítmica. Assim, os programas devem ser compostos de instruções matematicamente bem definidas numa Matemática discreta, e devem terminar a sua execução para qualquer dado de entrada. Além disso, a seqüência das instruções é absolutamente fundamental (ao contrário de muitas formulações matemáticas, por exemplo, a axiomática).

Dessa forma, o computador pode ser caracterizado como uma máquina abstrata, matemática (do tipo algorítmico). As máquinas que não são computadores são, ao contrário, concretas. Tudo o que acontece no computador não tem nada a ver com a realidade, a menos que ele controle outra máquina. Por isso, ele representa tudo de uma maneira virtual, ou seja, mental.

Existe uma outra característica muito importante, que o computador tem em comum com muitas outras máquinas como, por exemplo, uma máquina de lavar roupa: o seu funcionamento pode ser autônomo. Um programa pode fazer muito processamento de dados sem nenhuma intervenção do operador. De fato, quando um usuário dá um comando a um computador ou ativa um ícone, por exemplo num editor de textos usando um comando para alinhar verticalmente um parágrafo, a máquina executa uma quantidade enorme de instruções de forma autônoma. Nesse exemplo, uma quantidade de cálculos matemáticos e manipulações de símbolos: as palavras podem ser juntadas no lado esquerdo (movimentando cada caractere para uma linha em branco) deixando o espaço mínimo entre cada duas palavras; o número de palavras em cada linha é contado; o número de espaços em branco que sobraram à direita é dividido pelo número de palavras da linha menos um; finalmente um número de espaços em branco igual a esse quociente é inserido entre cada duas palavras, que vão sendo deslocadas para a direita.

No entanto, contrariamente a outras máquinas autônomas, o computador não tem uma função específica: sua função depende do programa que nele é introduzido.

Finalmente, uma característica fundamental dos computadores é que são máquinas deterministas. Isso quer dizer que, se a máquina está num certo estado (e seus estados possíveis são sempre finitos e discretos, quer dizer, não há uma transição contínua entre cada dois estados possíveis), e uma instrução é executada (ou dá-se-lhe um comando como pressionar uma tecla ou uma combinação de teclas, ou até mesmo acionar um ícone numa linguagem icônica, no exemplo de alinhar o texto verticalmente), a máquina vai sempre mudar para o mesmo estado. Se há algo determinado exibido na tela, e a máquina está parada esperando alguma ação do usuário, se este executa uma certa ação com a máquina, a tela vai mudar sempre da mesma maneira.

Todas as máquinas que não são computadores (para ser mais precisos, isso deveria ser generalizado para máquinas "não-digitais") não são deterministas: não se pode prever com exatidão matemática o resultado de uma ação. Por exemplo, um torno. Mesmo que seja automático, produz um eixo com um diâmetro sempre aproximado como, por exemplo, até 0,05 cm a mais ou a menos.

Há muitas outras características próprias dos computadores, mas o que foi exposto é o essencial para considerações do ponto de vista educacional.

4.2 O usuário

Quando se examina a atitude do usuário de computador, vê-se que ele, como no jogo eletrônico, faz parte de um circuito fechado. Também ele olha para uma tela e faz pequenos movimentos com seus dedos - talvez um pouco maiores que no jogo, mas ainda assim bem limitados, mecânicos. Quando utiliza o mouse, necessita de um pouco mais de coordenação motora e sensibilidade, mas estas também são muito restritas e pobres em comparação com, por exemplo, agarrar uma bola, tocar um instrumento musical, etc. Ao contrário do que acontece com o jogo eletrônico, não há, em geral, necessidade de fazer movimentos bruscos e rápidos. Mas percebe-se que o usuário também está, de certa forma, preso à máquina, muitas vezes num estado que vou chamar de "estado do usuário obsessivo". Esta obsessão faz com que o usuário fique durante horas diante do computador, muitas vezes esquecendo-se da sua vida pessoal, das suas obrigações e necessidades. De onde vem essa obsessão tão típica dos usuários de computadores?

Vimos que o computador é uma máquina automática, abstrata e determinista. Isso faz com que o usuário tenha certeza de que o comando pensado e dado à máquina vai ser executado por ela conforme previsto. Muitas vezes, isso não acontece: o comando não é adequado ou existe algum erro no programa. Nesse momento, ocorre uma frustração no usuário, que é diferente de todas as outras frustrações experimentadas pelas pessoas em suas vidas. Por exemplo, um jogo de tênis. Quando o jogador erra um serviço, ele se frustra; mas não sabe se o próximo serviço vai estar certo, fazendo a bola cair naquele maldito pequeno retângulo do outro lado da rede. Mas com o computador tem-se a certeza absoluta de que existe um comando ou uma combinação de comandos que executam a operação desejada. Enquanto não descobre que comando ou combinação são esses, a pessoa é tomada por um estado obsessivo de excitação puramente intelectual - lembremo-nos de que a máquina é abstrata, funcionando ao nível mental; não há uma restrição de coordenação motora inconsciente, como no tênis ou outro jogo de bola.

Por ser uma máquina abstrata, matemática, o usuário é levado a empregar uma linguagem de comandos que também é matemática, lógica-simbólica. Poder-se-ia argumentar que ele está empregando símbolos e formas de maneira completamente diferente dos da matemática usual; mas não deixa de ser um formalismo matemático. Atenção: não me refiro aqui à digitação de um texto - que também envolve um formalismo, já que cada tecla produz sempre a mesma letra da mesma forma -, mas ao ato de emitir qualquer comando, como o de alinhar um texto verticalmente, ou salvar e imprimir o texto, etc. Pode-se digitar ou datilografar um texto sem praticamente pensar, nem mesmo no que ele significa. Isso é impossível no computador: seria como fazer cálculos sem prestar atenção - o resultado seria completamente errado. Qualquer comando recebido pelo computador produz uma ação matemática dentro da máquina. Dessa forma, pode-se dizer que o computador impõe o uso de uma linguagem matemática puramente formal.

É importante enfatizar a questão do pensamento. Para se usar um computador, é necessário dar-lhe comandos, em absolutamente qualquer software. Como foi visto, esses comandos ativam funções matemáticas (de cálculo ou de manipulação de símbolos) dentro da máquina. Ao dar comandos à máquina - mesmo acionando ícones -, o usuário é obrigado a pensar conscientemente neles. Em outras palavras, a máquina força o usuário a formular pensamentos com formalismo análogo ao matemático, que podem ser introduzidos dentro dela e por ela interpretados, o que chamo de "pensamentos maquinais".

Uma conseqüência sobre o usuário é que este é induzido a agir de maneira indisciplinada. De fato, como o espaço de trabalho é puramente mental, pode-se fazer de tudo, sem conseqüências diretas no mundo real. Isso não ocorre quando se guiar um automóvel ou se operar um torno. Além disso, tudo pode ser corrigido, de maneira que não é preciso seguir-se uma disciplina para fazer coisas corretas ou bem feitas, esteticamente bonitas. Por exemplo, uma pessoa que escreve uma carta à mão tem de exercitar uma tremenda disciplina mental, para que não seja necessário corrigir o que foi escrito (muitas correções deixariam o texto borrado, feio; outras seriam impossíveis, como mudar um parágrafo de lugar). A mesma coisa se passa ao começar-se com um rascunho. No ato de escrever o texto definitivo, será necessário não mudar nada, prestar atenção à estética, etc. Nada disso ocorre ao se usar um editor de textos: pode-se cometer quantos erros se queira, porque tudo poderá ser corrigido, mudado de lugar, etc. Também não há necessidade de prestar atenção à ortografia: um corretor ortográfico pode detectar os erros e ainda sugerir correções. Os corretores gramaticais estão cada vez mais completos e vão exigir cada vez menos atenção à concordância, por exemplo. Muito poucas pessoas apreciam seguir regras fixas e planejar muito bem o que devem fazer. Pode-se concluir que isso leva os usuários e programadores de computadores a assumir uma atitude de indisciplina mental. No caso dos programadores, é sabido que esses raramente projetam e implementam seus programas disciplinadamente, por exemplo documentando tanto a fase de análise quanto os próprios programas. Além disso, os testes e as correções dos programas quase nunca são feitos sistematicamente.

Compare-se essas situações com o uso de uma máquina concreta, como um carro: uma ação indisciplinada pode levar a um acidente. O motorista é obrigado a dirigir disciplinadamente. O mau uso de uma máquina concreta (em oposição à máquina virtual, que é o computador) pode causar acidentes físicos. Os acidentes causados pelos computadores são mentais, psicológicos e psíquicos - daí serem tão ignorados.

4.3 O computador e a educação

Pense-se inicialmente no fato de que o usuário do computador precisa necessariamente exercer um pensamento e uma linguagem formais, lógico-simbólicos. É preciso formular a seguinte pergunta, que normalmente não se faz, quando se fala a respeito de computadores e educação: Qual é a idade adequada para esse tipo de pensamento e linguagem?

Para responder a essa pergunta é absolutamente necessário usar um modelo de desenvolvimento das crianças e dos jovens conforme a idade. Para isso, emprego o modelo introduzido por Rudolf Steiner, que considero muito mais abrangente do que outros modelos, e usado com sucesso nas mais de 800 escolas Waldorf do mundo (sem contar os jardins de infância isolados, provavelmente milhares). Brevemente, segundo o modelo de Steiner, existem três grandes fases no desenvolvimento de cada ser humano, correspondentes a períodos de sete anos, os "setênios" [ver, por exemplo, Lanz, 1998, p. 38 e Steiner, 2000, p. 51].

No primeiro setênio, de até aproximadamente os 7 anos, cujo fim é marcado fisicamente pela troca dos dentes, a criança está aberta ao exterior, não tem consciência de que não está separada do mundo. Para ela tudo tem vida e vive na sua imaginação como se fosse realidade. A criança desenvolve o seu querer (vontade que leva a ações). Os recursos educacionais primordiais deveriam ser a imaginação, o ritmo e a imitação. Não deveria existir um ensino formal, mas somente indireto por meio de histórias, jogos, brincadeiras e trabalhos manuais muito simples. O professor deveria ser o que chamo de professor-mãe. As crianças não deveriam aprender a ler neste período, já que as letras de hoje são abstrações (não eram assim na Antiguidade, como ainda não o são os ideogramas orientais). As forças interiores que seriam gastas nesse processo precisam ser aplicadas ao estabelecimento da base física e o extraordinário esforço de crescimento e aprendizagem (não-formal!) do andar, do falar e da coordenação motora (ver artigo a respeito em meu site).

No segundo setênio, de 7 a 14 anos (ver, por exemplo, o capítulo "A evolução do segundo setênio", em [Steiner, 2000, p. 91, Lanz, 1998, p. 47], o jovem já tem a sua base física essencial formada e pode dedicar as suas forças ao aprendizado. Porém este não deve ser abstrato, e sim sempre relacionado à realidade do mundo. Como neste período se desenvolve primordialmente o sentimento, tudo deve ser apresentado de forma estética, artística. Até mesmo a Matemática deve ser apresentada com conexões que a liguem à realidade e de forma artística, que apele à fantasia. Nas ciências, o mais importante é aprender a observar e descrever os fenômenos, sem explicá-los de forma abstrata. Tudo deve estar cheio de vida. Um contra-exemplo clássico no Brasil é como, por volta dos oito anos, se introduz na escola o que é uma ilha: "uma porção de terra cercada de água por todos os lados" (o que não está correto, já que não há água nem na parte de cima e, geralmente, nem na parte de baixo…). Essa definição é morta e não dá margens à imaginação. Mas se for introduzida a noção de ilha com uma história de uma pessoa cujo barco naufragou, e ela nadou até à praia e depois, para qualquer direção para onde ia, chegava a outra praia ou a pedras sobre o mar, as crianças podem imaginar toda a riqueza que uma ilha com vegetação e animais pode encerrar. Uma definição é sempre a mesma. O ideal seria que a história fosse contada com detalhes diferentes para cada classe, adaptada ao interesse e características de cada aluno dentro da sala. Assim um conceito é criado de forma viva e não morta. Em particular, felizmente nunca uma professorinha definiu o que é uma árvore (um pedaço de pau fincado verticalmente no chão, com ramificações, blablablá), o que jamais impediu as crianças de criar um conceito correto da mesma - proveniente de sua própria experiência vendo árvores, tocando-as, cheirando-as, trepando nelas e comendo de seus frutos. O professor adequado para essa idade deve ser generalista, isto é, sabe de tudo um pouco. Deve, porém, ter uma grande sensibilidade social para acompanhar seus alunos, pressentir o que se passa com cada um, e ser um verdadeiro artista para detectar as necessidades de desenvolvimento daqueles seres desabrochando e configurar sua aula dinamicamente.

É interessante notar que existia uma antiga tradição que fazia com que a escola começasse por volta dos sete anos. Havia uma consciência de que para aprender a ler e a fazer contas era necessária uma certa maturidade que vinha com a idade. Quando entrei no antigo Ginásio (5a. a 8a. séries atuais) em 1951, era necessário ter uma idade mínima (11 anos completos até 30 de junho do ano em curso), mostrando ainda essa intuição quanto à maturidade com a idade.

No terceiro setênio, de 14 a 21 anos, com seu início na puberdade (lamentavelmente esta está sendo acelerada, e já por natureza é adiantada em países tropicais e equatoriais, principalmente nas meninas), o jovem desenvolve essencialmente o seu pensamento. É agora o momento de começar a conceituar tudo, de forma que se possa compreender as coisas com o intelecto. Antes, dominava-se o movimento de uma bola instintivamente. Chegou a hora de entender por que a bola descreve uma curva no ar quando é lançada. Os fenômenos físicos, geográficos, biológicos, químicos e históricos devem ser não só descritos ou observados, mas também compreendidos. Na Matemática, é esta a ocasião de começar a provar teoremas (a necessidade de provar um teorema é incompreensível para um jovem antes dos 15 anos: ele vê que a tese é evidente e não pode compreender aquela necessidade). O professor ideal para essa idade é o especialista, aquele que tem formação universitária especializada (um matemático ensina Matemática; um geógrafo Geografia, etc.).

Voltando ao computador, agora estamos prontos para responder à pergunta do "quando?". Lembremo-nos de que o computador é uma máquina abstrata, que impõe pensamentos e linguagens formais, lógico-simbólicas. Segundo o modelo de desenvolvimento de Rudolf Steiner, uma máquina assim não é adequada antes da puberdade, ou antes do ensino médio, a época do desenvolvimento da capacidade de pensar de forma abstrata e formal. Antes desse período, ela iria acelerar o desenvolvimento da criança ou do jovem de maneira inadequada, com sérios prejuízos mais tarde. Steiner disse que o fato de Goethe ainda cometer erros de ortografia aos 17 anos tinha permitido que preservasse uma maleabilidade mental, pois não se tinha prendido cedo demais a regras rígidas [2000, p. 129]. Neil Postman chamou a atenção para o fato de os meios de comunicação estarem acelerando inadequadamente o desenvolvimento de crianças e jovens, fazendo com que eles tenham experiências e idéias de adultos e se comportem como tais [1999, p. 112]. O computador faz exatamente isso, mas direcionado primordialmente ao pensamento.

Recorde-se também de eu ter chamado a atenção para o fato de o computador induzir indisciplina - e a da pior espécie, a mental. As crianças não têm autocontrole suficiente para dominar-se, direcionando e restringindo o uso do computador. Além disso, a indução de indisciplina é exatamente o oposto de algo que a educação quer obter. Isso nos leva ao próximo ponto.

Uma breve consideração sobre a Internet. Uma criança que usa a Internet para procurar informações não tem nenhuma restrição, a menos que os pais instalem os chamados "filtros" para impedir ou permitir o acesso somente a alguns sites - mas se os pais não tentam ou não conseguem geralmente limitar nem o uso da TV, como se pode esperar que o façam ou consigam com o computador? Essas informações não têm nenhum contexto para a criança e representam o que se pode chamar de educação "libertária". Mas isso é justamente o contrário do que deveria ser uma educação: uma orientação constante daquilo que a criança ou o jovem deve aprender, já que ainda não é adulto para decidir o que é melhor para ele! Obviamente, sempre se deve deixar algum espaço para o exercício da liberdade dentro da atividade programada, pois senão mata-se a criatividade. As crianças esperam intuitivamente ser orientadas no seu caminho de desenvolvimento, e a falta de orientação pode provocar sérios distúrbios de comportamento. Tradicionalmente, os pais escolhiam, por exemplo, os livros que seus filhos deveriam ler; os professores, o que deviam ensinar e de que forma, de acordo com o desenvolvimento e conhecimento dos seus alunos. Isso não acontece com a Internet. Uma ferramenta de adulto, completamente descontextualizada, está sendo dada a crianças e jovens, novamente provocando um processo de amadurecimento precoce, permitindo-lhes entrar em contato com informações que não são apropriadas para sua maturidade e ambiente.

Toda aceleração da maturidade de crianças e jovens é altamente prejudicial a eles: em educação não se pode pular etapas. Não se pode ensinar álgebra antes de aritmética, fisiologia antes de anatomia. Outro perigo é desenvolver a capacidade de pensar formalmente sem que os sentimentos e a base física sejam adequados para isso. No livro citado de Jane Healy, ela diz "Eu afirmaria que muito do fracasso da escola resulta de expectativas de aprendizado [academic expectations] para as quais os cérebros das crianças não estavam preparados - mas que, mesmo assim, foram coagidos [bulldozed] a elas." [1990, p. 69].

É muito importante notar, do ponto de vista educacional, que o computador obriga a pensar pensamentos formais muito particulares: os que se podem introduzir na máquina em forma de comandos. Como já foi dito, não é possível utilizar nenhum software sem dar-lhe comandos (o itálico da palavra "nenhum" foi justamente produzido em meu original com um comando Ctrl+I; acionar o ícone correspondente daria no mesmo). Assim, nesse ato o pensamento do usuário é reduzido àquele que pode ser interpretado pela máquina. A educação deveria ter como um de seus mais elevados objetivos desenvolver vagarosamente os pensamentos, de maneira que eles se tornem livres e criativos na idade adulta. Isso não acontece se são enquadrados muito cedo em formas rígidas e mortas, como as que exigem todas as máquinas, e muito mais os computadores, que trabalham unicamente ao nível mental estritamente formal.

Em razão dos tipos de pensamento e de linguagem formais impostos pelo computador, à enorme autodisciplina que ele exige, e ainda baseado em experiências com alunos do ensino médio, cheguei à conclusão de que a idade ideal para um jovem começar a usar um computador é 16 anos, preferivelmente 17 anos (para mais detalhes vejam-se [Setzer, 1988] e o artigo sobre computadores na educação em [Setzer, 2001] e vários artigos e entrevistas em meu site). A propósito, já em 1976 eu escrevi contra o uso de computadores na educação [1976].

5. Conclusões

Acredito que não exista lugar para a televisão transmitida e para o jogo eletrônico na educação. O fracasso do ensino audiovisual mostrou isso muito bem no caso da TV. No Brasil, gastam-se milhões de dólares em produção de TV educativa. Jamais encontrei uma estatística que comprove quanto se aprendeu com esses programas. Como foi visto, a TV não é um meio educativo (e nem informativo), mas de condicionamento. Mas admito o uso do gravador de vídeo, no ensino médio, para transmitir ilustrações curtas acompanhadas por discussões.

No caso dos computadores, deve-se considerar que são máquinas úteis para determinadas tarefas. Por exemplo, o original deste artigo foi escrito à mão e depois digitado no computador para revisão, formatação e envio via Internet a San Salvador, para publicação no volume do Festival Idriart, em fevereiro de 1998; a tradução em português, feita em Maceió, também foi recebida via Internet, e foi no computador que fiz a revisão e a presente ampliação. A Internet trouxe novidades, como as listas eletrônicas de discussões, em que uma pessoa envia uma mensagem eletrônica a centenas de indivíduos, estabelecendo um fórum de discussões que pode ser muito vivo devido à rapidez. (No entanto, vi várias dessas listas de discussões fracassar por falta de disciplina dos participantes, que acabavam por exagerar no número de postagens, saíam do assunto, enviavam comentários de uma única linha ou então grandes demais, etc.) Graças à Internet, hoje é possível ter-se acesso a informações que dificilmente estavam disponíveis anteriormente. Assim, sou de opinião de que é necessário introduzir o computador no ensino médio, mas para ensinar a usá-lo e a compreendê-lo. Entretanto, como isso exige uma certa maturidade, proponho que se comece com o estudo do hardware com laboratório de circuitos digitais (começando com relês), que têm uma realidade física, para que se compreenda o funcionamento físico da máquina e depois, nos últimos dois anos, introduzir o software e a Internet, sempre acompanhados por uma visão crítica como, aliás, recomendado no excelente relatório da Alliance for Childhood [Cordes 2000, p. 70]. (Vejam-se os artigos sobre ferramentas educacionais em meu site, inclusive com possibilidade de carregar software desenvolvido para isso.) Por exemplo, mostrar que na Internet o crescimento do lixo informativo é exponencial, e a cada dia fica mais difícil encontrar algo realmente útil sem que se saiba previamente seu endereço; que no correio eletrônico não se deve cair no extremo de enviar cartas telegráficas, sem saudar as pessoas, tratando-as como se fossem máquinas e não seres humanos, etc.

É interessante comparar os três veículos da seguinte forma: o jogo eletrônico dá uma ilusão de ação (exercício da vontade), mas é uma ação de máquina. A TV dá uma ilusão de sentimento, mas é um sentimento irreal, sempre estimulado desde fora em ambiente virtual, e não por imaginações próprias como acontece na leitura, ou pela realidade de uma pessoa, feliz ou sofrendo, à frente de quem sente. O computador dá a ilusão de atividade do pensamento, mas trata-se de um pensamento que pode ser introduzido numa máquina por meio de comandos, e é uma caricatura daquilo que o pensamento humano teria de ser. Assim, os três meios atacam essas três atividades que Steiner chamou de "anímicas", reduzindo-as a um patamar que não é mais humano.

Esse patamar é muito claro: no caso da TV, é a redução do ser humano a uma condição de animal semiconsciente. No caso do computador, é a redução a uma máquina de pensar o que pode ser introduzido como pensamento dentro daquela máquina. No caso do jogo eletrônico, reduz-se o ser humano tanto a um animal que reage sem pensar e sem moral quanto a um autômato que reage de maneira mecânica, sempre da mesma forma.

O quadro abaixo resume esses e outros pontos comparativos.

 

Pensar

Sentir

Querer (ações)

TV

Abafa

Ativa, mas do exterior, irreal

Elimina

Jogo Eletrônico

Elimina

Ativa, mas de desafio e competição

Automatiza, mecaniza


Computador

Incentiva, mas pensamento lógico-simbólico, maquinal

Ativa, mas de desafio

Mecaniza movimentos, concentração em pensamento maquinal

A escola está obsoleta. Não por causa de falta de tecnologia, como pretendem muitos, mas por não haver acompanhado a evolução interior, da maneira de agir, sentir e pensar do ser humano no século XX (ver artigo a respeito em meu site). Não existe mais espaço para pressões de notas e reprovações, nem tratar os alunos de maneira impessoal, como se fossem máquinas de armazenar dados. A escola do futuro não deveria ser uma escola mais tecnológica, porém mais humana, que ensine na época certa (ensino médio) os jovens a compreender as máquinas e a dominá-las, ensinando a utilizá-las somente para o que é construtivo e o que eleva o ser humano e não o degrada, colocando-as assim em seu devido lugar. Só com educação poderemos dar um basta à dominação das máquinas sobre o ser humano, que se tornou seu escravo ao invés de seu senhor.

Referências

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Cordes, C e E. Miller (Eds.). Fool’s Gold: A Critical Look at Computers in Childhood. Alliance for Childhood, 2000. Disponível em www.allianceforchildhood.org (as pgs. citadas neste volume são da versão em Adobe Acrobat).
Emery, F. e M. Emery. A Choice of Futures: To Enlighten or to Inform? Leiden: H.E.Stenfert Kroese, 1976.
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Krugman, H.E. Brain wave measures of media involvement. Journal of Advertising Research, Vol. 11, No. 1, Feb. 1971, pgs. 3-9.
Lanz, R. A Pedagogia Waldorf: Caminho para um Ensino mais Humano, 6a ed. São Paulo: Ed. Antroposófica, 1998.
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Postman, N. Amusing Ourselves to Death: Public Discourse in the Age of Show Business. New York: Penguin Books, 1986.
Postman, N. O Desaparecimento da Infância (Trad. S.M.A.Carvalho e J.L.Melo). Rio de janeiro: Graphia, 1999.
Setzer, V.W. O computador como instrumento do cientificismo. Anais do Simpósio Anual da Academia de Ciências do Estado de S.Paulo. São Paulo: ACIESP, 1976, pgs. 69-88.
Setzer, S.A.L. Os Doze Sentidos. São Paulo: Sociedade Brasileira de Médicos Antroposóficos, 2000.
Setzer, V.W. O computador no ensino: nova vida ou destruição? In E.O.C. Chaves e V.W. Setzer, O Uso de Computadores em Escolas: Fundamentos e Críticas. São Paulo: Scipione, 1988, pgs. 70-123.
Setzer, V.W. Os Meios Eletrônicos e a Educação: uma visão alternativa. Coleção "Ensaios Transversais" No. 10. São Paulo: Ed. Escrituras, 2001.
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Winn, M. The Plug-in Drug: Television, Children and the Family. New York: Viking Penguin. 1985. Die Droge im Wohnzimmer (trad. B. Stein). Reinbeck: Rohwolt, 1979 (as páginas anotadas nos textos são dessa edição alemã).