UM MINUTO A MAIS NA TV

Valdemar W. Setzer
www.ime.usp.br/~vwsetzer
Original de 17/5/13; publicado na coluna de Carlos Brickmann em 8/7/13.

Recentemente nossa presidente criou mais um ministério, o 39º, nomeando o respectivo ministro. (Será que ela terá coragem de criar um 40º, completando o sugestivo e alibabesco número?) Dizem as más línguas, ou talvez as bem informadas, que com esse ato ela cooptou mais um partido a apoiá-la nas próximas eleições presidenciais de 2014, e que isso foi devido a um minuto ou minuto e meio a mais que, com o apoio do partido do novo ministro, o partido da presidente ganhará adicionalmente para sua propaganda no "horário eleitoral" da TV. Talvez o novo ministério, chamado eufemisticamente de "secretaria", seja realmente necessário e que seu titular seja uma pessoa muito especial, devendo trazer importantes realizações para o país. (Nesse caso, por que esse cargo não foi criado muito antes, com a nomeação de seu detentor?) No entanto, só o fato de as tais más línguas, ou bem informadas, terem mencionado como fator principal para essa criação e nomeação o tal de minuto a mais na TV, tornando essa razão uma possibilidade, deveria levar a algumas reflexões.

Por que se dá tanta importância a esse tempinho a mais de propaganda partidária na TV? A resposta óbvia ululante é "Porque funciona!". Isto é, com um minuto a mais na TV um partido qualquer consegue convencer um número significativo de eleitores a votar em seus candidatos, independente dos currículos e projetos dos mesmos. E por que isso acontece? Muito simples: porque a TV não é um veículo de comunicação predominantemente educacional e informativo, e sim predominantemente condicionador. Há várias evidências nesse sentido. Vários estudos científicos, tendo sido o primeiro o de H.E. Krugman em 1971 usando registros de eletroencefalograma e de movimentos dos olhos, mostraram que a TV normalmente induz em um telespectador um estado de desatenção, de semiconsciência, de sonolência, um estado semi-hipnótico. É muito fácil qualquer pessoa comprovar isso em si mesma: basta ver algum programa e tentar pensar ativamente em cada imagem que aparece na tela e em cada frase que é ouvida. Em pouco tempo, de meio minuto a um minuto e meio, nota-se que se fica mentalmente exausto, e a tendência é de relaxar a mente e parar de pensar conscientemente. Isso é devido ao fato de as imagens normalmente se sucederem rapidamente: em geral, há de 15 a 25 mudanças de imagem por minuto, incluindo aí mudanças de fundo, efeitos zoom, aparecimento ou mudança de letreiros etc. Em vídeo clips, as mudanças são frenéticas, literalmente psicodélicas, ocorrendo em geral uma a cada segundo. O leitor pode verificar tudo isso por conta própria. Se o telespectador resolve pensar sobre uma imagem ou frase, logo aparecem outras que lhe tiram a atenção. A própria atividade cerebral geral diminui: detectou-se que, ao se ligar a TV as amplitudes das ondas cerebrais registradas em um eletroencefalograma reduzem-se a 1/5 das amplitudes de estados de atenção, como na leitura (F. Emery, 1976; para mais detalhes sobre essa pesquisa e as outras citadas neste texto, veja-se no site do autor o seu artigo "Efeitos negativos dos meios eletrônicos em crianças, adolescentes e adultos", onde são citados literalmente mais de 100 publicações científicas).

Essa sucessão rápida de imagens é uma necessidade produzida pelo aparelho, pois se a imagem parar não há necessidade de o telespectador olhar para a tela e ele considerará o programa monótono, mudando de canal ou adormecendo. (Muitas pessoas têm uma proteção inata contra a TV: ligam-na e logo passam do estado de sonolência para o de sono profundo.) No estado de desatenção, semi consciente, tudo o que é visto ou ouvido é gravado no subconsciente, influenciando posteriormente as ações da pessoa. É por isso que houve um casamento perfeito entre a TV e a propaganda. Por exemplo, a rede McDonald’s gastou só em propaganda na TV, só nos EUA, só em 2002, a bagatela de US$ 510,5 milhões, segundo Susan Linn, em seu excelente livro Crianças do Consumo: a infância roubada, editado em 2006 pelo também excelente Instituto Alana. Uma empresa mundial desse porte não iria jogar tal quantia no ralo. Ela gastou essa fábula de dinheiro porque isso certamente induziu pessoas a consumirem os produtos de sua rede, o que deve ter proporcionado enormes lucros líquidos.

Por que foi proibida a propaganda de cigarros na TV? Porque ela funcionava, isto é, induzia as pessoas a fumarem e com isso ingerirem a fumaça venenosa e mal cheirosa dos cigarros. Uma pesquisa liderada por R.J. Hancox na Nova Zelândia, publicada em 2004, detectou que crianças e jovens que viam muita TV (mais de 4 h/dia, o que está próximo da média geral), tinham 17% a mais de chance de fumarem na idade de 26 anos. O estudo foi longitudinal, isto é, acompanhando as pessoas em várias idades. O mais impressionante desse estudo é que ele começou quando na Nova Zelândia já era proibida a propaganda de cigarros na TV! Hancox e colaboradores hipotetizaram que esse efeito maléfico foi devido à aparição, na TV, de pessoas fumando em filmes e novelas, em entrevistas etc. A propósito, além de incomodar os não fumantes, o fumo produz muito mal à saúde no longo prazo. Mas há outra classe de drogas que produzem males psicológicos a curtíssimo prazo, além de prejuízos fisiológicos a longo prazo: trata-se das bebidas alcoólicas, que alteram imediatamente o estado de consciência – por isso a nossa "lei seca" para os condutores de veículos. Então, por que não foi proibida a propaganda de bebidas alcoólicas na TV que, garantidamente, induzem o consumo pois, se não o fizessem, não seriam veiculadas? Talvez seja por influência das indústrias dessas bebidas, talvez por interesses econômicos e políticos escusos. Levou bastante tempo para se desmascararem artigos pseudocientíficos pagos pelas indústrias do fumo, mostrando falsamente que os cigarros não faziam mal à saúde. Mas não há a mínima necessidade de se provar o efeito maléfico de bebidas alcoólicas: qualquer um pode ver isso em pessoas e sentir em si próprio. Todos sabem que o alcoolismo constitui um dos maiores males individuais e sociais do Brasil. Essa situação atesta para o cinismo daqueles que, abusando da liberdade no lugar errado dada pelo capitalismo selvagem, não têm um pingo de pejo em prejudicar as pessoas, desde que lucrem com isso. Note-se que o CONAR (Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária), um órgão do qual fazem parte representantes de emissoras de TV, que deveria ditar normas para elas se autorregularem, não teve interesse ou não foi capaz de coibir a propaganda de cigarros; foi necessária uma lei nesse sentido. Analogamente, apesar de um dos "preceitos" do CONAR descritos em seu site ser que ele "deve ter presente a responsabilidade da cadeia de produção junto ao consumidor", isto é, ele deveria ser contra qualquer propaganda de produtos que façam mal à saúde do consumidor, provavelmente jamais proporá ou conseguirá a eliminação total de propaganda de bebidas alcoólicas, especialmente na TV.

Voltando à TV, vê-se portanto que ela é um veículo de condicionamento de ações. Independente do que é transmitido, esse aparelho não é um veículo educacional pois educação é um processo de longuíssimo prazo, essencialmente ativo, isto é, contando necessariamente com a participação de quem está aprendendo. Ora, tudo na TV é rápido, curto, e ela é apassivadora, não só fisicamente, mas também mentalmente. Uma pesquisa feita na Alemanha por R.C. Klesges em 1993 detectou que uma pessoa deitada sem dormir consome mais energia do que uma pessoa vendo TV! Isso é compreensível, pois a atividade cerebral normal consome 20% da energia gasta pelo corpo. Somando-se a essa passividade física, inclusive a cerebral, o aumento induzido pela TV do consumo de docinhos, salgadinhos e essas verdadeiras águas poluídas que são os refrigerantes, e se chega a uma das principais causas das terríveis epidemias de excesso de peso e de obesidade que grassam pelo mundo televisado, com desastrosas consequências fisiológicas e psicológicas. Nos EUA, 2/3 da população tem excesso de peso, sendo que 1/3 da população é ainda obesa. A TV é em extensão a maior tragédia que já ocorreu para a humanidade.

Há ainda um outro fator importantíssimo do ponto de vista educacional: toda educação foi e é altamente contextual. Uma professora numa escola dá hoje uma aula como continuação da aula anterior, dada ontem ou na semana passada. Além disso, idealmente, ela dá aulas de um mesmo assunto de maneiras diferentes para classes distintas. O bom professor deveria conhecer cada aluno individualmente, um dos fatores do grande sucesso mundial da pedagogia Waldorf (procurem-se materiais sobre ela na Internet). Mas a TV não apresenta nenhum contexto individual, já pela sua natureza de ser um veículo de comunicação de massa. O livro, em muito menor escala, também o é, mas ele incentiva cada pessoa a prestar atenção no que lê e a formar suas próprias imagens interiores, especialmente nos romances, biografias e poesias. Já a TV e todos os aparelhos com tela (nos computadores, quando exibem filmes ou animação) apresentam imagens prontas, não permitindo a criação de imagens interiores pelo usuário. Com isso, a TV é um verdadeiro veículo antieducacional, pois prejudica a fantasia e portanto a criatividade.

Uma outra evidência de que a TV não é um veículo educacional é que, por ignorância dos educadores, ela nunca funcionou nas escolas. Se eles soubessem que ela induz o estado de sonolência descrito acima, usariam-na de maneira adequada e efetiva: apenas em períodos muito breves, como ilustração de algum assunto estudado. Por exemplo, se uma professora está descrevendo a vida das baleias, poderia perfeitamente mostrar na TV um vídeo sobre esses animais. Mas, para tornar esse processo algo educacional, esse vídeo deveria ser mostrado em trechos curtos, de no máximo 3 a 5 minutos. Cada trecho deveria ser seguido, por parte dos alunos, de descrição e discussão do que foi visto, em seguida o trecho deveria ser repetido, seguido de nova descrição e discussão, antes de se passar ao trecho seguinte. Dessa maneira os alunos absorveriam em seu consciente o conteúdo visto. Mas esse meio só deveria ser usado a partir da 7a ou 8a séries, pois antes disso é muito mais importante incentivar a imaginação do que ver imagens, e a criança deve aprender tudo fazendo algo, e não ficando passiva (por isso o brincar é tão importante, atualmente altamente prejudicado pelos meios eletrônicos em geral).

A TV não é nem mesmo um veículo informativo. Para que algo seja absorvido como informação, deve necessariamente ser compreendido e memorizado, o que exige participação consciente, o contrário da semiconsciência típica de um telespectador. Para se comprovar que a TV não informa, deixe-se uma pessoa desavisada ver um noticiário nacional. Depois de terminado, pergunte-se-lhe quais notícias elas viu. O resultado será surpreendente: pouquíssimas notícias são lembradas, isto é, não houve praticamente nenhuma informação absorvida pelo consciente. Em São Francisco, na Califórina (Emery&Emery, 1976), foi feita uma enquete por telefone, exatamente nesse sentido, logo depois de transmitido o noticiário nacional. Pois metade das pessoas não se lembrava de nenhuma notícia sequer! Provavelmente serão lembradas as notícias que mais tocaram as emoções do telespectador, pois das atividades interiores sentir, pensar e querer (executar ações) apenas a primeira é ativada – por isso programas com violência ou eróticos são os mais apreciados e melhor transmitidos.

Assim, a TV não educa, nem informa: condiciona. É por isso que um minuto a mais de propaganda política na TV condicionará milhares, milhões de pessoas a votarem nos candidatos do partido que conseguiu esse minuto adicional – independentemente do conteúdo da propaganda que, aliás, não é feita para educar ou informar, mas para induzir o eleitor a como votar. A base da democracia eleitoral deveria ser o voto consciente, a partir da liberdade do eleitor. O que a TV faz é justamente prejudicar esse tipo de voto.

Assim como foi proibida a propaganda de cigarro na TV, assim também deveria ser totalmente proibida a veiculação de propaganda política pela TV. Em lugar de se obrigar as emissoras de TV e de rádio a transmitirem propaganda eleitoral, dever-se-ia fazer com que todos os jornais publicassem um suplemento onde cada candidato regional exporia seu currículo e seu plano de trabalho. Aí sim, preservaríamos a liberdade dos eleitores, e caminharíamos para uma democracia eleitoral. Mas, francamente, alguém acha que os políticos poderosos estão interessados nesse tipo de democracia?