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Aumento da produção científica nacional



Zebras e cavalos
O que explica o aumento súbito da produção de ciência no país?

Marcelo Leite

     Atul Gawande, médico e ensaísta americano que brilha nas páginas da 
revista "The New Yorker", conta em seu livro "Complicações" -já elogiadoaqui-
 que professores de escolas médicas de seu país repetem com freqüência um 
dito sobre quadrúpedes. Algo assim: "Se você ouvir um tropel, pense primeiro 
em cavalos, não em zebras".
     O sábio conselho se aplica em geral à arte do diagnóstico. Diante de 
certa configuração de sintomas, o médico em formação deve cogitar primeiro 
as doenças e condições mais comuns que possam explicá-la. Mais ou menos o 
contrário do que faz o Dr. House, da imperdível série de TV.
     Quando li que o Brasil tinha saltado da 15ª para a 13ª posição no 
ranking de produção científica mundial, logo pensei: deu zebra. Mesmo 
respondendo por meros 2,12% dos artigos publicados em periódicos científicos 
indexados (de primeira linha), é um avanço tão sensacional quanto os 
diagnósticos improváveis de House.
     Na divulgação dos dados, o ministro da Educação, Fernando Haddad, se 
empolgou. Disse que em pouco tempo, se mantiver o ritmo, o Brasil poderá 
chegar entre os dez primeiros produtores de conhecimento científico do 
planeta.     "O indicador mostra o esforço nacional e o vigor das 
universidades federais", afirmou, puxando a sardinha para a sua brasa. Citou 
a contratação, por concurso, de 10 mil jovens doutores para dar aulas nessas 
instituições, em todos os cantos do Brasil. E prometeu 17 mil contratações 
até o final do mandato do presidente Lula.
     Tomara. Não dá para não torcer pelo país nesse campo em que só tomamos 
lavadas. Não, pelo menos, diante do placar espantoso: 30.451 artigos 
publicados em 2008, contra 19.436 no ano anterior. Um crescimento de 56%. 
Fantástico.     No fundo da mente, porém, ainda ressoavam alguns cascos. 
Talvez fossem cavalos. Ou quem sabe outro tipo de equino?     Aumento de 56% 
num único ano é muita coisa. Ainda mais numa atividade de transformação tão 
lenta quanto a pesquisa científica. O tipo do dado que aciona o detector de 
asneiras ("bullshit detector", como dizem os americanos) de qualquer 
estatístico, até de colunistas ignorantes dos meandros dessa disciplina 
cruel.
     Uma hipótese plausível para ajudar a explicar o desempenho que 
entusiasmou o ministro é a de que tenha mudado a base utilizada para medir a 
produtividade científica, da Web of Science. Uma consulta a sua página na 
internet revela que a empresa proprietária (Thomson Reuters) investe numa 
política de ampliar a abrangência dos periódicos indexados, com a 
incorporação de mais de 1.200 títulos de relevância regional.   Nesse 
processo, o Brasil foi um dos países que mais aumentaram sua representação 
na Web of Science.  De três dezenas de periódicos há dois anos, contava no 
ano passado com 103 na base de dados. Mais revistas científicas brasileiras 
acompanhadas, mais artigos nacionais. Aumentou a rede, não necessariamente o 
cardume.     A mudança da base, por outro lado, pode não explicar todo o 
avanço da produção científica brasileira, o que só seria verificável com um 
exame mais minucioso. Não invalida, tampouco, toda a excitação ministerial. 
A simples inclusão de mais revistas brasileiras no radar bibliográfico 
internacional por si própria já constitui uma boa notícia.
     A tentação de torcer por uma zebra é quase irresistível, não há dúvida. 
Mas existem muito mais cavalos sobre a Terra do que pode sonhar a nossa vã 
cienciometria.
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     MARCELO LEITE é autor de "Folha Explica Darwin" (Publifolha, 2009) e do 
livro de ficção infantojuvenil "Fogo Verde" (Editora Ática, 2009), sobre 
biocombustíveis e florestas. Blog: Ciência em Dia 
(cienciaemdia.folha.blog.uol.com.br ). E-mail: cienciaemdia.folha@uol.com.br


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