Entrevista de Valdemar W. Setzer feita em 12/5/11 por e-mail a Diego Cardoso

Nota preliminar: este é o texto original de uma entrevista partes da qual foram inseridas no interessante artigo Pedagogia Desconectada, de Diego Cardoso, publicado no Jornal-lobaratório Zero, de Santa Catarina, junho de 2011, pp. 7-8. Por ocasião da entrevista, não havia conhecimento do conteúdo do artigo.

DC – Neste ano, algumas escolas de Santa Catarina começaram a receber notebooks para a distribuição aos alunos. O Sr. acredita que esta ferramenta traz vantagens ao processo de ensino e aprendizagem?

VWS – Não, os prejuízos são infinitamente maiores do que os benefícios, sendo que estes últimos, como propalado pelas pessoas que não conhecem as pesquisas feitas sobre o efeito dos meios eletrônicos (TV, video game, computador e Internet) em geral são ilusórios ou totalmente falso. Por exemplo, é totalmente falso que as crianças devem ter contato com essas tecnologias pois senão serão adultos despreparados social e profissionalmente. Hoje em dia é muito fácil aprender a usar esses meios, e no futuro será mais fácil ainda. Um outro exemplo é de se achar que video games violentos produzem um efeito de catarse, isto é, dão vazão a impulsos agressivos e que com isso as pessoas ficam mais calmas. Não há nenhuma pesquisa científica comprovando isso.

Cito dois prejuízos. Um é colocar a criança ou adolescente que usa a Internet em perigo, podendo ser assediado por predadores, como os chamou Gregory Smith em seu livro "Como proteger seus filhos na Internet" – veja-se minha resenha sobre ele em

www.ime.usp.br/~vwsetzer/como-proteger-resenha.html

Uma coisa essencial que ele diz é que todas as crianças e adolescentes são ingênuos e, por isso, o perigo é enorme, e a ocorrência de assédio ou coleta de dados privados é muito frequente.

Eu adiciono um outro prejuízo: todos os meios eletrônicos fazem um desenvolvimento indevido das crianças e adolescentes. Uma senhora me disse a esse respeito: "Mas as crianças de hoje não são mais crianças, nem sabem mais brincar!" Isso é uma tragédia, o brincar infantil, atividades sadias na adolescência como a leitura e a sociabilização real, e não a virtual (que prejudica a real, como já está provado), são absolutamente essenciais para se ter mais tarde adultos criativos, com compaixão, sociáveis e que tenham força de vontade e coragem para enfrentar as adversidades reais que certamente irão ocorrer em suas vidas. Aliás, dois efeitos absolutamente claros de todos os meios eletrônicos é justamente prejudicar o desenvolvimento da força de vontade e da concentração mental.

Sobre pesquisas mostrando os inúmeros e trágicos efeitos negativos dos meios eletrônicos, veja-se meu artigo

www.ime.usp.br/~vwsetzer/efeitos-negativos-meios.html

DC – Alguns defensores das novas tecnologias na escola acreditam que estamos diante de um novo paradigma educacional, pelo qual o estudante "anda com as próprias pernas" e busca o conhecimento desejado nos infinitos bancos de dados na internet. Como o Sr. analisa este ponto de vista?

VWS – Em primeiro lugar, esse "andar com as próprias pernas" deve ser adequado para a idade. Por exemplo, uma criança pequena pode ter a liberdade de escolher com qual brinquedo quer brincar, dentre os brinquedos sadios e apropriados para sua idade e cultura, colocados a sua disposição por pais e professores. A propósito, essa individualização em relação a cada criança não existe nos meios eletrônicos, pois são todos eles são dirigidos a uma massa muito grande, milhões de pessoas, isto é, massificam por natureza.

Em segundo lugar, crianças e adolescentes simplesmente não têm a maturidade necessária para decidir o que é bom ou apropriado para si. Só um adulto com um certo grau de cultura tem essa maturidade. Dê-se, por exemplo, um computador para uma criança ou adolescente. O que eles vão fazer com ele? Ora bolas, vão brincar e se divertir, e isso é absolutamente normal. Isto é, não vão usar o aparelho para nada de sério – a não ser que um professor, ignorante do mal que faz para seus alunos, e o perigo ao qual os expõe, exija alguma tarefa usando a Internet. Mas, terminada a tarefa, o aluno vai imediatamente usar o computador e a Internet para coisas que, na quase totalidade das vezes, não são sadias. Dar um computador para uma criança ou adolescente é um crime educacional, veja-se meu artigo

www.ime.usp.br/~vwsetzer/um-laptop-por-crianca.html

Nesse artigo eu cito uma reportagem do New York Times, mostrando que várias escolas americanas estão proibindo os alunos de trazerem laptops para a escola, pois isso estava prejudicando enormemente o ensino.

Vejam-se as dificuldades crescentes que os professores estão tendo para ensinar seja lá o que for. Em grande parte, a dificuldade dos alunos se concentrarem na aula e o desrespeito com que tratam o professor são consequências diretas do uso dos meios eletrônicos. Nós temos que mudar algo para melhorar o futuro da humanidade. Essa melhora passa necessariamente por colocar os meios eletrônicos em seu devido lugar. Por exemplo, talvez a partir da 8a série, usar um vídeo para ilustrar alguma coisa. Só que é necessário compreender que as telas induzem um estado de sonolência, de modo que essa ilustração deve ser muito breve, entremeada de discussões. A TV, a maior tragédia que já aconteceu à humanidade (metade dela é bestificada todos os dias por esse aparelho), nunca funcionou como veículo educacional porque ela sempre foi mal usada.

DC – Para o Sr., essa iniciativa melhora ou piora o trabalho do professor?

VWS – Piora enormemente. Em lugar de o professor dar aulas interessantes, que entusiasmem seus alunos, o uso de meios eletrônicos é usado justamente porque o professores não têm essa capacidade. É uma tragédia que um aparelho possa atrair mais um aluno do que uma pessoa humana. Isso simplesmente mostra que essa pessoa não tem capacidade educacional – ou que os alunos estão mentalmente corrompidos e não conseguem mais prestar atenção a uma aula decente.