Contra o mínimo denominador comum

Maria Ercilia

Aquele punhado de cientistas que criou o primeiro protótipo da Internet no final dos anos 60 pensava em tudo, menos em jornalismo.

Os primeiros computadores pessoais, no começo dos anos 70, também não foram inventados para comunicação. Aliás, ninguém sabia direito para que as pessoas iam usá-los.

Mas a popularização da Internet, que começou quatro ou cinco anos atrás, gerou uma tal corrida da mídia que hoje não há publicação ou canal de TV que não tenha as suas páginas na Web e seu endereço de correio eletrônico. "Interatividade" e "tempo real" são dois chavões usados e abusados para descrever a Internet. Mas a grande mudança que a rede traz é seu modelo de distribuição, radicalmente diferente de qualquer outra mídia.

Nossa dieta básica de mídia é a mesma há bem uns trinta anos: TV, jornais e revistas, rádio. Esses três meios têm uma característica em comum: quem os opera precisa dominar um canal de distribuição. Para rádio e TV, é preciso, na maioria dos países do mundo, ter uma concessão. Já para distribuir um jornal, é preciso ter muito dinheiro ­ é uma operação danada de cara. A TV a cabo também exige um tremendo investimento em infra-estrutura.

A mídia de massa custa um dinheirão para chegar ao consumidor. Logo, tem que vender muito para dar lucro. Ora, dirá você, por isso é que é de massa.

A Internet inverte esse modelo: custa pouquíssimo para distribuir. Quem paga o custo de distribuição é na verdade o cliente, que compra um computador e uma linha telefônica e paga uma assinatura de um provedor de acesso.

Em compensação, é mais difícil para um determinado veículo conseguir na Internet a hegemonia que se consegue em outros meios. Não basta ser dono de um canal de distribuição, porque isso simplesmente não existe na rede. E há páginas demais competindo pela atenção do leitor. Na sua TV há talvez, com otimismo, 100, 150 canais. Na banca de revistas, algumas centenas de publicações. Na Internet, há bem uns 50 milhões de páginas.

Pode não ser hoje, nem daqui a cinco anos. Mas aos poucos, esse modelo de distribuição vai influenciar a produção de jornalismo para a Internet. Hoje os leitores buscam exatamente os jornais e canais de TV que já conhecem, replicados na rede. Mas a médio e longo prazo, podemos esperar que publicações que não custem tanto para serem distribuídas e não tenham expectativas de chegarem a ser publicações de massa surjam na Internet.

A conta é simples: se não é tão caro de produzir, um veículo também não precisa de tantos leitores para dar lucro.

Nasce a mídia de rede. Publicações relativamente pequenas, que congregam pessoas com interesses comuns. A mídia de rede possibilita que os leitores de um determinado serviço conversem entre si, em fóruns e bate-papos. Um site é como um jornal, na medida em que pode ser lido, e é como uma TV ou rádio, na medida em que pode ser atualizado várias vezes por dia e apresentar material audiovisual. Mas é também como um "lugar" (significado da palavra site), já que pode colocar seus freqüentadores em contato uns com os outros.

A Internet se presta melhor que outros meios ao conteúdo vertical, ao aprofun-damento da informação. O jornal sempre esbarra na limitação de espaço. A TV e o rádio, na limitação de tempo. No com-putador, você pode pôr uma quantidade grande de material de apoio, sem prejudicar a visibilidade da notícia mais quente.

Um jornal ou emissora de TV, por exemplo, podem reunir na Internet material de arquivo sobre uma determinada cobertura e criar um fórum. Experiências como estas têm sido feitas com grande sucesso, no Universo Online (empresa do Grupo Folha e do Grupo Abril, onde trabalho) e outros sites.

Essa é uma visão otimista da evolução do jornalismo na Internet. Mas ela é perfeitamente possível e já há alguns indícios de que as coisas caminham nessa direção. Aquilo que eu chamo de mídia de rede pode ser o antídoto para a grande praga da mídia de massa: o mínimo denominador comum. Hoje um número demasiado grande de veículos compete pelo tempo e pela atenção das pessoas. O tempo é um recurso finito. Um dia dura 24 horas ­ isso não vai mudar tão cedo. A duração média da vida das pessoas também não é elástica. Temos algo entre 60-80 anos de vida, na melhor das hipóteses. Não vamos conseguir prestar atenção em tudo nem comprar tudo.

O resultado é o nivelamento por baixo da mídia, principalmente TV e tablóides. Se eu estou num mercado altamente competitivo e preciso chamar a atenção do maior número possível de pessoas ao mesmo tempo, preciso apelar para o mínimo denominador comum. Daí o habitual coquetel de sexo, tragédia e versões simplificadas e novelizadas da realidade.

Mas a mídia de rede possibilita uma rota de escape para esta mesmice. Se você sabe que existem 50 mil pessoas, ou mesmo cinco mil pessoas, interessadas em literatura latina ou paisagismo, pode direcionar sua publicação para elas. Na mídia de rede, o nicho é tudo.

Na rede o custo de distribuição, além de ser muito baixo, não é proporcional. Atingir um leitor na Islândia custa o mesmo que atingir um leitor no Brasil. O importante é descobrir se existem leitores para o que você tem a oferecer. Seu único limite é a língua.

MARIA ERCILIA é jornalista da Folha de S. Paulo.