Os sistemas complexos adaptativos têm sido alvo de estudo dos mais variados ramos da pesquisa científica, desafiando paradigmas e metodologias tradicionais. Os sistemas complexos adaptativos apresentam uma forma totalmente nova e diferente de encarar o mundo. Sua abrangência é tão grande que engloba setores que vão da meteorologia até a cosmologia e a cosmogonia, da economia à sociologia, do estudo do ritmo cardíaco ao equilíbrio dos ecossistemas. Seu estudo iniciou-se a pouco mais de duas décadas e acabou gerando um novo ramo da física, denominado Caos. O assunto está sendo estudado por grande parte dos físicos, apesar de ter sido iniciado por um meteorologista chamado Edward Lorenz; mas é tão complexo que necessita da cooperação de matemáticos, psicólogos, químicos, sociólogos, economistas, historiadores, meteorologistas, biólogos e ecólogos.
Devido ao seu conteúdo incrível, fantástico e controvertido, muitos podem imaginar que estamos tratando de ficção científica, nada mais falso. A quantidade de obras publicadas sobre o assunto é bem variada e extensa; trata-se de obras de excelente qualidade, cujos autores vêm ganhando grande reputação e reconhecimento na comunidade acadêmica. Abaixo, indicamos algumas obras que apresentam, de forma clara e simples, esses novos conceitos para um leigo no assunto:
Uma boa referência de pesquisa é o Santa Fe Institute (http://www.santafe.edu) - veja área "research". Outros pontos de referência encontram-se no Program for the Study of Complex Systems da Universidade de Michigan (http://pscs.physics.lsa.umich.edu//pscs.htm); no New England Complex Systems Institute (http://necsi.org); e no Instituto MITACS, The Mathematics of Information Technology and Complex Systems (Canada) (http://www.mitacs.math.ca/).
O tema dos sistemas complexos adaptativos é extraordinariamente complexo, como seu próprio nome já diz. Não é nossa intenção aprofundarmo-nos nesse assunto, pois suas ramificações são inúmeras e variadíssimas; mas introduzir o conceito desses sistemas, já que não temos, ainda, um texto curto, de umas 30 páginas, para servir de ponto de partida. Esta é uma tentativa de fazê-lo.
A palavra caos sempre teve, na mente das pessoas, uma conotação negativa; sempre esteve associada a destruição e desordem. O caos era visto como a contraposição de ordem e de criação (emergência). Essa visão dicotômica de caos vs. Emergência é uma herança da cultura ocidental greco-romana-judaico-cristã que coloca tudo em termos antagônicos: bem vs. mal, frio vs. calor, criação vs. destruição.
Essa visão não é compartilhada por muitas culturas orientais. Na escrita chinesa, o caractere mnemônico que representa a palavra crise é uma combinação dos caracteres de perigo e oportunidade. Nessa cultura, uma crise é um período de grande perigo, desordem e caos; mas contém dentro de si o embrião, uma oportunidade de criar uma nova realidade, de fazer tudo de uma forma nova; já que a crise destrói a antiga ordem, abrindo espaço para que uma nova ordem surja. Esse conceito da emergência de uma nova realidade, que surge após uma crise, será um dos pontos fundamentais que devemos ter em mente ao longo do texto.
Características comuns
Exemplos de Sistemas Complexos Adaptativos
É interessante notar que a matéria que constitui o Universo é composto de umas poucas partículas fundamentais: seis tipos de quarks e alguns léptons (elétron, fóton e neutrino, por exemplo). Entretanto, eles interagem entre si, formando toda a variedade de átomos, moléculas e substâncias do Universo. A quantidade de subpartículas é esmagadora, estimada em mais de 10 elevado a 100 subpartículas. Todas essas partículas têm um comportamento imprevisível, como ficou evidenciado pela mecânica quântica. O princípio da incerteza de Heisenberg explica porque não é possível obter, simultaneamente, a direção e velocidade de uma partícula, tornando impossível prever onde ela estará em um momento futuro.
Essa imprevisibilidade das partículas é refletida no mundo macroscópico, o que torna impossíveis coisas como a previsão exata do tempo, em New York, dentro de duas semanas, independentemente da precisão dos aparelhos de medição e do número de aparelhos de medição.
A complexidade do Universo é tal que não conseguimos analisar o mecanismo que cria os braços espirais da Via Láctea. Conhecemos a lei da Gravitação Universal que é responsável pela formação de qualquer agrupamento de estrelas, mas em cada braço espiral da galáxia, existem dezenas de milhões estrelas exercendo influência gravitacional umas sobre as outras, o que torna a complexidade computacional de simular um braço espiral igual ao da galáxia simplesmente impossível.
Todas as subpartículas formam estruturas como as estrelas, essas se juntam em estruturas galácticas, que se juntam em aglomerados, que se juntam em super- aglomerados. Recentes descobertas indicam que os superaglomerados formam um estrutura semelhante a bolhas de sabão grudadas umas às outras.
No Universo não há coordenação central (sem entrar na discussão da existência de
Deus). A Terra é apenas um componente do Universo e se por qualquer motivo a Terra
deixar de existir o Universo continuará em sua expansão autônoma, ou seja, o sistema
sobrevive às ações locais.
Leia o primeiro capítulo da obra de Ray Kurzweil, The Age of Spiritual Machines,
disponível no site do The New York Times
(
http://www.nytimes.com/books/first/k/kurzweil-machines.html).
Além do cataclisma que extinguiu os dinossauros, outras 25 extinções em massa foram
catalogadas pelos paleontólogos; algumas chegaram a exterminar 98% das formas de vida do
planeta. A cada extinção em massa, a vida ressurgiu em todo o seu esplendor de diversidade.
A vida teve uma extinção em massa causada pela contaminação dos oceanos com oxigênio
produzido por alguns organismos que faziam fotossíntese, mas ela adaptou-se para utilizar o
oxigênio a seu favor no processo da respiração. Esse oxigênio criou a camada de ozônio e
permitiu que a vida saísse dos oceanos, protegida dos destrutivos raios ultravioleta. Eis aqui
um sistema que se adapta às mudanças de ambiente e que adapta o próprio ambiente para
sua sobrevivência. As moléculas DNA tem o papel importante de armazenar de forma digital
a informação necessária a preservação da vida.
O exemplo das
formigas nos mostra uma comunidade avançada, com longo tempo de existência e uma
surpreendente adaptação à vida na Terra, de forma que, mesmo que desejássemos, sua
extinção não seria possível. Essa resistência foi desenvolvida através das eras para escapar
aos predadores e a estratégia é simples: reprodução explosiva e formação de sociedades
complexas.
Todas as tentativas de controlar a economia, em todos os seus níveis e aspectos, resultaram em fracasso depois de algum tempo; a União Soviética e o bloco socialista do século XX são o exemplo mais notável.
Quando as economias possuem um número de componentes muito grande, elas se
tornam muito resistentes, a falência de uma empresa não compromete toda a economia.
Quando a empresa de aviação civil Pan Am faliu, o sistema econômico não entrou em
colapso. As crises econômicas podem afetar um grande número de empresas e instituições
financeiras, mas a economia, em geral, não pára de funcionar, o dinheiro continua circulando,
mesmo que em um ritmo menor; como uma pessoa doente que sofre um resfriado ou uma
gripe, o sistema econômico não morre.
A resistência do cérebro a danos locais é
fantástica. Durante os primeiros dois anos de vida de uma criança, quase 1/3 de seus
neurônios morre na tentativa de criar uma rede organizada que preserve informação e
processe essa informação. Crianças, de até 10 anos de idade, possuem uma capacidade de
adaptação extraordinária. Se retirarmos um dos hemisférios cerebrais dessas crianças, o
hemisfério restante assumirá todas as funções exercidas pelo hemisfério retirado, sem prejuízo
para a inteligência da criança quando adulta. Não há uma área do cérebro que coordene
todas as outras áreas. Se retirarmos uma área qualquer do cérebro, as outras áreas
continuam a funcionar e assumem as tarefas da área retirada.
Outros exemplos ?
Os exemplos acima citados são todos bem conhecidos e há bastante material disponível que os analise como SCAs. Porém os seguintes exemplos carecem de maiores estudos para que assim sejam considerados.
Sugestão
Nos exemplos apontados, e em outros que Você aponte, procure identificar as características básicas de SCAs, identifique também o papel e a importância dos termos do dicionário de SCAs (ver adiante) no funcionamento em diferentes fases ou etapas do exemplo considerado.
A Internet é uma rede mundial tecnologicamente sofisticada, sensível (que reage às ações de seus componentes) e que funciona. Não há uma pessoa ou órgão que controle a Internet de forma centralizada. Nós sequer sabemos o caminho que uma mensagem pode percorrer até chegar ao seu destinatário. Posso saber que inicialmente passará pelo roteador da USP e de lá para o roteador da FAPESP mas e depois ? O aspecto adaptativo é muito visível na Internet: se um dado nó da rede simplesmente for desligado as mensagens ainda assim serão entregues corretamente, graças aos algoritmos de roteamento e redundâncias na arquitetura da Rede. Especulamos assim que a Internet sobrevive apesar de ações locais e porque não há coordenação central. Aliás estas características faziam parte das motivações básicas que levaram à idealização do conceito de computação de pacotes. Leia mais sobre isto em Informação: Computação e Comunicação (seção 4.2 A ARPANET).
A seguir tentaremos resumir o cenário descrito no livro citado de Stacey, obtido como parte da modelagem de organizações sociais humanas como SCAs. As principais características do regime de transição de fase são:
Nestas organizações convivem dois sistemas: o sistema formal (superficial, regulamentado, dominante durante períodos estáveis) e o sistema informal (subterrâneo, não regulamentado, recessivo durante períodos estáveis). O sistema informal é principalmente recessivo durante o regime estável, mas na transição de fase passa a ter um carácter menos recessivo e mais atuante a fim de modificar o sistema formal, substituindo-o por outro e dessas mudanças emerge uma nova realidade estável.
Exemplo:
- Estabilidade
- Homem aprende a falar
- Adaptação seguida de estabilidade
- Homem aprende a escrever
- Adaptação seguida de estabilidade
- Surgimento da imprensa
- Adaptação seguida de estabilidade
- Revolução Digital (?)
A ciência da complexidade explora a natureza das redes determinísticas e adaptativas. Estas últimas - sistemas complexos adaptativos - são redes com grande número de agentes que interagem de acordo com esquemas que contém ambas as partes dominante e recessiva. A principal descoberta que cientistas da complexidade fizeram sobre sistemas complexos adaptativos é que eles são criativos somente quando operam no que poderia ser chamado de espaço para novidades. Esta é uma transição de fase à beira do caos, isto é, no limiar da desintegração do sistema. É um estado paradoxal pois é estável e instável ao mesmo tempo, orientado pela contraditória dinâmica da competição e cooperação, da amplificação e restrição, da exposição a tensão criativa e proteção dela. Tais sistemas evoluem dialeticamente com resultados radicalmente imprevisíveis. O processo co-evolutivo é de destruição criativa auto-organizada e reconstrução em que um esquema recessivo depõe um dominante para produzir resultados emergentes. Estes são sistemas que aprendem de maneiras complexas e são naturalmente ubíquos. |
Organizações são sistemas adaptativos complexos e também são criativos e inovadores quando ocupam um espaço para novidade à beira do caos ou desintegração. Este é um estado em que as pessoas atuam num sistema à sombra da organização com conceitos e ações que acabam por descartar seu legítimo sistema a fim de mudá-lo. Organizações transformam-se através da tensão entre o sistema legítimo e sua sombra; esta é a essência do aprendizado organizacional ou gerenciamento extraordinário. Tal aprendizado em tempo real, ou auto-reflexo, é um processo auto-organizado que produz resultados emergentes radicalmente imprevisíveis. Ele opera sob tensão com o processo intencional do sistema legítimo - gerenciamento ordinário. |
Os termos a seguir descrevem características importantes dos SCAs. Muitos deles descrevem conceitos conflitantes e complementares. Ao estudar um SCA particular, deve-se procurar a identificar como cada um destes termos se aplica ao sistema em questão. Ademais, deve-se procurar os relacionamentos destes termos, uns com os outros e as suas interdependências.
Para a próxima semana: encontrar na Internet material que sirva como uma introdução ao tema Caos e Emergência, uma introdução exaustiva informativa, tanto quanto possível no espírito destas aulas, de 20 a 30 páginas.
Estas notas foram preparadas por Edward Iamamoto e Roger Gailland. Edward Iamamoto contribuiu com observações substanciais, já incorporadas nas notas.
MAC 333 A Revolução Digital e a Sociedade do Conhecimento
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