Criando uma cultura da Internet

Phil Agre

A Internet oferece a esperança de uma sociedade mais democrática. Através da promoção de uma forma descentralizada de mobilização social, diz-se que a Internet pode nos ajudar a renovar nossas instituições e nos libertar de nossos legados autoritários. A Internet realmente detém essas possibilidades, mas elas não são absolutamente inevitáveis. Para a Internet se transformar em instrumento de progresso social, e não em instrumento de opressão de outro meio de difusão centralizado ou simplesmente em desperdício de dinheiro, os cidadãos envolvidos precisam compreender as diferentes maneiras como a Internet pode se incorporar em processos sociais mais amplos.

Ao se pensar nas maneiras culturalmente apropriadas de usar tecnologias como a Internet, o melhor ponto de partida são as pessoas ­ comunidades coerentes de pessoas e as maneiras como elas pensam em conjunto. Consideremos um exemplo: uma companhia fotocopiadora solicitou a um antropólogo chamado Julian Orr que estudasse seus técnicos de reparos e recomendasse as melhores maneiras de se usar a tecnologia para ajudar o seu trabalho.

Orr captou uma visão ampla das vidas dos técnicos, tomando conhecimento de algumas de suas habilidades e acompanhando-os em sua rotina. Todas as manhãs, os técnicos iam para o trabalho, pegavam os veículos de sua companhia e se dirigiam às propriedades de seus clientes, onde as fotocopiadoras precisavam de ajustes; todas as tardes, retornavam à companhia e iam juntos para um bar tomar cerveja. Embora a companhia tenha proporcionado um treinamento formal aos técnicos, Orr descobriu que eles na verdade adquiriam grande parte do seu conhecimento informalmente, enquanto tomavam cerveja juntos. Tendo passado o dia lutando com difíceis problemas de reparos, entretinham-se uns aos outros com "histórias de guerra", e essas histórias muitas vezes os ajudavam em futuros reparos. Por isso, ele sugeriu que os técnicos recebessem equipamento de rádio para que pudessem permanecer em contato o dia todo, contando histórias e ajudando uns aos outros com suas tarefas de reparos.

Como sugere a história de Orr, as pessoas pensam melhor juntas quando têm algo importante em comum. As tecnologias de rede em geral podem ser usadas para criar um espaço para as "comunidades da prática", como os técnicos de fotocopiadoras, pensarem juntas à sua própria maneira. Esse talvez seja o uso mais comum da Internet: grupos de discussão organizados por pessoas que desejam unir suas informações e idéias sobre um tópico de interesse comum. Ao mesmo tempo, não devemos considerar a Internet isoladamente. Independente de estarem localizados na mesma região geográfica ou distribuídos pelo mundo, os membros de uma comunidade caracteristicamente pensarão juntos, utilizando vários meios de comunicação, como o telefone, o correio eletrônico, as publicações impressas e os encontros pessoais, e a Internet é melhor concebida apenas como um componente dessa ecologia mais ampla da mídia.

No entanto, simplesmente colocar todos na Internet não vai assegurar que compartilharão suas idéias uns com os outros. Uma firma de contabilidade global tentou juntar o conhecimento de seus empregados usando um dispendioso software chamado Lotus Notes, mas ficou desapontada ao descobrir que os empregados não compartilharam nada muito importante. Uma professora de administração chamada Wanda Orlikowski descobriu o problema: como os empregados estavam competindo por promoções, tinham um estímulo para manter seus conhecimentos em segredo. Como sugere esse caso, muitos aplicativos da Internet falham porque a tecnologia é inadequada para a cultura da instituição que a adota.

As redes sociais também influenciam a adoção de novas tecnologias: se os membros de uma comunidade já têm conexões sociais uns com os outros, têm maior probabilidade de se beneficiar de conexões tecnológicas. Toda cultura tem suas próprias práticas distintivas para criar e manter redes sociais, e uma sociedade será mais saudável em termos políticos e econômicos quando essas práticas funcionarem bem. Por exemplo, há muito tempo tem sido um mistério por que o povo de Sarajevo tem mantido sua cultura tolerante e pluralística enquanto guerras terríveis são travadas em torno dele. Entretanto, uma visita à cidade revela uma razão bastante óbvia: Sarajevo está organizada em torno de uma alameda de pedestres com cerca de dois quilômetros de extensão, e as pessoas se divertem caminhando por essa alameda, encontrando seus conhecidos e parando para tomar um café. As conexões sociais são assim continuamente renovadas, e as pessoas são levadas naturalmente a apresentar seus amigos uns aos outros. Usando outro exemplo, a Hungria permaneceu uma sociedade relativamente saudável durante a ocupação soviética, em grande parte devido às suas redes sociais bem desenvolvidas, baseadas em uma tradição de relacionamentos próximos de toda uma vida entre os membros de cada classe do ginásio. As redes sociais de Silicon Valley, ao contrário, dependem de conexões no local de trabalho. As pessoas mudam com freqüência para novos empregos, mas mantêm assíduos seus relacionamentos com os antigos colegas de trabalho, mesmo quando estes também vão para outros empregos, e assim têm a quem recorrer da próxima vez em que estiverem desempregados.

Como esses exemplos ilustram, as práticas da rede social variam muito, e cada prática é unida às atividades mais amplas da sociedade. As sociedades autoritárias vão tentar suprimir as práticas culturais da comunicação em rede, e as sociedades democráticas vão promovê-las. A implementação ampla da Internet é uma maneira de promover a rede social, e as práticas existentes da rede podem oferecer sugestões para as maneiras mais eficientes de se implementar a Internet. É claro que grande parte da expansão da Internet é espontânea; enquanto o sistema telefônico funcionar razoavelmente bem, os provedores de serviço da Internet poderão se expandir para oferecer os serviços da Internet para qualquer pessoa que deseje.

Em uma sociedade rica, com redes sociais fortes, isso pode ser o bastante. Mas quando os recursos são mais limitados ou as práticas culturais em rede são debilitadas por uma história de autoritarismo, as políticas estatais têm alguma esperança na promoção do uso da Internet. A política mais óbvia, simplesmente conectando todos, é bastante dispendiosa e não está direcionada para as questões sociais e culturais. É muito melhor, sem falar que é muito mais barato, adotar uma abordagem modesta, direcionada. Tendo como base a experiência dos Estados Unidos e a análise que realizei acima, elaborei dez conclusões que podem orientar o desenvolvimento de uma política de Internet culturalmente adequada em um país:

1) Resista aos apelos de vendas comuns de nova tecnologia. Esses apelos de venda, encontrados em toda parte do mundo, despertam seu medo de ser deixado para trás pela mudança tecnológica. Tratam toda a sua experiência e o senso comum como coisas obsoletas, e o convidam a se libertar do passado comprando montes de tecnologia. A menos que tenha um plano coerente baseado em sua experiência e bom senso, comprar uma quantidade enorme de máquinas não vai impedi-lo de ficar para trás.

2) Não gaste enormes somas de dinheiro para comprar máquinas que vai colocar no topo das instituições disfuncionais existentes. A Internet, por exemplo, não vai ajustar suas escolas. Talvez a Internet possa ser parte de um plano muito maior e mais complicado para esse ajuste, mas simplesmente instalar uma conexão com a Internet será com certeza um desperdício de dinheiro.

3) Concentre-se no desenvolvimento das pessoas, não das máquinas. Aprender a usar a Internet é antes de tudo uma questão de disposição institucional, não de habilidade técnica. Por isso, solicite propostas de projetos de demonstração que permitam às suas instituições aprender a usar as máquinas. Quando as instituições estiverem prontas para usar grandes quantidades de máquinas, estas estarão mais baratas.

4) Crie a sociedade civil da Internet. Descubra as pessoas de todos os setores da sociedade que querem usar a Internet para propósitos sociais positivos, apresente-as umas às outras e conecte-as com suas contrapartes em outros países do mundo. Muitas organizações de outros países podem ajudar nisso.

5) O correio eletrônico é mais importante do que tecnologias como a World Wide Web, que empregam gráficos sofisticados. Você pode conseguir muitos benefícios sociais da Internet com tecnologia menos sofisticada que trabalhe apenas texto, sem fechar a possibilidade de mais tarde modernizar a tecnologia. O correio eletrônico requer habilidades, mas os benefícios da correspondência eletrônica também proporcionam uma motivação poderosa para adquirir maiores habilidades.

6) Realize uma análise ampla e estruturada do ambiente técnico e cultural. Inclua as pessoas cujo trabalho realmente será afetado. Um processo analítico compartilhado ajudará a vislumbrar como a tecnologia vai se ajustar a todo o modo de vida circunjacente, e a tecnologia terá maior oportunidade de ser realmente usada.

7) Identifique as práticas existentes para compartilhar informação e criar redes sociais, e experimente usar a Internet e tecnologias a ela aliadas para amplificá-las.

8) Não distribua a tecnologia ao acaso. O correio eletrônico é inútil, a menos que as pessoas com as quais você quer se comunicar também estejam on-line, e as pessoas não lerão seus e-mails se não quiserem. Por isso, você deve concentrar seus esforço em comunidades específicas, começando por aquelas que têm um forte senso de identidade, um bom registro de informações compartilhadas e uma motivação coletiva para ficar on-line.

9)Para as crianças, a experiência prática na organização de eventos sociais complicados, como por exemplo produções de teatro, é mais importante do que as habilidades em computação. A Internet pode ser um instrumento valioso para a educação, se estiver integrada com inovações no currículo que integrem a tecnologia com uma pedagogia coerente. Mas alguém que tenha experiência com as habilidades sociais da organização imediatamente compreenderá o propósito da Internet e quando chegar o momento adquirirá prontamente as habilidades técnicas necessárias.

10) As máquinas não reformam a sociedade, consertam as instituições, criam redes sociais ou produzem uma cultura democrática. As pessoas precisam fazer coisas, e a Internet é simplesmente um instrumento entre vários. Descubra pessoas talentosas e dê-lhes os instrumentos de que necessita. Quando fizerem grandes coisas, contribua com a cultura da Internet da sua sociedade, publicando suas idéias.

PHIL AGRE é professor do Departamento de Comunicação da Universidade da Califórnia (EUA).

pagre@ucsd.eduhttp:communication.ucsd.edu/pagre/

Tradução de Magda Lopes