MAC 339 - Informação, Comunicação e a Sociedade do Conhecimento
prof. Inre Simon

Notas de Aula: Tema 8 - Um Estudo de Caso: A Produção e Disseminação da Literatura Acadêmica

 

O que é um estudo de caso?

Estudo de caso é uma técnica de estudo, onde se faz uma pesquisa sobre um caso particular, para tirar conclusões sobre princípios gerais daquele caso específico.

 

Por que e o que é Literatura Acadêmica?

Literatura acadêmica são as publicações de pesquisa acadêmica. Precisamos diferenciar dois aspectos dela: a produção e o consumo de literatura acadêmica.

 

Três estudos de casos:

(1) A evolução em torno da informação aberta
O conceito de "informação aberta" compreende a presença de cooperação, sem a qual ela perde praticamente todo seu sentido. A área de literatura acadêmica é uma das mais antigas (~ 2500 anos) a praticar a cooperação de suas informações, que são quase totalmente abertas.

O surgimento e popularização da internet ajudou muito neste aspecto: por volta de 1945 surgem os primeiros computadores, nos anos 70 surge a rede, entre 1985 e 1989 a rede chega até a USP, e em 1991 a rede é aberta (deixa de ser exclusivamente acadêmica) e passa a ser conhecida como "Internet". Antes da chegada da rede, era muito difícil disseminar a informação acadêmica, sendo que após a sua chegada e consolidação, ela fica muito mais fácil (em relação aos custos, principalmente), abrangente e rápida.

A divulgação de informações abertas apresenta algumas características próprias, como a referenciação acadêmica (normas de fazê-la; documentação da evolução, onde nada é novo, e sim baseia-se em algo anterior), peer review (processo de "julgamento por pares", uma espécie de controle de qualidade, baseando-se em recomendações positivas ou negativas dos materiais).

O conceito de peer review também é usado para software livre, refletindo-se na sua qualidade.
Sugestão de leitura: página sobre o artigo The Cathedral and the Bazaar.

(2) Renegociação institucional
Existem em andamento não apenas uma, mas "n" renegociações, que envolvem:
- publicações acadêmicas, que antes eram feitas em revistas especializadas e congressos (onde é feita uma pré-seleção de quais publicações serão ou nao aceitas), podem ser feitas agora na web, inclusive sem que estas publicações tenham passado por um processo de peer review, além dos meios tradicionais, que continuam existindo.
- bibliotecas universitárias, onde as novas formas de disseminação da literatura acadêmica põem em xeque a sua posição (status) no ambiente acadêmico.
- universidades e instituições de incentivo à pesquisa (agências financiadoras de pesquisas), que mantêm sistemas de divisão e atribuição de recursos para pesquisas fortemente baseados no antigo sistema de publicação de literatura acadêmica, não levando em conta o material disponibilizado através do novo método, podem estar deixando de oferecer incentivos à pessoas capacitadas, mas que não tiveram seus trabalhos publicados em revistas ou expostos em congressos.
- distinção entre as comunidades de autores (produtores) e leitores (consumidores), onde antigamente havia um universo pequeno de autores em relação aos consumidores, e estes não tinham "palavra" diante dos autores. Agora a divulgação das informações está muito facilitada, aumentando a produção e a leitura de artigos, e os consumidores de literatura acadêmica ganharam um novo meio de fazer valer suas vontades perante os autores, através da Internet.
- entidades publicadoras, particulares (como Elsevier, Academic Press e outras 5 ou 6 grandes), ou "sociedades científicas", como National Academic Press, AMS (Americam Mathematical Society), SBM (Sociedade Brasileira de Matemática), ACM (Association for Computing Machinery), SBC (Sociedade Brasileira de Computação), não chegam a um acordo sobre se, como e quanto devem cobrar por seu conteúdo.
Sugestão de leitura: trabalhos de Phil Agre.

(3) Business model para "empresas informacionais", ou a "equação econômica" do empreendimento
Jornais, livrarias, editoras, bibliotecas, entidades publicadoras, portais de notícias, são todos um tipo de "empresa informacional", sobrevivendo basicamente das informações que são disponiblizadas por elas.

Porém estas empresas vivem em um constante "dilema": fechar seu conteúdo e cobrar pelos acessos à ele, e ter uma receita com isso, mas se arriscando a perder seus leitores para um concorrente, ou abrir totalmente seu conteúdo, abrindo mão de cobrar pelo acesso à ele, mas atraindo mais leitores, e compensando a menor receita com publicidade ou outra fonte de renda?

A Public Library of Science (.org) propôs um boicote a quem não diponibilizasse eletronicamente seus conteúdos seis meses após a sua publicação. Porém as empresas de divulgação têm medo de que, com isso, percam seu "patrimônio".
Sugestão de leitura: Considerações sobre a proposta da Public Library of Science, por Inre Simon.
Sugestão de leitura: trabalhos de Peter Lyman.

 

Conclusões

A produção e disseminação da literatura acadêmica tem algumas características que a tornam muito específica. Uma delas é que este é um problema pequeno em relação à população em geral, porém é muito grande se formos ver a quantidade de dinheiro que é investido nela (aproximadamente 2% do PIB são destinados à pesquisa científica). Os custos dessas atividades oneram a sociedade em geral, sendo uma boa parte através dos governos.
A comunidade diretamente envolvida com pesquisas científicas é muito pequena, em relacão à população total, e muito especializada, sendo também altamente dependente do acesso à literatura acadêmica já existente. Todo o investimento não-monetário às pesquisas é feito por essa comunidade.

Há nessa comunidade o conceito de "gift culture", onde os autores e editores não cobram monetariamente pelo acesso a seus artigos e informações, sendo que eles são trocados gratuitamente, cobrando-se apenas a referenciação de onde aquelas informações foram retiradas.Este é um mercado distorcido, se comparado com o mercado tradicional (de livre comércio): a produção é alta, e o consumo é relativamente pequeno.

As pesquisas acadêmicas são financiadas por um sofisticado sistema de subsídios, fornecidos principalmente pelo governo e algumas entidades de fomento à pesquisa. Como exemplo, podemos citar a USP, que recebe do governo estadual cerca de 5% do ICMS arrecadado, e parte desse dinheiro é repassado às bibliotecas, que por sua vez oferecem seu conteúdo de graça para quem estiver interessado. (mais? veja artigo do Lyman)

A literatura acadêmica tem seu ciclo da informação (período de "latência", entre a divulgação de um texto, e seu uso efetivo por parte da comunidade acadêmica) cada vez mais rápido, passando de décadas (~1970) para poucos anos, atualmente. Com este ciclo tão rápido, nossas bibliotecas vêm ficando defasadas, sendo este um dos motivos que nos leva à buscar informações na Web.

Os métodos de divulgação acadêmica vêm mudando, sendo que podemos mencionar 3 períodos distintos em relação a este aspecto:
antes de 1950, onde predominam as sociedades científicas (atraves de seus congressos e publicações especializadas) como meio de divulgação;
1950 a 2000, quando surgem as grandes empresas particulares de publicação de divulgação acadêmica (com fins lucrativos);
após 2000, que podemos chamar de "era pós-internet", onde a publicação e disseminação eletrônica predominam: a web virou um grande repositório, com a participação dos autores individuais, e a ajuda de várias ferramentas de busca. As grandes editoras de revistas científicas também tem sua presença na web.

 

Refêrencias:

Palestra dada por Martin Groetschel no Instituto de Matemática e Estatística em 1999: "The Future of Scholarly Publication and Communication"

ResearchIndex - Ferramenta de busca especializada em publicações acadêmicas na web.