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ENTREVISTA "GAMES VIOLENTOS: CENSURAR OU NÃO?"
PARA O JORNAL DO CAMPUS DA USP

1. Introdução

Em 26/8/11 gravei uma longa entrevista, conduzida por duas jornalistas do Jornal do Campus da USP, Mayara Teixeira e Ana Elisa Prado que, a partir dela, compuseram uma matéria, publicada na edição da primeira quinzena de agosto de 2011, Ano 30, No. 383, p. 2, disponível na Internet. O Jornal do Campus é um jornal "produzido pelos alunos do 4o semestre do curso de jornalismo matutino, como pare da disciplina Laboratório de Jornalismo Impresso II" (p. 2). Ao lado de minha entrevista, aparece no jornal a dada por Gilson Schwartz que, claramente, refere-se principalemente a adultos e não a crianças e adolescentes, como se pode ver na sua entrevista. No item 2 abaixo apresento inicialmente a matéria como foi publicada, na íntegra. Essa versão me foi enviada, e imediatamente enviei correções e melhorias para ela, apresentadas aqui no item 3, que, como se pode verificar, não foram incorporadas no artigo.

As entrevistas de Gilson Schwartz e a minha são precedidas pelo seguinte texto, copiado do site referido acima:

'No dia 22 de julho, Anders Behring Breivik chocou a Noruega ao executar 77 pessoas em dois ataques. Motivado por razões xenofóbicas, o atiradorreconheceu ter jogado certos games para treinar disparos, que foram banidos nacionalmente. A atitude não é inédita. Em episódios semelhantes,o comportamento violento dos agressores foi atribuído aos estímulo de jogos eletrônicos: os autores do ataque à escola de Columbine em1999 eram fãs do jogo “Doom”, criticado por seu realismo, enquanto Mateus da Costa Meira, que executou três pessoas em um cinema em SãoPaulo no mesmo ano, teria citado “Duke Nukem 3D”, proibido no Brasil.'

2. Versão publicada

Os jogos violentos são muito rápidos e, portanto, o jogador tem que desligar o pensamento consciente. Ele tem que reagir de maneira absolutamente automática e isso é muito ruim, porque o ser humano vai ser tanto mais humano quanto mais ele pensar antes de agir. E aí se entende muito dos casos de violência de jovens que ficaram jogando esses jogos durante muito tempo em um estado de inconsciência, exaustão e estresse. De repente, começam a agir como foram condicionados pelo jogo, porque todas suas ações ficaram gravadas no inconsciente e no subconsciente. Embora lembre poucas, o ser humano grava todas suas vivências.

É muita ingenuidade achar que uma pessoa, um jovem principalmente, jogando horas e horas de jogos violentos não vai sofrer nenhuma influência.

Muitos são favoráveis ao uso desses jogos como ferramenta pedagógica, mas eu não acredito nisso. Devemos pensar se não há outros meios mais saudáveis. Para que uma coisa virtual se podemos deixar a criança em contato com a realidade? Enfim, para quê um aparelhinho que ela não vai conseguir compreender?

Por natureza, sou contra proibição. No entanto, tenho que reconhecer que precisamos proibir. Mas, quem vai proibir? Não é o governo que deveria sancionar, a sociedade deveria pedir uma lei e não apenas esperar uma iniciativa do governo. Porque o governo é um monte de burocrata sentado atrás de escrivaninhas que não entende nada de realidade.

Ninguém duvida que estamos destruindo a natureza. Só que pouca gente percebe que estamos destruindo a humanidade. Destruindo as crianças e os adolescentes, que serão adultos desajustados. Ao jogar por muito tempo, existe uma destruição física e também uma destruição psicológica das pessoas: o ser humano não foi feito para ficar parado, foi feito para se movimentar sempre, mas todos esses meios eletrônicos nos forçam a isso.

Por isso precisamos ter muita consciência de como esses aparelhos são e como a gente usa. Acho que tem que ter liberdade, mas ao mesmo tempo um desenvolvimento da consciência para usar essa liberdade positivamente.

3. Versão corrigida e melhorada

Os jogos violentos são muito rápidos e, portanto, o jogador tem que desligar o pensamento consciente. Ele tem que reagir de maneira absolutamente automática e isso é muito ruim, porque o ser humano é tanto mais humano quanto mais ele pensa antes de agir. Os animais não fazem isso, agem por instinto ou por condicionamento. E aí se entende muitos dos casos de violência de jovens que ficaram jogando esses jogos durante muito tempo: em um estado de inconsciência, exaustão ou estresse podem começar a agir como foram condicionados pelo jogo, porque todas suas ações ficaram gravadas em seu inconsciente ou subconsciente. O ser humano grava todas suas vivências, embora se lembre de poucas.

A TV condiciona pelas imagens, por isso houve um casamento perfeito dela com a publicidade. Os jogos eletrônicos são muito piores, pois eles condicionam também pelas ações, induzindo respostas automáticas. É muita ingenuidade achar que uma pessoa, um jovem principalmente, jogando horas e horas de jogos violentos não vai sofrer nenhuma influência. Já está mais do que provado, por estudos científicos, que violência na TV e nos jogos eletrônicos induz atitudes agressivas que podem ir de uma agressão verbal a, em casos extremos, até homicídios. Quanto a esses, e a muitos outros efeitos, veja-se em meu site o artigo "Efeitos negativos dos meios eletrônicos em crianças, adolescentes e adultos", com farta citação de artigos científicos. Muitas pessoas são favoráveis ao uso desses jogos como ferramenta pedagógica; em minha opinião, qualquer benefício – por exemplo, aprender inglês – é ultrapassado infinitamente pelos prejuízos. Assim, devemos pensar se não há outros meios mais saudáveis. Para que usar algo virtual se podemos deixar a criança em contato com a realidade? Por que usar um aparelhinho que ela não vai conseguir compreender?

Por natureza, sou contra proibições. No entanto, tenho que reconhecer que em geral há muito pouco conhecimento e cultura, portanto precisamos proibir. Mas, quem vai proibir? A iniciativa deveria ser da sociedade, porque o governo é composto por burocratas sentados atrás de escrivaninhas, que não entendem praticamente nada da realidade – vejam-se os desastres educacionais que eles estão produzindo.

Ninguém duvida que estamos destruindo a natureza. Só que pouca gente percebe que estamos destruindo a humanidade. Uma das ações mais efetivas nessa direção é destruir mental e emocionalmente a infância e a juventude, pois assim se criam futuros adultos desajustados. Ao jogar por muito tempo, ou com frequência, ocorre uma destruição física e também uma destruição psicológica das pessoas. Fisicamente, o ser humano não foi feito para ficar parado, foi feito para se movimentar sempre, a menos das horas de sono porém, nesse estado, as funções metabólicas diminuem; mas todos os meios eletrônicos com tela forçam uma atitude estática. Psicologicamente, uma das piores consequências dos jogos violentos (de longe os mais jogados por jovens) é a dessensibilização que eles provocam, por exemplo prejudicando a capacidade de ter compaixão. Aliás, a origem deles é justamente essa: dessensibilização dos soldados do exército americano. Existe um "psicologismo" que diz que os jogos violentos podem ter um efeito de catarse, dando vazão a instintos e com isso produzindo pessoas mais controladas ou calmas; infelizmente, não há nenhum estudo científico comprovando isso.

Precisamos ter muita consciência do que esses aparelhos são, como eles são usados e seus efeitos sobre os usuários. As máquinas podem nos libertar das forças físicas interiores e exteriores a nós (veja-se meu ensaio "A missão da tecnologia"). No entanto, o que está ocorrendo é que elas estão nos aprisionando. Para colocar as máquinas em seu devido lugar, é preciso conhecê-las e ter muita consciência em seu uso, o que é impossível ocorrer com crianças e adolescentes, pois se isso ocorresse eles teriam indevidamente a maturidade dos adultos – e que falta a muitos destes últimos.