Tendências e implicações do comércio eletrônico

José Luiz Kugler

Inicialmente, é importante comentar alguns aspectos da evolução do processo de comunicação e o seu impacto na vida universitária. Duas revoluções do conhecimento merecem especial menção. A primeira foi a invenção da imprensa e a conseqüente disseminação do conhecimento para as camadas menos privilegiadas. Mas o conhecimento continuou, em grande parte, privilégio das classes mais abastadas, ou seja, do clero e da nobreza.

A segunda revolução, menos conhecida, embora também relevante para o tema em discussão, tem a ver com o transporte e disseminação de informações. Em 1653 surge o primeiro correio organizado, implantado por Luís XIV, aliás um monarca absolutista. Os serviços desse primeiro correio passaram a ser cobrados, inicialmente um soleil (pois Luís XIV era o Rei Sol) por entrega na região de Paris, pois o monarca precisava financiar suas guerras. Antes desse serviço, apenas o clero bem como nobres e senhores de castelos podiam trocar cartas entre si, mediante o uso de mensageiros a cavalo; já a população em geral não tinha meios práticos de trocar cartas. Curiosamente, as críticas da época diziam que esse tipo de serviço (o correio organizado, relativamente barato e acessível à grande camada da população) iria incentivar a subversão, pois tornar-se-ia impossível controlar o conteúdo das mensagens trocadas.

Foi fundamental o impacto que o uso do correio acabou acarretando na vida acadêmica, evidenciando bem a evolução que o correio acarretou para as universidades européias. O correio favoreceu um desenvolvimento extraordinário no século seguinte, apenas duas ou três gerações após (as coisas demoravam um pouco mais naqueles tempos). A troca de correspondência entre acadêmicos influenciaria a liberalização do conhecimento, a mobilização da população, a ida para as ruas, a Revolução Francesa, entre outros. No século XIX, a difusão do correio, aliada à difusão das ferrovias pela Europa, propiciou o aparecimento dos exércitos de conscritos, imensas reservas de homens que poderiam ser convocados e reunidos em poucos dias. Na segunda metade do século XIX, o aparecimento do telégrafo acelerou ainda mais esse fenômeno. Portanto, o aparecimento do correio organizado foi um fenômeno de grandes proporções e não menos o é a Internet, um fenômeno que se desdobra presentemente com intensidade e ubiqüidade.

Entretanto, antes de abordar o fenômeno do comércio eletrônico, do tecno-marketing e do comércio na rede, é importante analisar o comércio tradicional, para didaticamente apreciarmos um contraponto. O comércio tradicional apresenta uma determinada rigidez, uma certa seqüência de etapas e processos. Primeiro, temos a fase de elaboração de um produto, para a seguir se iniciarem as vendas. No comércio tradicional, uma idéia ou produto é desenvolvido em laboratório e depois procura-se oferecer o maior número possível de unidades ­ sejam novos cursos ou disciplinas, sejam novos formandos, sejam hambúrgueres ­ para o maior número de pessoas. Essa fase apresenta alguns problemas peculiares, sem falar nas questões filosóficas pertinentes, tais como: "Quem criou este produto? E para quê?".

No comércio tradicional percebem-se ações de marketing oriundas predominantemente do lado do fornecedor, do provedor. No comércio tradicional, ocorrem entraves assim que se inicia o ciclo de produção: as atividades de manufatura e produção são tipicamente rígidas, a customização de produtos afeta a rentabilidade, o faturamento é trabalhoso, a distribuição acontece penosamente através de meios físicos, etc.

Agora, ao se analisar o comércio eletrônico, deve-se associar a ele outras nomenclaturas, tais como "tecnologias de conveniência". Isso porque hoje se tem um mundo de maior conveniência, seja por hedonismo ou por necessidade, em decorrência das dificuldades de tráfego e da pressão do tempo. Para as suas refeições, as pessoas utilizam mais e mais cadeias de fast food. Os clientes dos bancos vão às ATMs (automatic teller machines ou caixas automáticos), retiram dinheiro, realizam consultas e fazem transferências eletrônicas. É possível fazermos compras pela Internet. Essas tecnologias são, predominantemente, de conveniência. O que as pessoas querem hoje é ter acesso a serviços e informações em qualquer tempo e lugar, com maior rapidez e a custo relativamente reduzido.

Há também uma relativa e razoável privacidade, de forma talvez análoga ao ocorrido com o fenômeno dos correios durante o século XVII. O sucesso da Internet e também dos computadores pessoais, até certo ponto, ocorre em razão da relativa privacidade que esses meios oferecem.

As tecnologias de conveniência são bem-sucedidas quando conseguem se encaixar no modelo mental do usuário. Para ilustrar este ponto, basta examinar o fato de que, há duas décadas, os bancos estão tentando descobrir como vender mais produtos e serviços pelas ATMs. Na cabeça da maioria das pessoas, entretanto, a ATM serve para realizar rapidamente duas ou três operações básicas, tais como sacar fundos, pedir extrato, fazer uma transferência e solicitar talão de cheques. Além do que, aqui no Brasil, não dá nem para dizer que a ATM serve para reduzir as filas, porque é preciso entrar na fila para usar as maquininhas. Este ainda é um problema grave por aqui. Nos Estados Unidos, já se tentou muita coisa: solicitação de título de eleitor, pedidos de seguros, de cartão de crédito, de formulários de renovação de carteira de motorista, e outras mil aplicações, porque existe uma enorme rede física disponível. É importante, no entanto, que se considere o que os usuários querem fazer quando acessam determinado meio, porque o modelo mental das pessoas é focado em certas operações, e depois de duas ou mais décadas, este modelo mental tende a ficar relativamente estável.

As atitudes com relação ao cliente também mudaram e isso teve um reflexo na Internet. A título de comparação, podemos, andando em nossa cidade, perceber operações de marketing verdadeiramente medievais. O vendedor lá está na frente da loja, gritando em um megafone e tentando atrair clientes, mas na verdade ele quer empurrar um determinado produto para as pessoas. O cliente para ele é praticamente um mal necessário. Segundo essa visão, o importante é atrair o cliente para fechar o negócio e realizar a transação aqui e agora. Caso o cliente não saia satisfeito não há grande problema, pensa o produtor, porque mais pessoas vão passar novamente pela loja no dia seguinte, quando estiverem indo para o trabalho ou para seus afazeres.

Em uma fase posterior, ocorre no comércio a revolução da qualidade, o que poderia se chamar de revolução da cidadania, na qual o consumidor pede qualidade não apenas no produto obtido mas também no relacionamento estabelecido com o produtor. Uma terceira fase seria aquela em que o consumidor passa a exercer um papel coadjuvante no processo de produção. Principalmente no caso de produtos acadêmicos e outros em que ocorre um teor significativo de informação, o cliente coopera, consciente ou inconscientemente, na concepção e desenvolvimento do produto. Isso tem uma implicação muito forte para as universidades que, como muitas outras instituições tradicionais, são rígidas e hierarquizadas. Neste contexto, surgem questões filosóficas que a universidade certamente terá de enfrentar para encontrar um equilíbrio no momento de satisfazer as novas demandas e os novos desafios impostos pela transformação da sociedade.

A evolução do comércio na Internet segue um padrão mais ou menos universal. Primeiro, ele se caracteriza por uma fase de divulgação, muito parecida com o que se faz, por exemplo, nas páginas amarelas dos guias telefônicos. Nesse sentido a Internet foi utilizada inicialmente para as empresas mostrarem que existem, divulgarem o que fazem, estabelecendo uma imagem e uma presença na WWW. Na fase seguinte, essas empresas ou instituições começam a descrever melhor os seus produtos, com mais detalhes, abrangendo, por exemplo, um catálogo dos produtos, serviços, cursos, agências, filiais, etc. As fases um e dois são relativamente fáceis de se implementar e são predominantemente voltadas para a divulgação da empresa (ou pessoa) e de seus produtos.

Já na terceira fase as instituições começam a permitir a realização de transações pela rede e aí acaba a brincadeira. Esta é uma fase difícil, que exige uma intensa preparação. Quando a empresa apresenta na rede apenas uma "página amarela", bonitinha mas nada mais, os usuários se cansam de acessar a homepage. Porque, depois de um certo tempo, as pessoas acabam querendo algo mais. Não adianta somente ter um e-mail para acesso, ou usar a internet apenas como um fax mais sofisticado. Quando o usuário solicita algo e a resposta não ocorre em velocidade comparável com a do pedido ou contato inicial, isso gera insatisfação e frustração.

Vários fatores críticos têm chamado a atenção. O nosso país tem sido pioneiro em certos aspectos da Internet. Por exemplo, é um dos pouquíssimos países no mundo em que o usuário pode fazer sua declaração de imposto de renda pela rede. Mas é importante que haja cautela nas extrapolações, pois somos um país de contrastes, com oscilações muito grandes. Apenas como comparação, nunca se vendeu tanto livro no mundo, e há empresas nos Estados Unidos que estão realizando muitas vendas via internet. Os diversos meios de comunicação e de disseminação de conhecimento vão continuar existindo e será necessário que convivam juntos.

Então, é importante sumarizar alguns tópicos. A Internet é um meio de conveniência por excelência. Com ela, podemos acessar e estabelecer contato com outras realidades, para finalidades diversas, ultrapassando talvez, em futuro não muito distante, até a ubiqüidade da televisão, pois a Internet possui um alcance ilimitado, sem restrições de fronteiras e com menor dependência de patrocinadores.

Então, o que se percebe é que as etapas mais fáceis já foram feitas, pois a divulgação já existe no caso de muitas empresas e instituições, mas apenas isso não basta. O passo realmente sério é aquele que possibilite um ciclo completo de negócios, satisfatório para ambas as partes envolvidas, via Internet. E esse ciclo de negócios e de transações exige tipicamente um investimento considerável em atividades de retaguarda, de sistemas de backoffice, englobando atividades de suporte, de análise de informação, de análise de tendências, de logística, pessoas executando serviços, processando dados, checando pedidos. Qualquer instituição que deseje realizar negócios via Internet terá que desenvolver essa retaguarda, senão correrá o risco de gerar uma enorme demanda e não ser capaz de oferecer as respostas devidas, e de gerar os estímulos necessários à expansão dos negócios. Isso é o que diferencia uma estratégia bem-sucedida na WWW. Não se pode correr o risco de gerar uma enorme demanda em cima da WWW e não conseguir dar respostas.

Quando uma pessoa passa na frente de uma determinada loja e olha uma vitrine nova, ou percebe algo diferente, ela geralmente dedica alguma atenção ao fato, mesmo que durante semanas ou meses aquela vitrine em particular não lhe tenha chamado a atenção. Diferentemente do que acontece na rua, isso não ocorre na Internet porque ninguém volta ao mesmo site depois de ter experimentado um contato demorado ou frustrante em algum aspecto.

Quanto ao engajamento cognitivo e emocional, é preciso lembrarmos que o acesso à rede é uma experiência lúdica. Há hoje uma enorme mudança no comportamento dos jovens e estudantes, já acostumados a lidar com videogames e Internet. Então, os alunos querem experiência de aula com recursos de Internet. É um ensino mais atraente, mais dinâmico, que permite experimentar e explorar, abrindo uma nova dimensão para a aquisição de conhecimentos.

Em termos do nivelamento trazido pela Internet, as universidades já passaram a competir em nível mundial. O futuro aluno pode consultar e visitar, virtualmente, outros campi, e conversar com educadores e pesquisadores em países distantes. Isso acirra a concorrência, pois dá a possibilidade de se fazer, ao menos parcialmente, créditos de um curso de MBA no exterior via Internet. Isso traz implicações muito grandes para as universidades com relação ao seu público-alvo.

Também é importante abordar os chamados custos de busca. No comércio tradicional, esse custo é muito árduo pois o consumidor não pode facilmente visitar ou consultar muitas lojas. Na Internet, esse custo é baixíssimo, e os recursos de busca são praticamente ilimitados. Caso o usuário tenha paciência, ele pode passear pelo mundo inteiro e refinar sua pesquisa.

Em suma, torna-se relevante perceber que o comércio eletrônico é a antítese, em muitas variáveis, do comércio tradicional. No comércio eletrônico, o consumidor atua como um co-autor que realmente determina a feição e as tendências do mercado, principalmente em virtude de vivenciar um custo de busca reduzidíssimo.

José Luiz Kugler é diretor técnico da CPM Sistemas.