MAC 333 A Revolução Digital e a Sociedade do Conhecimento

Tema 3 - Caos e Emergência (versão 0.6 de 08abr99)

(versão 0.2 de 19mar99)


Introdução

Este tema trata de apresentar o conceito de Sistemas Complexos Adaptativos, assim como suas características principais. Sempre que possível, introduziremos os sistemas complexos adaptativos de forma a fazer associações e referências à Revolução Digital; convencendo-nos de que os processos que envolvem a revolução digital são característicos de um sistema complexo adaptativo. Dessa forma, entendendo os sistemas complexos adaptativos, poderemos entender melhor a revolução digital.

Os sistemas complexos adaptativos têm sido alvo de estudo dos mais variados ramos da pesquisa científica, desafiando paradigmas e metodologias tradicionais. Os sistemas complexos adaptativos apresentam uma forma totalmente nova e diferente de encarar o mundo. Sua abrangência é tão grande que engloba setores que vão da meteorologia até a cosmologia e a cosmogonia, da economia à sociologia, do estudo do ritmo cardíaco ao equilíbrio dos ecossistemas. Seu estudo iniciou-se a pouco mais de duas décadas e acabou gerando um novo ramo da física, denominado Caos. O assunto está sendo estudado por grande parte dos físicos, apesar de ter sido iniciado por um meteorologista chamado Edward Lorenz; mas é tão complexo que necessita da cooperação de matemáticos, psicólogos, químicos, sociólogos, economistas, historiadores, meteorologistas, biólogos e ecólogos.

Devido ao seu conteúdo incrível, fantástico e controvertido, muitos podem imaginar que estamos tratando de ficção científica, nada mais falso. A quantidade de obras publicadas sobre o assunto é bem variada e extensa; trata-se de obras de excelente qualidade, cujos autores vêm ganhando grande reputação e reconhecimento na comunidade acadêmica. Abaixo, indicamos algumas obras que apresentam, de forma clara e simples, esses novos conceitos para um leigo no assunto:

Uma boa referência de pesquisa é o Santa Fe Institute (http://www.santafe.edu) - veja área "research". Outros pontos de referência encontram-se no Program for the Study of Complex Systems da Universidade de Michigan (http://pscs.physics.lsa.umich.edu//pscs.htm); no New England Complex Systems Institute (http://necsi.org); e no Instituto MITACS, The Mathematics of Information Technology and Complex Systems (Canada) (http://www.mitacs.math.ca/).

O tema dos sistemas complexos adaptativos é extraordinariamente complexo, como seu próprio nome já diz. Não é nossa intenção aprofundarmo-nos nesse assunto, pois suas ramificações são inúmeras e variadíssimas; mas introduzir o conceito desses sistemas, já que não temos, ainda, um texto curto, de umas 30 páginas, para servir de ponto de partida. Esta é uma tentativa de fazê-lo.

De "Caos vs. Emergência" para "Caos + Emergência"

A palavra caos sempre teve, na mente das pessoas, uma conotação negativa; sempre esteve associada a destruição e desordem. O caos era visto como a contraposição de ordem e de criação (emergência). Essa visão dicotômica de caos vs. Emergência é uma herança da cultura ocidental greco-romana-judaico-cristã que coloca tudo em termos antagônicos: bem vs. mal, frio vs. calor, criação vs. destruição.

Essa visão não é compartilhada por muitas culturas orientais. Na escrita chinesa, o caractere mnemônico que representa a palavra crise é uma combinação dos caracteres de perigo e oportunidade. Nessa cultura, uma crise é um período de grande perigo, desordem e caos; mas contém dentro de si o embrião, uma oportunidade de criar uma nova realidade, de fazer tudo de uma forma nova; já que a crise destrói a antiga ordem, abrindo espaço para que uma nova ordem surja. Esse conceito da emergência de uma nova realidade, que surge após uma crise, será um dos pontos fundamentais que devemos ter em mente ao longo do texto.

Sistemas Complexos Adaptativos

São sistemas / fenômenos distintos mas com várias características em comum. São complexos pois estão muito além da capacidade descritiva da nossa ciência e são adaptativos pois são capazes de se adaptar a novas condições que lhe são impostas pelo seu ambiente.

Características comuns

Exemplos de Sistemas Complexos Adaptativos

Outros exemplos ?

Os exemplos acima citados são todos bem conhecidos e há bastante material disponível que os analise como SCAs. Porém os seguintes exemplos carecem de maiores estudos para que assim sejam considerados.

Sugestão

Nos exemplos apontados, e em outros que Você aponte, procure identificar as características básicas de SCAs, identifique também o papel e a importância dos termos do dicionário de SCAs (ver adiante) no funcionamento em diferentes fases ou etapas do exemplo considerado.

A Internet como um SCA

A Internet é uma rede mundial tecnologicamente sofisticada, sensível (que reage às ações de seus componentes) e que funciona. Não há uma pessoa ou órgão que controle a Internet de forma centralizada. Nós sequer sabemos o caminho que uma mensagem pode percorrer até chegar ao seu destinatário. Posso saber que inicialmente passará pelo roteador da USP e de lá para o roteador da FAPESP mas e depois ? O aspecto adaptativo é muito visível na Internet: se um dado nó da rede simplesmente for desligado as mensagens ainda assim serão entregues corretamente, graças aos algoritmos de roteamento e redundâncias na arquitetura da Rede. Especulamos assim que a Internet sobrevive apesar de ações locais e porque não há coordenação central. Aliás estas características faziam parte das motivações básicas que levaram à idealização do conceito de computação de pacotes. Leia mais sobre isto em Informação: Computação e Comunicação (seção 4.2 A ARPANET).

Transição de Fase

É o estado intermediário entre dois períodos estáveis, priódicos, quiescentes, rotineiros (regime estável). A Transição de Fase é um estado de ebulição, caótico, do qual emerge uma nova realidade.

A seguir tentaremos resumir o cenário descrito no livro citado de Stacey, obtido como parte da modelagem de organizações sociais humanas como SCAs. As principais características do regime de transição de fase são:

Nestas organizações convivem dois sistemas: o sistema formal (superficial, regulamentado, dominante durante períodos estáveis) e o sistema informal (subterrâneo, não regulamentado, recessivo durante períodos estáveis). O sistema informal é principalmente recessivo durante o regime estável, mas na transição de fase passa a ter um carácter menos recessivo e mais atuante a fim de modificar o sistema formal, substituindo-o por outro e dessas mudanças emerge uma nova realidade estável.

Exemplo:
- Estabilidade
- Homem aprende a falar
- Adaptação seguida de estabilidade
- Homem aprende a escrever
- Adaptação seguida de estabilidade
- Surgimento da imprensa
- Adaptação seguida de estabilidade
- Revolução Digital (?)

Leitura

A seguir estão dois trechos da obra de R. D. Stacey, Complexity and Creativity in Organizations, publicado em 1996. Eles são parte do esquema da página 116 sob o título "Criatividade Organizacional Flui da Tensão Entre o Sistema Legítimo e o Sistema das Sombras". O primeiro também aparece na página 115, sob o título "Criatividade à Beira da Desintegração".

A ciência da complexidade explora a natureza das redes determinísticas e adaptativas. Estas últimas - sistemas complexos adaptativos - são redes com grande número de agentes que interagem de acordo com esquemas que contém ambas as partes dominante e recessiva. A principal descoberta que cientistas da complexidade fizeram sobre sistemas complexos adaptativos é que eles são criativos somente quando operam no que poderia ser chamado de espaço para novidades. Esta é uma transição de fase à beira do caos, isto é, no limiar da desintegração do sistema. É um estado paradoxal pois é estável e instável ao mesmo tempo, orientado pela contraditória dinâmica da competição e cooperação, da amplificação e restrição, da exposição a tensão criativa e proteção dela. Tais sistemas evoluem dialeticamente com resultados radicalmente imprevisíveis. O processo co-evolutivo é de destruição criativa auto-organizada e reconstrução em que um esquema recessivo depõe um dominante para produzir resultados emergentes. Estes são sistemas que aprendem de maneiras complexas e são naturalmente ubíquos.

Organizações são sistemas adaptativos complexos e também são criativos e inovadores quando ocupam um espaço para novidade à beira do caos ou desintegração. Este é um estado em que as pessoas atuam num sistema à sombra da organização com conceitos e ações que acabam por descartar seu legítimo sistema a fim de mudá-lo. Organizações transformam-se através da tensão entre o sistema legítimo e sua sombra; esta é a essência do aprendizado organizacional ou gerenciamento extraordinário. Tal aprendizado em tempo real, ou auto-reflexo, é um processo auto-organizado que produz resultados emergentes radicalmente imprevisíveis. Ele opera sob tensão com o processo intencional do sistema legítimo - gerenciamento ordinário.

Dicionário básico de SCAs

Os termos a seguir descrevem características importantes dos SCAs. Muitos deles descrevem conceitos conflitantes e complementares. Ao estudar um SCA particular, deve-se procurar a identificar como cada um destes termos se aplica ao sistema em questão. Ademais, deve-se procurar os relacionamentos destes termos, uns com os outros e as suas interdependências.


Para a próxima semana: encontrar na Internet material que sirva como uma introdução ao tema Caos e Emergência, uma introdução exaustiva informativa, tanto quanto possível no espírito destas aulas, de 20 a 30 páginas.


Estas notas foram preparadas por Edward Iamamoto e Roger Gailland. Edward Iamamoto contribuiu com observações substanciais, já incorporadas nas notas.


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e-mail: Imre Simon <is@ime.usp.br>
Last modified: Thu Apr 8 17:51:10 EST 1999