Tomando por base as indicações dadas por Rudolf Steiner 
          sobre o desenvolvimento da criança e do jovem, as quais deram 
          origem à Pedagogia Waldorf por ele instituída, tentamos 
          demonstrar nesse artigo que o conhecimento e a aplicação 
          desses ensinamentos oferecem ao ser humano tudo o que ele necessita 
          para um desenvolvimento sadio e harmonioso de sua entidade (corpórea, 
          anímica e espiritual); e que quando, porém, não 
          são observados, dão ensejo a desajustes que podem manifestar-se, 
          entre outros, em drogadicção.
        UNITERMOS: setênios, sentidos, níveis de consciência, 
          atividades da alma, Pedagogia Waldorf, drogas.
        Summary
        Rudolf Steiner’s indications on child development constitute the fundations 
          of Waldorf Education, introduced by him. In this article we show that 
          their knowledge and practice offer the growing human being everything 
          it needs to develop its complete entity (body, soul and spirit) in a 
          healthy and harmonic way. But if these indications are not observed, 
          disorders may result that, amidst others, can manifest themselves as 
          drug addiction.
        KEY WORDS: seven year periods, senses, consciousness levels, soul 
          activities, Waldorf Education, drug addiction.
        1. Introdução
        Certamente a educação não é um processo 
          terapêutico, mas não podemos ter a mesma certeza quanto 
          ao seu papel preventivo, profilático. E talvez seja na mais tenra 
          idade, quando aparentemente a criancinha "nada percebe", que 
          esse efeito preventivo seja mais intenso. Os frutos de eventuais erros, 
          falhas, omissões, apareceriam então mais tarde.
        	Atualmente se constata que um número cada vez maior de 
          adolescentes está recorrendo ao uso de drogas, e que isso começa 
          cada vez mais cedo. As perguntas que surgem no sentido de descobrir 
          as possíveis causas têm, muitas vezes, suas respostas em 
          lares desfeitos, pais agressivos, etc. Mas será que estas explicações 
          são suficientes? Será que nos satisfazem plenamente? Diante 
          delas sentimos uma certa impotência, pois sabemos como é 
          difícil agir sobre fatores externos. Podemos sentir pena e compaixão 
          diante da situação, tentaremos proteger nossos próprios 
          filhos das "más companhias", mas o que mais está 
          ao nosso alcance? Podemos questionar de outro modo, levando em conta 
          a própria criança, e não procurando a causa no 
          seu meio ambiente. Por exemplo: será que a criança está 
          sendo compreendida adequadamente no seu processo evolutivo? Estará 
          sendo atendida em todos os âmbitos possíveis - o físico, 
          o anímico, o espiritual? Estará sendo estimulada suficientemente 
          ou um excesso, ou sendo cobrada deficientemente ou em excesso? Muitas 
          outras questões semelhantes podem ser formuladas, e em algumas 
          situações podemos atuar positivamente.
        	Faremos uma tentativa de esboçar o desenvolvimento sadio 
          da criança de acordo com a visão que nos foi legada por 
          Rudolf Steiner - fundador da Ciência Espiritual ou Antroposofia, 
          no início deste século -, procurando caracterizar quais 
          são as necessidades da criança e do jovem em cada uma 
          das diferentes fases evolutivas e analisar os possíveis desvios 
          que atualmente estão ocorrendo.
        	Antes de mais nada, cabe salientar que qualquer pessoa que lide 
          com crianças está assumindo o papel de educador. Esta 
          não é uma prerrogativa apenas de professores formados, 
          habilitados a trabalhar com as diferentes faixas etárias. Portanto, 
          como quase todos os adultos têm contato com crianças e 
          jovens, eles deveriam estar bem preparados para não cometer falhas 
          graves. Nesta época da comunicação, em que existem 
          tantas informações disponíveis, não podemos 
          admitir um "crime por omissão" nesse âmbito.
        2. O desenvolvimento da criança nos três primeiros 
          setênios
        2.1 Os setênios
        Na antiga cultura grega costumava-se dividir a vida humana em dez 
          períodos de sete anos ou setênios. No início deste 
          século Rudolf Steiner retomou essa idéia, que hoje fundamenta 
          o ensino das escolas que aplicam a Pedagogia Waldorf (iniciada por Steiner 
          em 1919 na cidade de Stuttgart, Alemanha), mas que também tem 
          larga aplicação nos estudos biográficos realizados 
          por psicólogos e médicos que trabalham orientados pela 
          Antroposofia.
        	Para o período da infância e adolescência, 
          importam-nos os primeiros três setênios, abrangendo as faixas 
          de 0 a 7 anos, de 7 a 14 anos e de 14 a 21 anos. Naturalmente essas 
          idades são aproximadas, podendo-se notar que hoje em dia muitos 
          fatores antecipam alguns acontecimentos que, não muito tempo 
          atrás, ainda coincidiam com essas idades. Nas considerações 
          que se seguem, abordaremos características marcantes de cada 
          setênio, as quais obviamente não se passam da mesma forma 
          durante a fase toda, havendo aspectos de um período anterior 
          que ainda se manifestam num posterior, bem como antecipações 
          de características futuras.
        	Costumamos considerar os três primeiros setênios como 
          o período em que a criança e o jovem recebem a educação. 
          Depois disso o adulto ainda pode receber informações importantes 
          para sua vida, como por exemplo no ensino universitário, mas 
          não pode mais ser educado. Todas as falhas e omissões 
          ocorridas na infância e adolescência podem ser compensadas, 
          corrigidas, mas requerem um esforço da própria pessoa. 
          Depois dos 21 anos de idade qualquer mudança, qualquer evolução 
          é possível apenas por meio da auto-educação, 
          um processo nem sempre fácil, e que dura a vida toda.
        	Podemos notar que ao final de cada setênio a criança 
          ou o jovem alcançou um certo grau de amadurecimento:
        
          - Aos 7 anos, ainda em muitos países, inclusive em nossa rede 
            de ensino público, a criança atingiu a maturidade 
            escolar, isto é, ela está pronta, madura, para receber 
            um ensino, para aprender.
 
 
- Aos 14 anos podemos considerar que o jovem está em plena 
            puberdade - ele alcançou a maturidade sexual.
 
 
- A grande maioria dos países ocidentais considera que o ser 
            humano é adulto, plenamente responsável por seus atos, 
            aos 21 anos. Fala-se na maioridade ou também na maturidade 
            social.
2.2 A relação da criança e do jovem com 
          o mundo
        No primeiro setênio a criança está completamente 
          aberta, entregue ao mundo. Ela ainda não tem experiências 
          nem filtros que lhe permitam bloquear uma impressão advinda dele. 
          Assim como nossos órgãos dos sentidos estão totalmente 
          abertos para o mundo, recebendo as impressões sensoriais de acordo 
          com sua especialidade (audição, visão, paladar, 
          etc.), mas sem possibilidade de elaborar um julgamento – o que já 
          é uma função superior -, também a criancinha 
          é comparável a um grande órgão sensorial. 
          Como ela ainda não desenvolveu as capacidades para analisar, 
          julgar o que a invade por meio dos órgãos sensoriais, 
          nem tampouco sabe como proteger-se de percepções inadequadas, 
          ela armazena tudo isso em seu subconsciente. Cabe, portanto, ao adulto 
          cuidar para que a criancinha esteja num ambiente que não apenas 
          lhe permita ter percepções sensoriais não apenas 
          apropriadas, mas que sejam de natureza a estimular o desenvolvimento 
          sadio dos órgãos dos sentidos. Sabemos que a exposição 
          prolongada a ruídos muito fortes danifica os ouvidos, o mesmo 
          ocorrendo com os outros sentidos.
        	Tendo adquirido um certo conhecimento do mundo, a criança 
          do segundo setênio agora interage com ele, reagindo com 
          alegria, tristeza, simpatia, antipatia, prazer, desprazer, etc. aos 
          estímulos que lhe chegam. Agora já não são 
          mais tanto os sentidos que necessitam de um cultivo: agora é 
          a vez dos sentimentos. Vivenciando a beleza, o entusiasmo e - porque 
          não? - a tristeza e o feio, que também fazem parte da 
          vida, porém numa intensidade ainda suportável para ela, 
          a criança volta seu interesse para o que a rodeia, identificando-se 
          com o que gosta e rejeitando o que não lhe agrada.
        	No terceiro setênio o jovem separa-se do mundo porque 
          quer realmente conhecê-lo. Para tanto precisa desenvolver uma 
          objetividade, uma capacidade de fazer observações, comparações, 
          discernimentos, julgamentos. Ele não aceita as coisas simplesmente 
          como lhe são apresentadas, e sim tem uma atitude analítica 
          e crítica; está realmente fechado para o mundo, vendo-o 
          de fora.
        2.3 Qual é o método inato de aprendizado?
        Se quisermos corrigir ou repreender uma criancinha, de nada adianta 
          apelar para sua razão, "passar-lhe um sermão"; 
          o resultado não será satisfatório. Isso se deve 
          ao fato de no primeiro setênio ela ainda não ter a capacidade 
          de compreender os pensamentos dos adultos traduzidos em conceitos. Ela 
          compreende atitudes, ações, e o seu aprendizado se faz 
          pela imitação. Como já vimos, a criança 
          está totalmente aberta ao mundo e repete tudo o que se passa 
          à sua volta; aliás, é assim que ela aprende a andar, 
          a falar, etc. Disso resulta uma responsabilidade enorme para o educador: 
          sendo o modelo segundo o qual a criança irá portar-se, 
          ele tem de ser um modelo digno de ser imitado. É inconcebível 
          exigir que uma criancinha faça algo que desconheça, ou 
          ainda que deixe de fazer algo que constantemente veja ocorrer à 
          sua volta.
        	Tampouco no segundo setênio atingiremos a criança 
          satisfatoriamente por meio de explicações conceituais. 
          Nesse período, ela atenderá melhor às solicitações 
          feitas quando seus sentimentos estiverem envolvidos. Ela fará 
          suas lições de casa para agradar à professora (ou 
          não deixá-la triste) e não por compreender que 
          isso seja importante para seu aprendizado. Aliás, agora seu aprendizado 
          se faz pelo interesse, pela admiração que as coisas 
          causam. A tarefa do educador é trazer o mundo á criança 
          de modo que ela se entusiasme pelo que lhe é revelado, tenha 
          profundas vivências na área do sentir. Por outro lado, 
          o educador deve mostrar claramente quais comportamentos da criança 
          lhe agradam e quais considera inadequados. Nessa fase, a postura do 
          adulto deve ser de autoridade amorosa - autoridade no sentido 
          de conhecer o mundo e saber o que é bom ou não para a 
          criança, jamais no sentido do autoritarismo. E por saber o que 
          é bom ou não para a criança, independentemente 
          de sua inclinação pessoal, ele atua de acordo com isso, 
          e não por sua simpatia ou antipatia.
        Somente no terceiro setênio o jovem pode ser educado por meio 
          de explicações conceituais, intelectuais; agora ele está 
          em condições de compreender o que o adulto lhe diz 
          (antes a criança compreendia o que o adulto fazia e sentia). 
          Por querer entender tudo que o rodeia, o adolescente espera do educador 
          os elementos necessários para que ele próprio aprenda 
          a observar, julgar, formar uma opinião própria. Nesse 
          momento o aprendizado se faz por meio do julgamento crítico, 
          e o adulto, para poder educar o jovem, deve ser uma pessoa que também 
          procure aprimorar seus conhecimentos com seriedade, procure aperfeiçoar-se; 
          por seu empenho, pelo trabalho que realiza em si, o jovem o considerará 
          alguém digno de respeito – e, inconscientemente, é 
          isso que o adolescente espera dos adultos.
        2.4 Os níveis de consciência
        A criancinha ainda é um ser bastante inconsciente. Nos primeiros 
          meses de vida passa a maior parte do dia dormindo, e somente aos poucos 
          vai despertando cada vez mais, percebendo melhor seu mundo circundante, 
          para depois interagir com ele. À medida que cresce, seu grau 
          de consciência vai aumentando, e ela se torna mais consciente 
          de si mesma; e no final do terceiro setênio o jovem se nos apresenta 
          bastante consciente de si, do mundo, dos problemas que existem à 
          sua volta, etc. Cabe dizer que ainda na idade adulta podemos continuar 
          a desenvolver nossa consciência, e que esse processo evolutivo 
          nos acompanha até a morte.
        2.5 As atividades da alma
        Rudolf Steiner nos apontou três atividades que se manifestam 
          e têm seu substrato no corpo, mas cuja origem reside num outro 
          âmbito de nossa existência - a alma - que não consegue 
          ser pesquisado nem demonstrado pela ciência tradicional, mas que 
          todos nós percebemos como uma parte inerente do nosso ser. Trata-se 
          das atividades do pensar, do sentir e do querer. 
          Todos nós temos a experiência imediata do fato de pensarmos, 
          sentirmos e agirmos. Gostaríamos que aqui o termo "querer" 
          fosse entendido como algo relacionado a um ato volitivo, e não 
          a um desejo, pois então estaríamos na esfera do sentir. 
          Podemos relacionar essas três atividades aos graus de consciência: 
          para desenvolvermos a atividade do pensar, temos de estar plenamente 
          conscientes; o sentir se passa num âmbito similar ao do sonho, 
          da semiconsciência, onde parcialmente ficamos entregues e parcialmente 
          temos representações mentais; já atos volitivos 
          dormem, como num estado de inconsciência. Para que isso fique 
          bem claro: nós temos uma representação mental (pensar, 
          consciência) do ato que queremos realizar - por exemplo, pegar 
          uma caneta na mesa; a motivação é consciente, contudo 
          não temos a menor idéia do que se passa em nossos músculos, 
          ossos, articulações, etc., para que o movimento para pegar 
          a caneta seja efetuado - ou seja, ele é realizado de modo totalmente 
          inconsciente para nós. Sabemos muito bem que, para um movimento 
          ser harmonioso e bem executado, quanto maior for o automatismo, melhor. 
          Automatismo significa inconsciência.
        	Já vimos que no primeiro setênio a criança 
          ainda está bastante inconsciente. Observando bem, notaremos que 
          ela conquista o mundo a partir dos movimentos, que são justamente 
          as manifestações da esfera volitiva. É graças 
          à movimentação que ela adquire a postura ereta, 
          aprende a andar, vai conquistando o espaço tridimensional até 
          estabelecer a dominância de um dos hemisférios cerebrais, 
          por volta dos sete anos de idade. Interessante é notar como no 
          mundo todo as crianças desenvolvem os mesmos jogos, as mesmas 
          brincadeiras infantis. Se repararmos bem, podemos observar que todos 
          eles servem justamente para desenvolver a parte motora, adquirir um 
          domínio sobre o espaço (vivenciar o em cima/embaixo, direita/esquerda, 
          frente/atrás), por meio do pular corda, jogar bola, etc., bem 
          como desenvolver a motricidade fina por meio de jogos como rodar pião, 
          soltar pipa, o jogo dos saquinhos ou das pedrinhas, pega-varetas, etc. 
          Portanto, educar no primeiro setênio significa proporcionar à 
          criancinha todos os meios e possibilidades para que ela possa realizar 
          seu desenvolvimento motor. Como ela aprende a movimentar-se? Imitando!
        	O segundo setênio é a fase em que se desenvolve principalmente 
          o sentir, uma atividade que transcorre entre polaridades: feio/bonito, 
          prazer/desprazer, simpatia/antipatia, riso/choro, alegria/tristeza, 
          etc. Em nosso organismo essas polaridades manifestam-se principalmente 
          nas atividades rítmicas da respiração e da circulação 
          (inspiração/expiração, sístole/diástole). 
          Estamos no período em que a inconsciência não é 
          mais tão profunda, mas ainda não podemos falar de consciência 
          total: observamos aspectos dos dois extremos, e poderíamos falar 
          de um estado de semiconsciência. Mencionamos antes que a criança 
          reage com seu sentir ao que lhe advém do mundo (ou lhe é 
          relatado sobre ele). Temos que interessá-la, entusiasmá-la, 
          mas se o ensino for muito abstrato, conceitual, estaremos matando essas 
          forças de entusiasmo. Cabe, portanto, ensiná-la de modo 
          que, a partir de vivências que envolvam os sentimentos, ela consiga 
          aprender. Isso é possível por meio das artes. Cumpre lembrar 
          que no período do ensino básico a criança aprende 
          uma série de linguagens: escrita, matemática, línguas 
          estrangeiras, música, pintura, desenho. Nas escolas Waldorf, 
          o término dessa fase se dá com a encenação 
          de uma peça de teatro, em que muitas linguagens diferentes, inclusive 
          a oral, são utilizadas. A expressão mágica para 
          a educação nessa faixa etária é: ter vivências.
        	Tudo o que a criança experimentou pela motricidade (grossa 
          e fina) no primeiro setênio e pelos sentimentos no segundo setênio 
          quer, no terceiro setênio, ser compreendido mediante conceitos 
          elaborados pelo pensar abstrato. Também a formação 
          de opinião, o discernimento, etc., precisam ser treinados, exercitados. 
          Isso pode levar muitos pais ao desespero. Quando seu filhinho está 
          aprendendo a andar, eles lhe dão a mão até que 
          ele esteja seguro o suficiente para andar sozinho. Por que não 
          fazem o mesmo quando seu filho adolescente está aprendendo a 
          pensar? Ora, ele necessita treinar sua argumentação, e 
          nada melhor do que discutir com os pais, cujas opiniões ele conhece 
          tão bem, defendendo então um ponto de vista oposto. Muitos 
          problemas poderiam ser evitados se pais e educadores vissem muitas atitudes 
          aparentemente rebeldes como uma manifestação de um exercício 
          importante e necessário para o jovem, e agissem de acordo, por 
          exemplo, defendendo pontos de vista que não fossem os seus habituais. 
          Também é muito importante que os jovens se familiarizem 
          com diferentes pontos de vista sobre um mesmo assunto e escolham aquele 
          que estiver mais condizente com seu próprio ser. Caso contrário, 
          ao serem levados a crer que apenas uma opinião seja a correta, 
          eles estarão sendo educados com preconceitos, para serem preconceituosos. 
          Se os adultos não impuserem suas opiniões, mas permitirem 
          que o jovem, em liberdade, escolha a sua própria, estarão 
          respeitando o indivíduo em formação e, ao mesmo 
          tempo, serão respeitados por ele.
        	Em resumo: numa situação ideal, deve-se oferecer 
          à criança e ao jovem o que estiver adequado ao seu grau 
          evolutivo, respeitando o ritmo de desenvolvimento genérico e 
          individual. Rudolf Steiner ainda indica as qualidades que a criança 
          deve experimentar em seu contato com o mundo: no primeiro setênio, 
          quando ela descobre o mundo através de seus sentidos, este deve 
          parecer-lhe bom; quando, no segundo setênio, os sentimentos 
          moldam a vida da criança, ela deve vivenciar que o mundo é 
          belo; em sua busca de compreensão, por meio do pensar 
          crítico, o jovem no terceiro setênio deve concluir que 
          o mundo (não apenas a natureza, mas também as pessoas 
          que o cercam) é verdadeiro.
        3. A realidade em que a criança e o jovem estão inseridos
        Olhando à nossa volta, podemos notar facilmente que a sociedade 
          ocidental não está provendo ao ser em desenvolvimento 
          tudo o que ele necessita – seja por não possuir uma imagem completa 
          desse ser, seja porque os adultos estão preocupados com outros 
          assuntos mais prementes, seja por se delegar, desde muito cedo, a educação 
          dos filhos a terceiros, etc. Uma análise sem preconceitos talvez 
          nos mostre que "antigamente" muitas coisas eram melhores.
        	O estilo de vida da sociedade ocidental está voltado para 
          um consumismo, um conforto, uma concorrência desenfreados, e assim 
          nossos pequenos já são vítimas desde cedo. Poucas 
          semanas após o nascimento do bebê, as mães têm 
          que voltar ao trabalho; as criancinhas são depositadas em creches 
          ou berçários, onde suas necessidades básicas são 
          atendidas - mas, até mesmo pela impossibilidade de atender a 
          um número maior de crianças ao mesmo tempo, muito de seu 
          desenvolvimento motor deixa de ser estimulado. Chegando em casa, os 
          pais têm de cuidar dos afazeres domésticos; nada mais prático 
          do que a "babá eletrônica" para terem sossego. 
          A vida nas grandes cidades, devido às distâncias a serem 
          percorridas e à violência reinante, torna o uso do automóvel 
          uma necessidade, não permitindo que as crianças brinquem 
          na rua. Muitas famílias residem em prédios de apartamentos, 
          muitas vezes restritos, onde a criança não tem espaço 
          para treinar sua motricidade e, para que fique ocupada, assiste à 
          televisão ou brinca com video-games. Neste último caso 
          ocorre realmente muita atividade (na tela), enquanto a própria 
          criança se especializa em executar movimentos mínimos, 
          robotizados, com seus dedos. Por outro lado, na cultura dos sintéticos 
          os sentidos não se desenvolvem: os brinquedos de plástico 
          (duro, frio, liso) não desenvolvem o tato; alimentos muito industrializados 
          têm sabor muito parecido, quando não químico. Já 
          os ruídos em alto volume danificam o órgão auditivo; 
          além disso, quase não se distinguem nuances de cores (já 
          houve povos que conseguiam distinguir centenas de tonalidades de vermelho…); 
          e, muitas vezes, nem mesmo numa floricultura se sente o perfume das 
          flores, eliminado pelo cultivo cheio de substâncias químicas, 
          isso sem falar nos odores de uma grande cidade, que paralisam o olfato 
          em vez de estimulá-lo. Aquilo que deve ser desenvolvido nessa 
          faixa etária - a motricidade grossa e fina, bem como os órgãos 
          dos sentidos - não recebe o alimento necessário, e sabemos 
          que órgãos não-utilizados se acabam atrofiando.
        No segundo setênio, as crianças geralmente recebem um 
          ensino intelectual, conceitual, pouco vivencial, e, em vez de se interessarem 
          pelo mundo, acham a escola chata e trabalhosa. Exige-se delas o que 
          elas nem têm condições de dar - porque a abstração 
          faz parte do terceiro setênio -, e deixa-se de desenvolver as 
          capacidades nascentes, criando pessoas com grandes dificuldades ou até 
          incapacidade de desenvolver e lidar com os sentimentos. Com muita freqüência 
          também se estabelece a concorrência (afinal, "a vida 
          é assim mesmo"): cada um quer (ou espera-se dele que queira) 
          ser melhor do que o coleguinha, e em vez de se desenvolverem habilidades 
          sociais criam-se pessoas egoístas, que antes de tudo pensam em 
          seu proveito, mesmo que para isso tenham que arruinar o outro. Além 
          disso, as crianças ficam expostas aos horrores do mundo, da sociedade, 
          à crueldade e à violência, tanto na vida real como 
          principalmente pela mídia – e, em vez de belo, o mundo lhes parece 
          bem horrível. É verdade que não podemos nem devemos 
          criar as crianças numa redoma; mesmo assim, podemos protegê-las 
          de um excesso de vivências negativas, pois algumas são 
          inevitáveis. Um erro bastante comum é deixar que no segundo 
          setênio as crianças tomem decisões e sejam responsáveis 
          pelo que fazem. Nessa faixa etária, ainda são os adultos 
          que sabem o que é bom para elas ou não, e no fundo 
          de seu ser a criança ainda espera ser dirigida por eles, sem 
          muitas explicações, desde que possa confiar nesses adultos. 
          Por outro lado, aos poucos ela pode sentir que suas atitudes 
          têm conseqüências.
        Um outro aspecto que chama a atenção, atualmente, é 
          o tipo de lazer que as crianças do segundo setênio têm 
          tido: parecem ser atividades que ainda trinta, quarenta anos atrás 
          cabiam ao terceiro setênio. Se hoje uma criança vai a bailinhos 
          aos nove anos, começa a "ficar" com dez, o que lhe 
          restará fazer quando tiver quinze ou dezoito anos de idade? Se 
          entre sete e catorze anos ela já passou por todas as emoções 
          possíveis (apropriadas ou não para a faixa etária), 
          que tipo de emoção irá procurar na adolescência? 
          Por que tantos jovens praticam esportes 'radicais"? Por que buscam experiências 
          de "quase morte", deixando-se cair dezenas de metros, presos 
          a um cabo elástico? Por que jovens de classe média assaltam, 
          matam e ainda dizem ter estado apenas "brincando" ou querendo 
          saber qual é a "sensação de matar alguém"?
        No terceiro setênio, o adolescente encontra-se numa fase em 
          que deixou de ser criança e ainda não é adulto 
          - uma situação realmente complicada. Sua autoconsciência 
          desperta aos poucos, ele sente grande insegurança e necessita 
          de muita compreensão do adulto. Ele começa a dar-se conta 
          de que as gerações anteriores, em vez de melhorarem o 
          mundo, estão a destruí-lo, de que as relações 
          sociais e familiares estão em ruínas, as perspectivas 
          profissionais são pequenas, o desemprego aumenta diariamente 
          e assim por diante. Ele tem tanta força, tanta vontade de mudar 
          as coisas, mas falta-lhe a experiência de vida, e ao tomar atitudes 
          intempestivas é, freqüentemente, mal compreendido. Onde 
          está o mundo verdadeiro? Ele busca ideais – aliás, tem 
          grande necessidade deles, pois quer e precisa lutar por algo -, mas 
          será que os adultos, tão envolvidos consigo mesmos, conseguem 
          interessá-lo em verdadeiros ideais? Querendo ser adulto, ele 
          reivindica (e freqüentemente consegue) muitos "direitos" 
          próprios dos adultos, como obter carteira de motorista aos dezoito 
          anos (até pleiteando que seja possível aos dezesseis), 
          ter direito a voto (de que tipo de discernimento e julgamento ele é 
          capaz, se ainda está desenvolvendo essas capacidades?), mas também 
          lhe são impostos certos "deveres" dos adultos, como 
          o serviço militar. Por outro lado, em nosso país o casamento 
          antes dos 21 anos ainda exige autorização dos pais…
        Será que não é por falta de ideais nobres que 
          o jovem acaba criando ídolos para poder "adorar" (cantores, 
          esportistas, gente que consegue realizar algo)? Os movimentos sociais, 
          o movimento hippie dos anos 60, as revoltas estudantis de 1968, o movimento 
          ecológico, a recusa de prestar o serviço militar, o Greenpeace, 
          são alguns dos exemplos das lutas empreendidas pelos jovens neste 
          século, alguns ideais pelos quais até chegaram a dar suas 
          vidas. Justamente quando deveria estar tomando decisões importantes 
          sobre o encaminhamento de seu futuro, o jovem não vê sentido 
          no que o mesmo futuro lhe oferece, se é que lhe oferece algo. 
          Como suportar tudo isso?
        4. Fantasia e criatividade
        A criancinha, ainda tão pouco consciente do mundo que a rodeia, 
        muitas vezes ainda vive num "mundo de fantasia", o que não 
        está errado. Tanto é que ela pode confundir fantasia e realidade. 
        Essa fantasia pode ser comparada a um mundo de sonhos, e, se atentarmos 
        bem, trata-se de um mundo que se apresenta sob forma de imagens. A criança 
        pequena tem muita facilidade de criar imagens, sendo esse um meio de que 
        podemos dispor na educação. Por meio de histórias 
        inventadas, que descrevam determinadas situações referentes 
        a um comportamento inadequado, podemos educar com muita eficiência, 
        usando uma linguagem compreendida pela criança (as imagens) em 
        vez de explicações moralizantes, que estejam fora do alcance 
        de sua compreensão. Mas também essa capacidade de formar 
        imagens tem de ser treinada e mantida. Por isso as crianças gostam 
        tanto de ouvir histórias, contos-de-fadas. Quanto menos ilustrações 
        houver, quanto mais viva for a descrição feita por quem 
        contar a história, maior será a riqueza de imagens que a 
        criança desenvolverá em seu íntimo. Todavia, os filmes 
        de contos-de-fadas produzem uma paralisia dessa capacidade, pois a imagem 
        vem pronta - a criança não fez esforço algum para 
        produzi-la, e essa imagem é indelével e imutável. 
        Toda vez que ela for se lembrar da Cinderela, mesmo já adulta, 
        surgirá aquela imagem de Walt Disney. Além disso, todas 
        as crianças que assistiram ao mesmo filme ou viram as mesmas imagens 
        em livros guardarão essa mesma imagem, ou seja, produz-se a massificação 
        de imagens. Se, por outro lado, numa classe o professor contar vivamente 
        a história, cada criança criará a sua imagem totalmente 
        individual dos diferentes personagens, desenvolvendo uma vida interior 
        rica e diversificada. Também aqui vale a constatação 
        de que a capacidade se desenvolve com o uso e o treino. A maior agressão 
        à qual as crianças estão expostas, nesse âmbito, 
        é a televisão: as imagens irreais, bidimensionais, chegam 
        prontinhas: basta consumi-las (atitude esperada na sociedade de consumo). 
        Como a criancinha não tem a capacidade para fazer um julgamento 
        crítico, toma tudo isso como realidade, podendo tornar-se uma alienada 
        em relação mundo verdadeiro caso sofra essa influência 
        de maneira excessiva. Quantos acidentes fatais já ocorreram porque 
        as crianças se julgavam capazes das mesmas proezas dos heróis 
        da televisão! 
        
Mas também os adultos necessitam de imagens interiores; é 
          importante, em alguns momentos, "sonhar acordado". Aliás, 
          todo processo artístico, toda criatividade, de um modo geral, 
          está relacionada com a produção de imagens; mas 
          isto só é possível quando essa capacidade é 
          treinada e cultivada. A televisão, os gibis, um excesso de ilustrações, 
          atrofiam essa aptidão. Como, então, um adulto que desde 
          a infância esteja habituado a receber imagens prontas, "de 
          fora", poderá continuar a recebê-las? Essa questão 
          pode ter uma eventual resposta ao estudarmos gráficos realizados 
          nos Estados Unidos, nos quais a curva que representa o aumento do consumo 
          de drogas (na época, principalmente maconha e LSD) acompanha 
          quase paralelamente a curva que representa o aumento de lares possuidores 
          de televisão, com uma defasagem de quinze anos, conforme ouvimos 
          em uma palestra do Dr. L.F.C.Mees, em 1970. Ou seja, depois da Segunda 
          Guerra Mundial a televisão se tornou cada vez mais popular, invadindo 
          cada vez um número maior de lares, e aproximadamente quinze anos 
          depois (anos sessenta) houve uma grande expansão do consumo de 
          maconha e LSD. Principalmente esta última tem um grande poder 
          de "produzir imagens", muito ricas e coloridas, mas muitas 
          vezes os usuários também perdem qualquer noção 
          de realidade quando estão sob o seu efeito - o que, não 
          raras vezes, tem um desfecho fatal.
        5. A educação e as drogas
        Estudando o desenvolvimento da criança e do jovem, e fazendo 
          a comparação entre o que seriam as condições 
          ideais de educação e o que realmente ocorre, podemos entender 
          a situação desesperadora em que o jovem se encontra. Sem 
          saber formar imagens, sem ter tido vivências de que o mundo é 
          bom, de que o mundo é belo, e percebendo falsidade, egoísmo, 
          hipocrisia à sua volta, sentindo-se desrespeitado como ser humano 
          (afinal, os adultos inconscientemente o consideram uma ameaça, 
          pois ele vai querer tomar o lugar deles), sua atitude natural será 
          a de rebeldia e/ou fuga. Por que o jovem deve respeitar quem não 
          o respeita? Por que vai querer preservar uma sociedade que não 
          lhe oferece um futuro, sendo-lhe até mesmo hostil? Se ele não 
          conseguir engajar-se por um ideal, no sentido de lutar por profundas 
          mudanças na sociedade, só lhe restará destruir 
          o que existe (vandalismo) ou a si mesmo, seja de forma rápida, 
          com o suicídio, seja de forma lenta, por meio do álcool, 
          das drogas, etc. Não podemos julgar os jovens por estarem fazendo 
          uso de drogas. Muito pelo contrário: quem deve ir a julgamento 
          são os adultos, é a sociedade que evoluiu num sentido 
          de não permitir um desenvolvimento sadio da criança e 
          do jovem.
        Muito mais do que um problema individual, com todas as suas conseqüências 
          e desdobramentos, o consumo de drogas é um problema social. Porém 
          esse social não tem a ver apenas com a divisão 
          da sociedade em classes sociais mais ou menos favorecidas; ele envolve 
          toda a humanidade, que deve buscar compreender o ser humano em toda 
          a sua dignidade – afinal, um animal racional não merece mesmo 
          mais atenção do que um bicho qualquer. Os atos deste último 
          são instintivos, previsíveis segundo a espécie, 
          não tendo conseqüências tão destruidoras como 
          os dos homens. Justamente pelos atributos advindos da maior consciência 
          e da autoconsciência, o ser humano pode tornar-se um ser capaz 
          de desenvolver a liberdade, mas isso implica também, e principalmente, 
          em desenvolver a responsabilidade. Por outro lado, a verdadeira liberdade 
          sempre leva em conta o outro, o que significa adquirir uma profunda 
          observação de suas necessidades, o que só é 
          possível com o desenvolvimento de um amor abnegado, altruísta.
        Concluímos, portanto, que a prevenção (e talvez 
          cura) do problema seja possível se o ser humano for respeitado 
          como tal, especialmente enquanto ainda estiver em fase de desenvolvimento. 
          A educação deve ter como meta ajudar a criança 
          a tornar-se um adulto livre, responsável, com iniciativa, que 
          respeite a si, aos outros e à natureza. Ela também deve 
          propiciar que o jovem possa desenvolver o verdadeiro amor altruísta, 
          ser capaz de sacrificar-se por uma causa, uma pessoa, deixando seus 
          próprios impulsos num segundo plano, mas sem anular-se como pessoa, 
          como individualidade. Contudo, para educar um outro ser humano nesse 
          sentido o educador também deverá estar, ele próprio, 
          empenhado em alcançar essa meta. O verdadeiro educador aprende 
          muito com as crianças e os jovens, pois sempre tem de estar atento 
          às necessidades destes, sendo criativo para encontrar soluções 
          apropriadas. Nisso reside parte de sua auto-educação. 
          Antes de educar temos de aprender, e o processo educativo faz de cada 
          parceiro alguém que aprende e que ensina. A vida social é 
          uma troca constante, um contínuo dar e receber. Como já 
          vimos, o que não foi aprendido por meio da educação 
          tem de ser conquistado pela auto-educação. Nunca é 
          tarde para começar.
        Bibliografia
        Heydebrand, C. von. 
A natureza anímica da criança. São 
        Paulo: 
Ed. Antroposófica, 
        1996. 
        
Lanz, R. A Pedagogia Waldorf. São Paulo: Ed. Antroposófica, 
          1998.
        Lievegoed, B. C. Desvendando o crescimento. São Paulo: 
          Ed. Antroposófica, 1996.
        Steiner, R. A educação da criança segundo 
          a Ciência Espiritual. São Paulo: Ed. Antroposófica, 
          1998.
        Steiner, R. A arte da educação, 3 vols. [vol. 
          1: O estudo geral do homem, uma base para a pedagogia; vol. 2: 
          Metodologia e didática no ensino Waldorf; vol. 3: Discussões 
          pedagógicas]. São Paulo: Ed. Antroposófica, 
          1995 (vol. 1, 2. ed.,), 1992 (vol.2) e 1999 (vol. 3).
        Steiner, R. Antropologia meditativa. São Paulo:. Ed. 
          Antroposófica, 1997.