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 Redes técnicas/redes sociais:a pré-história da Internet no Brasil
 Tamara Benakouche 
 
 
 O sucesso da rede eletrônica Internet aparece cada vez mais como um fato incontestável: 
com efeito, além das suas já confirmadas possibilidades no campo da comunicação, 
ampliam-se os usos dos serviços educativos, 
comerciais e de lazer, dentre outros que oferece. O sucesso é tanto que não tem 
sido possível determinar, com precisão, o número de seus usuários, tanto no Brasil, como no mundo. 
No país, dependendo de quem fala, as estimativas variam de 450 mil a 1 milhão. Esta incerteza, 
porém, não parece ser um problema; acredita-se que a constituição da clientela da rede  também 
chamada "comunidade virtual"  está apenas começando e que, portanto, estes números só tendem a crescer 
num ritmo cada vez mais rápido.
 A rapidez tem sido justamente o traço mais evocado para caracterizar a expansão da Internet e, 
por extensão, das transformações que seu uso vem causando nas práticas sociais contemporâneas. Esta, 
no entanto, é uma visão que não resiste a uma análise mais cuidadosa da questão, e isso é o que se 
pretende discutir aqui. Com base na reconstituição das ações que precederam a implantação da Internet 
no Brasil, o artigo tem por objetivo demonstrar que, como em toda inovação tecnológica, sua 
expansão/apropriação é o resultado de um processo mais longo do que transparece para o grande público.
 Com efeito, o processo de expansão/apropriação de uma inovação envolve sempre uma 
grande complexidade. Seu dinamismo não se deve a nenhuma pretensa "característica intrínseca" da 
inovação em si, mas da combinação de variáveis econômicas, políticas, sociais e culturais  além das 
técnicas  agindo no sentido de estabelecer compromissos constantemente renovados, na busca pela 
realização dos variados interesses dos atores envolvidos nos acontecimentos. Recorrendo a uma expressão 
bastante usada por Lévy (1993), entender esse processo supõe, sobretudo, apreender os 
agenciamentos sociotécnicos que o atravessam.
 A expansão do uso da Internet no Brasil só está sendo possível, inicialmente, graças à 
implementação de uma série de medidas comandadas pelo poder público no setor das telecomunicações. Essas 
medidas, contrariamente ao que se pode pensar, não são todas recentes; algumas delas datam, na 
verdade, de pelo menos vinte anos. A intervenção estatal no setor, nessa época, além de visar superar o 
enorme atraso em que se encontravam os serviços de telecomunicações nacionais  em especial os serviços 
de telefonia  buscava atender ainda a duas grandes finalidades, cujos conteúdos contribuem para 
explicar o caráter precoce de muitas das medidas então propostas. De um lado, estavam as finalidades de 
ordem estratégico-militar; com efeito, num período em que as ações do governo se inspiravam na 
ideologia da segurança nacional, na qual as considerações de ordem geopolíticas eram centrais, a 
necessidade de implantar no país as então emergentes redes de transmissão de dados não passou despercebida. 
De outro lado, estavam as motivações de ordem econômica, partilhadas sobretudo pela ala 
nacionalista do governo, que sonhava com um "Brasil, Grande Potência"; seus representantes viam nas 
inovações tecnológicas incorporadas àquelas redes oportunidades para o desenvolvimento da então 
inexpressiva indústria local de telecomunicações e para a criação de uma estrutura nacional de Pesquisa e 
Desenvolvimento (P&D) (1). 
 
 Os Primeiros Passos
 
 Já em 1975, com a intensificação do uso de equipamentos de informática no país, o Ministério 
das Comunicações (Minicom) começou a se ocupar com a questão da transmissão eletrônica de 
dados, também chamada na época de teleinformática ou telemática. 
 Essas novas denominações procuravam dar conta da convergência que estava ocorrendo, 
nos países centrais, desde o início nos anos 60, entre as tecnologias de telecomunicação e a 
informática. Com efeito, em face da necessidade de rentabilizar os custos então muito elevados dos 
computadores, constatou-se a viabilidade de se ampliar o número de usuários de uma unidade central, 
através da disseminação de terminais ligados a uma mesma unidade. Isso era possível graças à 
utilização das redes de telefonia ou de telex, que passaram, assim, a também transmitir dados. A demanda por
 esse tipo de serviço aumentou consideravelmente nos anos 70, devido, sobretudo, à emergência 
e à difusão da microinformática. Diante das limitações das redes clássicas (telefonia, 
principalmente) em garantir um serviço de qualidade, os órgãos responsáveis pela administração do setor de 
telecomunicações, em vários países, viram-se obrigados a providenciar a instalação de novas 
redes destinadas exclusivamente à transmissão de dados. No início, foram providenciadas ligações 
 chamadas especializadas  para atender aos grandes usuários, mas, em seguida, foram 
implantadas redes públicas, acessíveis a qualquer assinante do novo serviço.
 No Brasil, desde 1970, a teleinformática era objeto de discussão e de estudos, mas somente em 
abril da 1975, pelo decreto 301, a Empresa Brasileira de Telecomunicações (Embratel) recebeu a 
incumbência de instalar e explorar uma rede nacional de transmissão de dados (2).  Esse decreto, porém, 
era bastante vago em vários aspectos, e não explicitava, por exemplo, o papel das empresas do 
sistema Telebrás na operação do serviço, ou os meios que deveriam ser colocados à disposição da Embratel 
 para que pudesse cumprir suas novas tarefas. Em janeiro de 1979, o Ministério decidiu 
explicitar melhor suas intenções a respeito da questão, recorrendo novamente à edição de um decreto 
que reafirmou a concessão do serviço à Embratel e regulamentou seu funcio-namento (Hering, 1979). 
 Nessa época, a então toda-poderosa Secretaria Especial de Informática (SEI), considerando 
a importância da informática na implantação da nova rede, resolveu intervir também na 
questão. Assim, em julho de 1980, através da portaria 006, criou a Comissão Especial 
no14/Teleinformática. Seu objetivo era o de examinar a situação da teleinformática nacional e orientar a SEI e o 
Minicom no estabelecimento das grandes linhas de uma política global para o desenvolvimento do 
serviço. Essa política deveria estar integrada no quadro mais geral da política nacional de informática.
 Os trabalhos dessa comissão  constituída por 13 membros, dos quais apenas dois pertenciam 
ao Minicom  desenvolveram-se entre julho e setembro de 1980 e foram concluídos com a redação 
de um relatório publicado pela SEI em 1981. Esse relatório fazia uma síntese da situação da 
teleinformática no país, insistindo particularmente no estado da oferta de serviços. Esse balanço revelou uma 
situação decepcionante: constatava-se que o país encontrava-se ainda numa etapa muito inicial do 
desenvolvimento da teleinformática, etapa talvez comparável àquela do final dos anos 60 nos países 
desenvolvidos (Maciel, 1983). O relatório avançava também algumas hipóteses de caráter prospectivo a 
partir de informações sobre a situação de outros países, mas sobretudo  e esta foi a sua contribuição 
mais importante  fazia uma série de recomendações com vistas ao desenvolvimento do setor. Essas 
recomendações, sempre precedidas por uma exposição de motivos, foram reunidas em 34 grupos e 
diziam respeito seja à ação do governo, seja à ação dos fabricantes de equipamentos, dos fornecedores 
de serviços e dos usuários. 
 Em conformidade com a orientação geral da SEI, essas recomendações foram marcadas 
sobretudo pela preocupação de assegurar o controle permanente do Estado sobre o setor e de apoiar a 
indústria nacional de microeletrônica. Com relação ao mercado, considerava-se especialmente a existência 
de uma demanda potencial representada pelos grandes usuários, e foi justamente para atender às 
necessidades dessa clientela que se dirigiram as primeiras ações governamentais no domínio da teleinformática.
 
 As Primeiras Redes Técnicas: Transdata e Renpac
 
 Antes da intervenção estatal no setor, as instituições que já precisavam utilizar-se da 
teleinformática  seja em função da natureza das suas atividades, seja em função de sua ligações com o exterior  
eram obrigadas a recorrer a soluções próprias, usando as redes telefônica e de telex. Era o caso, por 
exemplo, dos bancos, das companhias de aviação, de muitas empresas multinacionais e de alguns órgãos 
do governo federal (3). Por outro lado, a possibilidade de comercializar informações era quase 
impensável e, nesse sentido, serviços com essa finalidade eram praticamente inexistentes. Os poucos bancos 
de dados que se haviam constituído pertenciam a instituições governamentais (IBGE, Prodasen, 
Prodesp, etc.) e só podiam ser acessados por um público interno.
 Com o objetivo de corrigir essas insuficiências, o governo brasileiro colocou inicialmente à 
disposição dos grandes demandantes de serviços de transmissão de dados a rede Transdata. 
Criada oficialmente pelo decreto 104 de maio de 1980, essa rede era constituída por circuitos privados do tipo
 ponto-a-ponto (não comutados, portanto), alugados pela Embratel a preços fixos, calculados com 
base na distância que separava os correspondentes e na velocidade da transmissão (medida em bites 
por segundo/bts).
 No final de 1985, havia 33 centros de transmissão em funcionamento e 9.854 circuitos 
estavam alugados; em 1987, esse número já se elevava a 16.169, o que representava um crescimento de 
65,3% no período. De fato, a Embratel recebia em média, na época, 300 pedidos mensais de aluguel de 
novos circuitos. Uma parte desse sucesso devia-se certamente ao índice de confiabilidade do serviço, 
situado em torno de 98% (Embratel, 1987).
 No que diz respeito às comunicações com o exterior, a Embratel passou a oferecer os serviços 
das redes Interdata e Findata (esta em acordo com a agência Reuters), de caráter público, e das redes 
Airdata (usada pelas companhias de aviação) e Interbank (associada à rede Swift), de caráter 
privado.  
 Paralelamente a essas medidas, os órgãos gestores da política nacional de telecomunicação e 
de informática também voltaram a sua atenção para o mercado constituído pelo chamado "grande 
público". Visando atendê-lo é que foi implantada, ainda em 1985, a primeira rede pública de 
transmissão de dados brasileira, chamada rede Renpac.
 Na verdade, a Embratel dava-se conta do aumento do número de microcomputadores 
comercializados no país (além dos que entravam irregularmente), bem como da subutilização dos bancos de 
dados organizados por instituições governamentais e privadas, e apostava na possibilidade de 
interligá-los, tal como já se começava a fazer nos países centrais.
 Os microcomputadores instalados em empresas, mesmo as médias e pequenas, tinham usos 
bem definidos: destinavam-se sobretudo a facilitar as tarefas de rotina ligadas à gestão do pessoal, 
ao controle dos estoque, à listagem de clientes, dentre outras. Já os microcomputadores instalados 
nas residências ainda não tinham finalidades muito claras. Os responsáveis por sua comercialização, 
tendo em vista a carência de 
softwares voltados para essa clientela, referiam-se de modo um tanto vago 
às suas possibilidades educativas e lúdicas, às suas facilidades no controle do orçamento familiar, 
no armazenamento de informações importantes para a família, etc. Em ambas as situações, o 
tratamento de dados fazia-se localmente e a demanda por acesso a informações era quase nula. Com a 
implantação da rede Renpac, a Embratel vai procurar criar essa demanda.
 Utilizando uma tecnologia de ponta desenvolvida na França  a chamada comutação "por 
pacotes"  a rede Renpac dispunha, em 1985, quando de sua entrada em operação comercial, de 13 centros 
de comutação e 13 centros de concentração bem distribuídos pelo território nacional. A preocupação 
dos militares com questões de ordem geopolítica garantia uma estratégia no sentido de se buscar 
um equilíbrio regional na implantação dos equipamentos (Benakouche, 1995).
 Havia dois tipos de acesso à rede: o acesso dedicado e o acesso comutado. O primeiro dava-se 
por meio de circuitos urbanos e interurbanos de utilização exclusiva; o segundo fazia-se através das 
redes públicas de telefonia e de telex. Em ambos os casos, o usuário deveria providenciar, além do 
seu equipamento (microcomputador, modem, 
software de acesso, etc.), sua assinatura junto à 
Embratel. O assinante dispunha de uma gama variada de alternativas em termos de velocidade de 
transmissão, que ele deveria escolher em função das suas necessidades e das características de seu 
equipamento informático.
 Apesar de sua destinação para o "grande público", no final de 1987 a rede Renpac contava 
com somente 110 assinantes... (Embratel, 1987). Apenas a disponibilização da rede-suporte, ou seja, 
da rede técnica, não  havia sido capaz de atrair clientes. Era preciso  criar também uma rede-serviço 
capaz de proporcionar à Renpac um uso efetivo.
 
 Ciranda, Cirandão: as primeiras redes de serviços
  
 De certo modo, os dirigentes da Embratel já esperavam por dificuldades com relação à difusão 
do uso doméstico da sua rede pública de transmissão de dados, isto é, a Renpac. Assim, paralelamente 
a sua implantação, resolveram criar um serviço de oferta de informações, que contribuiria para 
viabilizar a mesma rede. O projeto recebeu o nome Cirandão; havia nessa escolha uma clara intenção de 
passar uma idéia de jogo compartilhado, de união.
 Na verdade, o Cirandão era a ampliação de um projeto anterior desenvolvido também pela 
Embratel, junto a seus funcionários, chamado projeto Ciranda. Esse projeto havia sido implantado em 1982, 
com o objetivo de capacitar o corpo técnico da empresa no uso de computadores, na medida em que 
a introdução de técnicas digitais nas redes de telecomunicações exigia do profissional da área 
novas competências. Assim, a Embratel facilitou a compra e a instalação de microcomputadores e 
modems para os funcionários interessados em participar da experiência e criou um banco de dados, de 
acesso gratuito, com uma gama variada de informações voltadas para os interesses da clientela-alvo: lista 
de benefícios fornecidos pela empresa, convênios, agenda de aniversários, jogos, guias de 
compras, catálogos, etc., e ainda um correio eletrônico. Aqueles sem condições de comprar um 
microcomputador podiam utilizar, inclusive em fins de semana, unidades instaladas nas sedes regionais da empresa. 
O projeto foi bem aceito, pois a ele aderiram cerca de 2.100 funcionários distribuídos por 104 
cidades. Na verdade, esse grupo constituiu-se na primeira comunidade teleinformatizada do país.
 Diante disso, quando a Embratel  come-çou a considerar alternativas para ampliar o número 
de usuários da rede Renpac, a solução escolhida foi abrir o projeto Ciranda para o público em geral, 
seu banco de dados (4) devendo ser enriquecido através da integração de outros fornecedores de 
informações. 
 Assim, em 1985 foi criado o projeto Cirandão, oficialmente definido como "um serviço 
de teleinformática, oferecido pela Embratel de forma complementar e integrada com os serviços 
de telecomunicações" (Embratel, s/d).
 Em maio 1987, o projeto Cirandão registrava 2.256 assinantes, sendo 1.439 (63,8%) 
residenciais e 817 (36,2%) não-residenciais (5). Tratava-se certamente de uma clientela muito reduzida face 
às expectativas da Embratel. No entanto, a situação era ainda mais decepcionante quando se 
verificava o número de assinantes que haviam efetivamente utilizado o serviço durante o mesmo mês: apenas 
604, ou seja, 26,7% do total.
 O principal fator que explicava esse desinteresse era, sem dúvida, a reduzida oferta de 
alternativas aos assinantes. As opções limitavam-se ao correio eletrônico, que era o serviço mais acessado; a 
um serviço de pequenos anúncios, chamado "quadro de avisos"; a algumas listas de discussões, 
chamadas "teleconferências"; e, finalmente, ao acesso a um número muito restrito de bancos de dados e a 
alguns poucos jogos destinados às crianças. No geral, todas as alternativas disponíveis eram pouco 
atualizadas. Diante de tal penúria, fica fácil compreender por que as taxas de utilização do Cirandão 
permaneciam tão baixas.
 O acesso a bancos de dados, que poderia ser um serviço dinamizador, apresentava muitos 
problemas. Como a venda de informações não era uma prática corrente, a idéia inicial da Embratel de 
integrar os bancos de dados já disponíveis no Brasil encontrou uma forte resistência por parte das 
instituições responsáveis pelos mesmos. Diante disso, os dirigentes do projeto procuraram desenvolver uma 
outra estratégia. No caso, a empresa resolveu estabelecer parcerias com algumas associações 
profissionais, visando motivá-las a participar do projeto, colocando na rede informações de interesse para 
seus associados. Para tanto, a Embratel propunha-se a fornecer gratuitamente todo o equipamento 
necessário à constituição de um banco de dados, disponibilizar espaço no seu computador e capacitar 
pessoal técnico para desenvolver as atividades previstas. Em contrapartida, as associações deveriam 
atualizar constantemente suas informações, além de divulgar o serviço junto a seus associados. 
 As instituições que se mostraram mais receptivas, inicialmente, foram aquelas ligadas ao 
meio médico. Em maio de 1986, dentre os doze bancos de dados mais consultados, seis eram de 
informações médicas, no caso, os bancos da Fiocruz, da Mudes, da Nimed, da AMB-THM, da L. Renal e da 
Bireme. O primeiro lugar, porém, em termos de taxas de consulta, coube ao banco da Rodobens, destinado 
a revendedores de caminhões da Mercedes-Benz (tratava-se, na verdade, de uma primeira 
experiência do Cirandão com um serviço de tipo fechado, ou seja, acessível somente àqueles que dispusessem 
de um código privado); em segundo lugar, vinha o banco da Embratel, aquele que originalmente 
pertencia ao projeto Ciranda; e, em terceiro lugar, estava o banco da Fiocruz. 
 Um ano depois, ou seja, em maio de 1987, muitos desses bancos desapareceram da lista dos 
mais acessados, enquanto outros viram despencar suas taxas de acesso. Essa mobilidade tem várias 
razões, mas provavelmente a mais importante foi mais uma vez a falta de atualização das informações. Em
contrapartida, novos colaboradores se destacaram. Assim, por exemplo, aproveitando o 
momento histórico nacional, representado pela elaboração de uma nova Constituição, a Fundação 
Pró-Memória propôs um serviço que podia ser consultado gratuitamente a partir de vários pontos do país, 
informando o desenrolar dos trabalhos parlamentares e permitindo a manifestação das pessoas a respeito de 
pontos polêmicos. A idéia foi bem aceita e logo o serviço tornou-se o mais consultado. Outro fornecedor 
que logo disparou nas estatísticas foi a Bolsa de Valores do Rio de Janeiro.
 Mesmo com todas essas alternativas, o número de acessos ainda continuou baixo: em maio de 
1986, o Cirandão registrou apenas 1.212 acessos, número que passou para 1.542 em maio do ano 
seguinte; isso representava em média, respectivamente, 39 e 50 acessos por dia. Considerando, porém, que 
a Embratel partia do nada, a avaliação feita pela empresa não era totalmente negativa: verificava-se 
que apesar de tudo uma clientela estava-se constituindo. Mas, quem eram esses primeiros clientes?
 
 Uma elite como primeira 
clientela
 
 Já foi referido acima que a clientela do Cirandão se dividia em dois grandes grupos: o 
residencial e o não-residencial, este último sendo mais importante. Lamentavelmente, porém, não existem 
estatísticas para o período aqui em consideração (1986-87), que permitam uma caracterização 
socioeconômica precisa desses usuários. 
Uma das poucas indicações diz respeito a suas profissões; nesse 
caso, predominavam os engenheiros: estes correspondiam a 42,4% do total de usuários, em 1986, e 
a 38,7%, em 1987. Seguiam-se os médicos, os comerciantes e os analistas de sistemas (que 
foram porém suplantados pelos advogados, em 1987).
 A formação mais "técnica" dos engenheiros é provavelmente o fator que explica o maior 
interesse desta categoria profissional pela novidade. Já o peso dos médicos deve-se, como já se assinalou 
acima, à oferta significativa de informações na área da saúde.
 Numa perspectiva mais geral, porém, esta composição do mercado se explica sobretudo pelo 
poder de compra mais elevado dessas categorias profissionais. Considerando-se as exigências mínimas 
para que se pudesse assinar o serviço, ou seja, dispor ao menos de uma linha telefônica e de 
um microcomputador  mais caros e dispondo de menos facilidades de pagamento do que hoje em dia  
, não resta dúvida de que só os mais abonados podiam fazê-lo. 
 Os custos da assinatura, no entanto, não eram muito elevados, sobretudo se comparados aos 
valores médios pagos atualmente aos provedores de acesso à Internet (6). A rigor, uma comparação precisa 
é difícil de ser feita, mas a título de ilustração vale lembrar que uma assinatura residencial custava 
em junho de 1987 a quantia de Crz$ 198,45, o que equivalia a 10,1% do salário mínimo da época. 
Além dessa tarifa, havia ainda os custos pela utilização dos serviços, os quais variavam em função do 
volume de informações transmitidas (medido em octetos), do tempo de conexão (medido em minutos) e ainda 
do tempo de armazenamento de informações na memória do computador da Embratel (procedimento 
necessário para a guarda temporária das mensagens, dos "quadros de avisos" e das "teleconferências").
 Um aspecto que chama a atenção quando se procura reconstituir os fatos desse período  
aspecto que parece bastante contraditório face a uma evidente determinação dos responsáveis pelo setor 
de telecomunicações do país de implantar as novas tecnologias disponíveis no mercado  diz respeito 
à timidez, para não dizer a quase ausência, de marketing em torno do Cirandão (que hoje não existe 
mais). Na verdade, há para isso uma explicação bastante precisa: limites de ordem técnica, especialmente 
da rede telefônica, que conectava os usuários à Renpac. Subdimensionada para atender até mesmo 
às finalidades a que se destinava  ou seja, a transmissão de voz , essa rede entraria em colapso 
definitivo caso passasse a ser mais intensamente utilizada para a transmissão de dados. 
 
 Considerações Finais
 
 Assim, não foram poucos os problemas  de todas as ordens  que tiveram de  ser resolvidos 
para que, juntamente com a novela Explode 
Coração, veiculada pela Rede Globo em 1995, explodisse 
no Brasil o uso da Internet (7).
 Apesar de todo o avanço registrado, porém, observa-se que nem todos  os que possuem um
 computador e uma linha telefônica estão dispostos a usar a rede, e dentre os usuários desta, 
nem todos consomem todos os serviços disponíveis. Assim, por exemplo, nem todos os 
contribuintes conectados optaram por fazer suas declarações de renda através do 
site criado pela Receita Federal para este fim; nem todos os consumidores sentem-se à vontade de fornecer o número do seu 
cartão de crédito a um serviço de televendas na rede; nem todos os correntistas usam o 
home banking. Por que essas restrições, essas resistências? E por que elas não se aplicam sempre? O que está 
na origem dessas disposições? Numa perspectiva mais geral, o que leva uma pessoa a ser 
uma entusiasta da inovação tecnológica, a querer se apropriar das novas técnicas, usá-las, 
incorporá-las no seu cotidiano? Em contraste, o que faz com que outra pessoa rejeite essas mesmas 
técnicas, recuse-se a usá-las?
 Deixando de lado as restrições de ordem econômica (que sem dúvida atingem a grande 
maioria da população brasileira, mas não é esse o tipo de exclusão de que se trata aqui) e para além 
de algumas respostas já relativamente difundidas  em geral, mulheres e pessoas mais velhas 
teriam mais dificuldades para se apropriar das técnicas, inclusive por razões biológicas  pode-se 
estabelecer aqui algumas hipóteses. É possível que a aceitação bem como a rejeição ao uso das 
novas tecnologias estejam relacionadas à percepção dos riscos passíveis de serem causados pelas 
mesmas. Essa percepção é variável, sendo ainda socialmente construída. No caso, a percepção do 
risco e também o seu contrário, o estabelecimento da confiança, constroem-se com base numa 
combinação heterogênea de sentimentos inspirados em experiências pessoais anteriores  que 
configuram um imaginário dado  e de informações qualificadas, obtidas junto a especialistas. 
 No que diz respeito à Internet, o grande risco percebido, em princípio, é a invasão da 
privacidade pelos chamados "piratas cibernéticos", seguida (ou não) da destruição ou alteração 
de arquivos pessoais.  No mais, há pessoas com medo de assumir sua real identidade, em 
certas circunstâncias; há pais receosos da exposição de seus filhos a imagens violentas ou 
pornográficas, sem contar o excesso de tempo dedicado ao meio em si; há quem pense na saúde, 
temendo problemas causados por posturas incorretas ou movimentos repetitivos, dentre outras 
restrições. Não será o caso de avaliar aqui a pertinência ou não desses riscos, mas de considerar até 
que ponto a percepção dos mesmo inibem o uso da rede, atitude que certamente se choca com 
os discursos entusiastas, ou mesmo temerosos, a respeito do rápido, inevitável e iminente 
domínio dos ciberespaço. Na verdade, ainda restam muitos agenciamentos sociotécnicos a serem 
efetivados a esse respeito.
 
 Notas
 
 (1) Ilustram essa afirmação medidas do Ministério das Comunicações (criado em 1967), tais como 
as Portarias 661/75 e 622/78  que dentre outras questões definiam o que era indústria nacional e 
estabeleciam mecanismos de transferência tecnológica mais favoráveis ao país do que os até então 
existentes  bem como a criação do grupo Executivo Interministerial de Componentes e Materiais 
(Geicom), em 1975, e do Centro de Pesquisa (CPqD) da Telebrás, em 1976.
 (2) Uma das idéias que surgiram na fase inicial de discussão do problema foi criar uma nova 
empresa associada à Telebrás  a Teletel  que seria encarregada de explorar este novo tipo de serviço. 
Essa idéia, porém, não vingou. Cf. Maculan (1981, p. 86) e Embratel (1983, p. 89).
 (3) O Serpro, por exemplo, ligado à Receita Federal, montou um serviço pioneiro de consulta a 
bases de dados, chamado Aruanda.
 (4) Esta expressão, "banco de dados", corresponde ao que hoje se denomina 
sites. 
 (5) Todos os dados sobre o Cirandão foram obtidos nos Relatórios Mensais do Serviço 
Cirandão, produzidos pela Embratel.
 (6) Estes variam em torno de R$ 30,00 para um acesso mensal de 70 a 120 horas, sendo de R$ 
120,00 o valor do salário mínimo nacional.
 (7) Nessa novela, o par amoroso principal conheceu-se através da Internet. Foi certamente a partir 
desse momento que o grande público brasileiro tomou conhecimento desta rede. 
 
 BENAKOUCHE, Tamara. "Redes de Comunicação Eletrônica e Desigualdades Regionais", in 
Maria Flora Gonçalves  (org.). O Novo Brasil 
Urbano. Porto Alegre, Mercado Aberto, 1995, pp. 227-37.
 Embratel. 18 Anos. Rio de Janeiro, 1983.
 . Relatório 1987. Rio de Janeiro, 1987.
 . Relatórios Mensais do Serviço 
Cirandão. Rio de Janeiro, 1987.
 . Serviço Cirandão 
Mensagem. Rio de Janeiro, s/d.
 HERING, R. M. "Evolução do Serviço de Transmissão de Dados na Embratel",  
in Anais do Painel Telebrasil, agosto de 1979.
 LÉVY, Pierre. As Tecnologias da Inteligência. O Futuro do Pensamento na Era da 
Informática. Rio de Janeiro, Ed. 34, 1993.
 MACIEL, R. "Bases para uma Política Nacional em Telemática", in 
Cadernos de Teleinformática, 
no 11, 1983, pp. 155-75.
 MACULAN, Anne-Marie. Processo Decisório no Setor de 
Telecomunicações. Dissertação de 
mestrado, IUPERJ, Rio de Janeiro, 1981, mimeo.
 SEI. Relatório da Comissão Especial de 
Teleinformática. Brasília, 1981.
 
 TAMARA BENAKOUCHE é professora  do Programa de  Pós-Graduação em Sociologia 
Política da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
 
  
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