[Prévia cron] [Próxima Cron] [Prévia por assunto] [Próxima por assunto]
[Índice cronológico] [Índice de assunto] [Índice de autor]

textos ligados ao projeto no IEA



Caros colegas,

Tomo a liberdade de enviar dois textos e um link de vídeo (entrevistas,
resenha) recentes que refletem claramente as leituras feitas no âmbito das
atividades do IEA. São intervenções públicas tentando colocar em linguagem
acessível ao grande público algumas das questões que estamos discutindo às
segundas-feiras. No caso da resenha do livro de Gilberto Dupas, a
periodização histórica é diretamente inspirada nas visões de Boltanski e
Clark.

Na próxima segunda-feira avançaremos na leitura de Clark, fazendo os
paralelos com a visão de Boltanski em busca de uma síntese. Nesse momento,
estamos já abertamente discutindo as dimensões políticas, éticas,
institucionais e ideológicas da sociedade da informação ou, como prefere
Boltanski, "cidade por projetos".

Ao chegarmos a esse ponto central da elaboração sócio-filosófica
contemporânea sobre o espaço-tempo das redes, vamos prosseguir em duas
direções simultâneas. No sentido conceitual, vamos nos deter específicamente
nas categorias de espaço e tempo que aparecem nos textos de Boltanski, Clark
e outros, sobretudo no âmbito da literatura de administração de empresas
vinculada à disciplina da gestão do conhecimento. E procuraremos depois
investigar alguns paralelos no mundo da educação, antes de concluirmos com
uma síntese da questão do espaço-tempo em suas dimensões ontológicas e
pragmáticas.

No sentido prático, darei início ao portal da rede de conhecimento, portal
cujo nome ainda não está decidido (eu me inclino por knoware mesmo, outros
discordam, sugestões são bemvindas). O portal incluirá uma sala de discussão
virtual, desenhada pelo professor Eduardo Morgado, da Unesp, assim como
veiculações em banda larga (videostreaming), wap e distribuição em parceria
com vários sites ligados a economia, gestão do conhecimento, centros de
pesquisa no exterior (no Japão, nos EUA, na UE, em Cingapura, etc.),
empresas e instituições de ensino públicas e privadas, inclusive de ensino
médio.

O ponto de encontro está sendo desenhado e será uma adaptação do website
Brazil Investment Link, projeto anterior que eu coordenei no âmbito de uma
parceria entre a Câmara Americana de Comércio de São Paulo e o Núcleo de
Pesquisa em Relações Internacionais da USP. O site pode ser visitado em
http://bil.amcham.coml.br

No site há uma apresentação Powerpoint que resume algumas das idéias
subhacentes ao desenho do portal. Em termos políticos, a construção do
portal é um exercício de cidadania virtual, ao mesmo tempo em que serve de
laboratório vivencial para um conhecimento etnográfico do ambiente virtual
no Brasil. Isso permitirá um testemunho histórico sobre o surgimento do
mercado virtual no país.

A gestão do portal será feita por meio de uma Organização Social de
Interesse Público (OSIP), de acordo com legislação federal voltada para o
chamado terceiro setor. Teremos um Conselho Diretor e um Conselho
Científico, ambos ainda em fase de formação, com membros da USP e de outras
áreas da vida social brasileira. É portanto uma experiência de natureza
institucional com respeito ao próprio desenho da universidade pública - e a
expectativa é que a sua realização abra também uma frente de debates
concretos sobre alternativas existencias para o ensino público e gratuito no
país.


saudações
Gilson Schwartz
Professor Visitante
Grupo Informação e Comunicação
Instituto de Estudos Avançados
USP

===============================================================

Rede de informações é o futuro do trabalho
THAIS ABRAHÃO
DA REPORTAGEM LOCAL
Caderno Empregos, 24/9/00

Para encontrar o tão sonhado emprego que se encaixa na sua qualificação,
pode não ser mais suficiente vasculhar os classificados. Se o profissional
acompanhar os movimentos do mercado e diversificar sua formação, ele próprio
criará as oportunidades.
As dicas são do economista e professor visitante do Instituto de Estudos
Avançados da USP (Universidade de São Paulo), Gilson Schwartz, que está
lançando o livro "As Profissões do Futuro" (Publifolha, R$ 9,90).
A reportagem entrevistou o escritor, que também é editorialista da Folha,
sobre as carreiras e profissões de futuro e como se preparar para ser
imprescindível num mercado de trabalho cada vez mais dinâmico e exigente.


Folha - Como valorizar o diploma, se ele não garante mais emprego?
Gilson Schwartz - Buscando novas formas de aprendizado, não somente as que
oferecem algum tipo de certificação. Hoje, ganha força a idéia das redes de
conhecimento, em que há intercâmbio de informações e experiências entre
profissionais de diversas áreas.


Folha - Quando se fala em profissão, quanto tempo dura o futuro?
Schwartz - O futuro é cada vez mais incerto, pois a sua atividade pode
deixar de existir a qualquer momento. Hoje, as competências garantem a
empregabilidade.


Folha - Quais os setores em ascensão e em decadência no que se refere a
campo de trabalho no Brasil?
Schwartz - Tecnologia da informação e comunicação concentram a maior demanda
por profissionais qualificados. Em qualquer setor, o que é repetitivo,
rotineiro e substituível por máquinas ou softwares, está ameaçado.


Folha - Mais vale a experiência e a prática do que um curso de MBA (Master
in Business Administration) no currículo?
Schwartz - Depende do MBA e da experiência. A vivência em projetos de
qualidade tem peso maior do que a maioria dos cursos de MBA oferecidos por
aí.


Folha - A personalidade determina o sucesso do profissional?
Schwartz - O sucesso depende do entusiasmo de cada um com a sua atividade.
Portanto, estar atento aos próprios sentimentos é crucial. Mas isso não
significa que há uma receita ou um modelo de personalidade fadado ao
sucesso. Quanto a isso, todo o cuidado é pouco: é um campo propício à mais
variada charlatanice.


Folha - Que perfil tem emprego garantido no futuro, o generalista ou o
especialista?
Schwartz - A chave do emprego está na mobilidade espacial, temporal e entre
níveis de generalidade. Na prática, o dilema é inconsistente. Todos precisam
estar aptos a transitar entre os dois perfis. Escolher um deles é perigoso,
num mundo organizado em redes de conhecimento.


Folha - Se o currículo ainda diz muito sobre um candidato, como há
profissionais primorosos no papel e medíocres na prática?
Schwartz - Mais cedo ou mais tarde, quem é medíocre é demitido. Ninguém
engana muita gente por muito tempo, embora essa regra tenha numerosas
exceções no mercado de trabalho.

=================================================================

Em discussão, a legitimidade das novas tecnologias

"Ética e Poder na Sociedade da Informação". | De Gilberto Dupas. Editora da
Unesp, 152 págs., R$ 14.

Valor, 26/9/00


Não se investe em cientistas, técnicos e equipamentos para saber a verdade,
mas para aumentar o poder. Mas a expansão da ciência não ocorre de modo
linear ou previsível. O próprio sentido do saber depende das circunstâncias
e das formas de poder vigentes na sociedade.

Se não perceberem essas dimensões políticas, logísticas e estratégicas do
desenvolvimento científico e tecnológico, empresas, profissionais e governos
correm o risco de perder o bonde da inserção na sociedade da informação.

Esse é um dos recados de Gilberto Dupas em "Ética e Poder na Sociedade da
Informação". Coordenador da Área de Assuntos Internacionais e membro do
Conselho Deliberativo do Instituto de Estudos Avançados da USP, membro do
Conselho do Cebrap e professor junto ao European Institute of Business
Administration (Insead, França) e à Kellogg Graduate School of Management
(nos EUA), Dupas se alinha desse modo ao que há de mais polêmico e
fronteiriço no debate contemporâneo sobre mudança social e organização
econômica.

Esse debate encontra-se num estágio que se poderia designar como
"pós-pós-moderno". O estágio moderno representou a emergência, na Europa, de
Estados Nacionais em paralelo ao crescimento da confiança na razão.

A aventura moderna de autoconfiança da razão foi inaugurada claramente por
Descartes e teve seus extremos na transformação do positivismo em religião.

Com Kant, a produtividade autocrítica do entendimento produziria um
esclarecimento compatível com a Paz Perpétua.

Em Hegel, chegou-se à confiança na identidade entre o racional e o real.
Para Marx, a fé nas virtudes emancipatórias da razão foi associada ao
controle da história pelos trabalhadores, entendidos como sujeitos da
criação de valor negados pelo capital.

No extremo oposto, a acumulação de capital e a expansão dos mercados foi
vista pelos liberais como a garantia "trans-histórica" de uma emancipação
também racional, com a transformação da economia política em economia pura
("economics").

Já no final do século XIX e no início do século XX, no entanto, começaram a
brotar as críticas ao projeto modernizador do capital e às virtudes
emancipatórias da razão. Nietzsche, Kieerkegard e Freud, mas também
Schumpeter, Keynes e Adorno, foram reunindo elementos de acusação. As
guerras mundiais fizeram cair a ficha: era perigoso acreditar demais nas
virtudes do controle científico da natureza e no potencial de emancipação
das novas tecnologias.

Essa geração crítica que desponta na primeira metade do século XX em alguns
casos significou uma recaída no romantismo e no irracionalismo, em outros se
prestou à formulação de intensas críticas sociais e estético-filosóficas à
civilização promovida pelos capitalistas.

Pode-se dizer que dessa reação crítica brotaram dois movimentos
relativamente simultâneos, já no pós-guerra. De um lado, a partir do
existencialismo na França, por exemplo, instaurou-se uma construção
institucional voltada à moderação dos apetites do capital e funcionando como
"social safety net": o Estado do Bem Estar Social (precedido, nos EUA, pelo
New Deal). De outro, a crítica e a denúncia continuaram prosperando, com o
fortalecimento dos sindicatos, pressões pela distribuição de renda e, já nos
anos 60, uma notável revolta contra o "establishment" que sustentava o pacto
dominante.

Do capitalismo dos capitães de indústria do século XIX ao novo capitalismo
cujos traços mais característicos eram a produção em massa, o taylorismo e a
negociação coletiva (envolvendo Estado, empresas e sindicatos) houve
portanto uma importante mudança. E a crítica acompanhou a transformação.

A crítica ao segundo capitalismo, onde se destacavam os quadros
profissionais, as técnicas de administração e controle, a política
macroeconômica, era uma crítica diferente da que havia sido formulada no
século XIX, cujo limite foi o marxismo ocidental.

Essa segunda crítica, do pós- guerra (mas recuperando traços de Hegel,
Nietzsche, Heidegger), caracterizou o pós-modernismo. Contra os ideais de
emancipação da modernização capitalista, mas também vacinada contra o
socialismo realmente existente, os críticos pós-modernos recusaram-se a
confiar tanto na razão e denunciaram, como já havia feito Schumpeter, os
riscos trazidos pela burocratização e pelo excesso de controle para o
dinamismo dos processos de inovação tecnológica.

Com a crise do dólar no fim dos anos 60, a desregulamentação financeira
decorrente e o início de uma nova fase de importantes inovações
tecnológicas, centradas na informática e nos meios de comunicação, teve
início uma longa fase (já dura 30 anos) de desmonte do Estado do Bem Estar
Social e de internacionalização crescente das grandes empresas, que passaram
por ondas sucessivas de reengenharia.

Em contraponto ao capitalismo do empreendedor (o burguês gordo, fumando
charuto) e ao capitalismo das tecnoburocracias (com separação e muitas vezes
conflito entre proprietários e administradores), foi emergindo uma nova
configuração, caracterizada pela formação de redes e intensiva em
tecnologias de informação e comunicação.

Mas também ainda mais concentradora de renda e conhecimento, com processos
de concentração e centralização de capitais em dimensões inéditas,
arrastando como sombra um processo de exclusão social e desigualdade
internacional.

Dupas se situa nos debates que fazem a crítica dessa terceira onda, críticas
que já estão além do pós-moderno (daí a idéia de que se trata de um
pós-pós-modernismo). Em parte recuperando questões colocadas pelo
pós-modernismo, mas também em parte retomando algumas pretensões do
modernismo, em especial alguns dos alertas lançados por Kant, Nietzsche e
Heidegger.

A técnica (e também o capital) destruiu a metafísica ocidental. Mas Dupas
sugere que "para formular uma nova ética é preciso voltar aos primeiros
princípios, nenhuma ética é possível sem eles, sem hipóteses governando o
campo da reflexão".

Do racionalismo, Dupas acompanha autores que, como Habermas, preservam a
confiança nas capacidades coletivas de esclarecimento e de assunção de
responsabilidades do ser social. Das grandes narrativas hoje desacreditadas,
fica a idéia de que "o sujeito renasce a todo tempo", ou seja, os indivíduos
são capazes de refletir sobre as consequências dos próprios atos e sobre os
pressupostos de suas decisões, de tal sorte a ter clara a idéia de "uma
humanidade frágil e perecível, perpetuamente ameaçada pelos poderes do
 homem".

Para Dupas, essa responsabilidade contemporânea se esvazia de toda idéia de
finalidade racional e corresponde a "uma idade do pós-dever, à sociedade
pós- moralista, ao minimalismo ético", a um esforço de conciliação entre
valores e interesses.

É portanto perigoso confiar demais na razão e na tecnologia. Há escolhas
políticas, culturais e extra-econômicas que precisam ser explicitadas,
negociadas, não para que a história chegue a algum "final" (feliz ou não)
mas simplesmente para que se preserve a possibilidade de os seres humanos
fazerem história.

A responsabilidade histórica e mesmo o sentimento da história são
frontalmente bombardeados pela sociedade da informação, sintonizada com a
temporalidade em ritmo de videoclipe, com as tomadas de decisão em tempo
real, como se houvesse apenas presente, o passado fosse uma ilusão e o
futuro, pura ideologia.

Para quem pretende entender e ir além desses tempos, no entanto, é que se
presta a leitura desse alerta lançado pelo economista Gilberto Dupas.

Crítico da cultura pós-moderna e ao mesmo tempo herdeiro de suas
contradições, o cidadão da sociedade da informação precisa refletir mais
sobre as condições de construção de um mundo melhor, "utilizando-se dos
avanços da ciência em benefício da maioria dos cidadãos".


Gilson Schwartz é professor visitante do Instituto de Estudos Avançados da
Universidade de São Paulo, autor de "As Profissões do Futuro" (Publifolha,
2000) e colaborador do jornal "Folha de S.Paulo"

==============================================================

Cf. ainda a entrevista em vídeo no UOL News, em
http://www.uol.com.br/uolnews/carreira/ult267u20.shl