Computadores na Educação
Valdemar W.Setzer
vwsetzer@ime.usp.br - http://www.ime.usp.br/~vwsetzer
(Ensaio publicado na revista Chão e Gente, 1996)
Como se vendem computadores
O uso de computadores em empresas é relativamente limitado. Os fabricantes,
querendo vender mais e mais, obviamente procuram grandes quantidades de
usuários. Daí a propaganda maciça para que pessoas
instalem computadores em seus lares. No entanto, o que há para fazer
com um computador em casa? Deixemos de lado serviços profissionais,
como os de produzir figuras com software gráfico para venda a empresas,
composição de páginas da WWW (World Wide Web) com
o mesmo fim, textos de tradutores ou jornalistas que trabalham em sua casa.
etc. Não sobra muito a fazer no lar: talvez digitar alguma correspondência
- se bem que se for escrita à mão, em vez de impressa pelo
computador, uma carta terá um caráter pessoal (bem, já
está anunciado um software que grava a escrita à mão
de uma pessoa e arquiva-a como fontes para impressora - mas aposto que
sai tudo uniforme, sem a plástica de uma escrita pessoal...). Alguém
pode imaginar alguma dona de casa colocando suas receitas em um gerenciador
de bancos de dados? Ela teria que organizar tudo, separar os ingredientes
em campos especiais para poder consultar, por exemplo, todas as receitas
de bolos que contêm pimentão e também rabanete. No
ano passado tentei fazer uma planilha eletrônica com toda a movimentação
mais importante de dinheiro da casa, investimentos, etc. Dava um trabalhão
danado, eu perdia horas cada Domingo atualizando as malditas planilhas.
Assim, em aplicações usuais, ninguém vai usar o computador.
Daí a grande ênfase dos fabricantes na Internet - aí
está uma aplicação que qualquer um vai gostar - se
tiver muita paciência e mais nada para fazer. Novamente, profissionalmente
a Internet é ótima, escrevi vários artigos em colaboração
com colegas do exterior usando a rede. No uso não-profissional,
talvez para correspondência (correio eletrônico), participação
em alguma lista de interesse, ou como passatempo para aposentados.
Internet é uma atração, se bem que estão
para sair computadores de pequena capacidade só para acesso . à
rede... Para que os fabricantes vão apelar? Para a educação,
naturalmente! A propaganda nessa direção é tão
forte, que muitos pais estão apavorados de não colocarem
seus pobres filhos alienados em escolinhas de computação
e de não terem um equipamento para eles poderem atualizar-se nessa
maravilha moderna.
Correto? Não, absolutamente falacioso. Não é necessário
que cada criança aprenda a usar um computador. Para começar,
quando eles forem adultos tudo o que aprenderam hoje terá mudado.
Por exemplo, o uso da WWW é hoje em grande parte feito com um sistema
- Netscape - que não existia há 2 anos atrás. Em segundo
lugar, os computadores estão ficando cada vez mais potentes, e com
isso a chamada "interface" gráfica com o usuário também
cada vez mais simples de ser entendida. Por exemplo, no editor que estou
usando agora, para imprimir este texto basta eu selecionar um ícone
(uma figurinha) na terceira linha da tela, com a forma de uma impressora
com papel (impresso...) saindo dela. Então, é preciso fazer
um curso para aprender a imprimir um texto? É preciso aprender isso
quando criança pois senão não se será um adulto
atualizado? Além da interface gráfica, os sistemas de "ajuda"
("on-line help") estão começando finamente a ficar mais simples -
com eles pode-se descobrir sozinho como fazer uma determinada tarefa -
por exemplo, construir uma tabela com o editor de textos (já há
ícones para isso). Finalmente, os chamados sistemas "tutoriais"
introduzem os conceitos básicos de maneira bem simples, e um dia
eles serão interativos, isto é, à medida que se os
lê aparecerão exercícios para testar os conceitos aprendidos.
Só precisará fazer um curso de "informática" quem
quiser jogar dinheiro fora.
Mas há mal em crianças usarem o computador?
Mostrei que a propaganda é totalmente enganosa, e os pais não
devem adquirir um computador para seus filhos por causa delas. Mas um pai
poderia perguntar-se: "mas se não faz mal, por que não instalar?"
Acontece que o computador faz muito mal às crianças: independentemente
do programa que é usado, ele deve ser controlado a partir de comandos
que formam uma linguagem de natureza matemática. É como se
se forçasse uma criança a aprender a provar teoremas. Ora,
se ela é muito jovem, é assim forçada a pensar como
se estivesse no segundo grau. Por outro lado, o computador exige um enorme
poder de controle pessoal, para que se o use seriamente e não como
brinquedo, perdendo-se tempo e energia mental à toa; o jovem deve
estar bem maduro para poder enfrentar conscientemente essa fantástica
atração, limitando seu tempo de uso e empregando apenas o
que é realmente útil. Finalmente, é interessante observar
que o computador induz indisciplina mental. Isso fica claro com o uso de
um editor de textos. Quando se escreve à mão, é preciso
exercer uma enorme disciplina mental, pois só é possível
fazer pequenas correções, caso contrário o texto ficará
todo borrado e feio. Além disso, é preciso fazer um esforço
para soletrar e escrever gramaticalmente de maneira correta. O computador
permite que se escreva da maneira mais indisciplinada possível,
pois permite corrigir-se qualquer coisa: mudar parágrafos de lugar,
usar alinhamentos verticais em vez de produzi-los caprichadamente à
mão, corrigir a soletragem e até, mais recentemente, boa
parte dos erros gramaticais. Assim, subtrai-se à criança
aquilo que é talvez o maior desenvolvimento mental que ela faz durante
seu aprendizado escolar. Lembremos que quem escreve bem pensa bem.
E para aprender, por exemplo, Geografia?
Quando se usa o computador para ensinar matérias como Geografia,
o aluno fica preso não ao conteúdo, isto é, à
matéria propriamente dita, mas ao visual e auditivo apresentado
pelo programa educacional. É a atração do show e do
joguinho eletrônico, que eu costumo chamar de "cosmético educacional".
Retirando-se o cosmético, o que sobra? Será que o aluno vai
ter interesse em estudar um livro de Geografia? Creio que não, pois
ele acostumou-se a encarar essa matéria sob o prisma do cosmético.
Para ele, a Geografia sem cosmético parecerá bem feia, quem
sabe velha coroca... Creio que a situação é de certo
modo análoga à da TV: esta mata a criatividade, pois a criança
acostuma-se a receber as imagens fantasiosas (isto é, ela não
está em contato com a realidade) prontas do exterior, não
tendo espaço nem tempo para criar imagens interiores, o que faria
se estivesse ouvindo um conto ou lendo algo. Assim, o livro ou a aula de
Geografia, que necessitam ser acompanhados de imagens mentais criadas pelo
aluno, serão encaradas por este como cacetes, monótonas.
Talvez nem o sejam, ele é que perdeu a capacidade de acompanhá-los
detidamente. A TV e o computador não atraem pelo conteúdo,
mas sim pela forma. O bom professor usa uma aula agradável para
interessar os alunos sobre o conteúdo da mesma.
O aprendizado individual com o computador
O computador permite um ritmo individual, tem "paciência" infinita
e não pune o aluno, mas isso não é um bem, e sim um
mal. Não é correto que uma criança se desenvolva em
uma velocidade individual, pois no caso esse desenvolvimento será
unilateral, em uma área restrita. Não estará havendo
o desenvolvimento harmonioso de toda a personalidade, dos aspectos volitivos
aos emocionais e intelectuais, passando pelos físicos. Por exemplo,
suponha que a criança desenvolva um raciocínio matemático,
o que talvez aconteça com o sistema educacional que usa a linguagem
de programação LOGO. (pelo menos, os proponentes da mesma
dizem que existe esse desenvolvimento.) Mas esse raciocínio muito
cedo não é adequado à idade da criança. O inventor
desse sistema (S.Papert) propõe o uso de computadores a partir dos
4 anos de idade, isto é, ele faz crianças dessa idade aprenderem
a programar. Não se pense que ele é o mais exagerado, pois
a empresa Futurekids, com muitas franquias entre nós, dá
aulas de computação a partir dos 3 anos... Crianças
devem ser orientadas no seu desenvolvimento em adequação
à idade - essa é uma das características fundamentais
que distinguem a Pedagogia Waldorf de outros métodos. O grande problema
dos computadores é que o seu cosmético e o fato de serem
máquinas virtuais fazem com que não se percebam os desastres
que causam, pois estes são anímicos (psicológicos).
O desaparecimento da infância
Se uma criança usa um computador, em qualquer aplicação,
ela está se comportando mentalmente como adulto. Uma criança
não deveria falar rigidamente, sua linguagem deveria ser cheia de
inflexões, com a participação de seus gestos e entonação
de voz. No entanto, ao usar o computador, os comandos que ela tem que necessariamente
dar constituem uma linguagem que se denomina em Ciência da Computação
de "Linguagem Formal", isto é, uma linguagem matemática,
ou melhor, lógico-simbólica. Seria ótimo se adultos
pudessem dominar essa linguagem, mas péssimo para crianças,
pois não é normal que elas se expressem dessa maneira rígida,
matematicamente definida. O tipo de pensamento envolvido com o uso dos
comandos de qualquer software é também um pensamento formal,
abstrato, morto. Não poderia ser diferente, pois o computador é
virtual, isto é, não tem nada a ver com a realidade. Quanto
menor a criança, mais vivo deve ser o seu pensamento. Nesses sentidos
da linguagem e dos pensamentos, força-se a criança a agir
como adulto, isto é, está se roubando sua infância.
Aliás, um pensamento interessante é o seguinte: como é
que um computador trata um usuário? Obviamente, como uma máquina,
no caso uma máquina de pensar. De fato, os comandos de um software
ou de uma linguagem de programação exigem que se pense de
tal maneira que esse pensamentos restritos possam ser introduzidos (sob
forma dos comandos ou dados) dentro da máquina. Portanto, o pensamento
do usuário é reduzido ao que chamo de "pensamento maquinal".
Com adultos isso é ruim, mas com crianças ou jovens, deve
ser catastrófico.
O lugar do computador na educação
O leitor poderá achar que sou radical ao extremo, contra qualquer
uso de computadores em escolas e no lar. Não é bem assim.
O computador, ao contrário da TV, tem aspectos muito úteis.
Assim, creio que os alunos devem deixar o colegial com um conhecimento
básico do que eles são, o que é um programa, para
que servem, e os problemas que causam. Dois grandes problemas são:
quando e como. Em um artigo que será publicado como capítulo
de um livro sobre o assunto nos EEUU, proponho a introdução
de noções de como funcionam os circuitos do computador no
1° e no 2° anos colegiais, e software (e uso da Internet) no 2°
e 3°. Aí os alunos têm suficiente maturidade para enfrentar
essa máquina e exercer o tipo de pensamento que ela força,
sem violar seu desenvolvimento harmonioso. O ensino em geral peca justamente
por ser abstrato demais. Com os computadores, ele torna-se mais abstrato
ainda.
TENHA DÓ DE SEUS FILHOS: DEIXE-OS SER
CRIANÇAS, NÃO LHES PERMITINDO O ACESSO A TV, JOGUINHOS ELETRÔNICOS
E COMPUTADORES