Instituto GRPCOM (Grupo Paranaense de Comunicação)
BOLETIM TELEVISANDO
Edição 2 – 31/7/15

NOVAS TECNOLOGIAS E EDUCAÇÃO: PARCERIA QUE FUNCIONA?

Entrevista feita por Claudia Guadagnin
(V.W.Setzer fez revisões da sua parte para esta versão)

Uma pesquisa recente do Hospital das Clínicas de São Paulo aponta que oito milhões de brasileiros apresentam sintomas de dependência de internet, o que corresponde a 4% da população nacional. Outro estudo, feito agora pela consultoria ATKearney, mostrou que 71% dos usuários de internet no Brasil ficam ao menos uma hora conectados todos os dias, 51% passam o dia online e 20% utilizam a internet mais de dez vezes ao dia.

Especialistas e a sociedade ainda se dividem na defesa de argumentos contrários e favoráveis ao uso das novas tecnologias e os benefícios que elas fornecem à educação. A seguir, para facilitar a construção da sua opinião, entrevistamos Valdemar Setzer, professor da USP (Universidade de São Paulo) e contrário ao uso da rede por crianças e jovens com menos de 17 anos e Gláucia Brito, da UFPR (Universidade Federal do Paraná), que defende o aproveitamento consciente da internet desde a infância.

Valdemar Setzer é engenheiro eletrônico formado pelo ITA (Instituto Tecnológico de Aeronáutica), fez doutorado em Matemática Aplicada pela Escola Politécnica da USP (Universidade de São Paulo) e foi professor titular no Departamento de Ciência da Computação do Instituto de Matemática e Estatística da Universidade. Aposentou-se em 1995, mas continua orientando alunos e ministrando aulas na instituição. Atualmente, exerce extensa atividade como palestrante sobre história e aspectos filosóficos da computação, da tecnologia e dos meios eletrônicos e educação.

Gláucia Brito é graduada em Letras Português Inglês pela Faculdade de Educação, Ciências e Letras de Cascavel, especializada na Metodologia de Ensino Tecnológico, pela Universidade Tecnológica Federal do Paraná, mestre em Tecnologia pela mesma instituição e doutora em Linguística, pela Universidade Federal de Santa Catarina. Atualmente, é professora da Universidade Federal do Paraná.

Dados da UNESCO mostram que no Brasil, 78% das crianças e adolescentes de nove a 16 anos têm pelo menos um perfil nas redes sociais. O país fica em segundo lugar no ranking mundial e 21% desse total compartilham endereços particulares no perfil. Qual a razão para os altos índices?

Valdemar – A internet apresenta um grande risco de causar dependência e é nociva para crianças e adolescentes, que não conseguem fazer dela um uso consciente e responsável. Uma pesquisa recente feita nos Estados Unidos mostrou que 12,5% dos norte americanos são dependentes da internet e essa realidade já se instala no Brasil, como mostram os números. Os alvos mais fáceis são crianças e jovens. Até os 17 anos, o indivíduo não tem discernimento, consciência, senso crítico e capacidade para distinguir o que é falso do verdadeiro, o bom do mal, o belo do feio, o saudável do prejudicial. São ingênuos e, por isso, o ideal seria que não tivessem contato com a rede tão cedo. Além disso, não têm o autocontrole que nem mesmo muitos adultos estão exercendo ao usarem a Internet.

Gláucia – Pela lei, o uso das redes sociais por crianças de até 13 anos é proibido. Se permitirem, os pais precisam acompanhar de perto como é feita a utilização. Quando precocemente e mal aproveitados, os canais oferecem riscos e os familiares e as escolas precisam fazer um trabalho de conscientização para lembrar crianças e jovens das ameaças a que estão expostos.

Estimativas da UNESCO revelam que 20% das crianças e adolescentes que utilizam a internet já tiveram contato com algum tipo de mensagem de ódio ou violência, 17% com o uso de drogas e 16% com métodos para emagrecer. Quase 80% dos usuários da internet no Brasil têm entre dez e 15 anos e a maioria dos acessos é feito em casa, normalmente, em locais privados, como nos quartos. O que o comportamento representa?

Valdemar – A função do adulto e da escola é fundamental para conduzir o uso responsável, porque as chances de mensagens como essas chegarem pela internet e provocarem efeitos gravíssimos é muito maior. Instalar um computador no quarto do jovem é um erro. Dar às crianças livre acesso à rede por meio de dispositivos móveis é outro ainda maior, porque controlar o que é visto e acessado é muito mais difícil. Se o pai quer dar um celular à criança, que é útil só a partir de 10 ou 12 anos, que faça isso sem fornecer a ela um pacote de dados. É um grande erro pensar que para ser brilhante no mundo atual uma pessoa precisa estar conectada desde os primeiros meses de vida. O que ocorre hoje é uma indução por um consumo cada vez mais precoce pelos fabricantes e pela indústria da publicidade. A internet é muito perigosa e produz dependência como qualquer outra droga, como o cigarro ou o álcool, por exemplo. Ela é útil, mas quando aproveitada por pessoas maduras e críticas.

Gláucia – Vivemos em uma sociedade de informação e não podemos impedir que as crianças, que nasceram nesta era, se afastem dos recursos. O acesso a essas informações sempre existiram. As crianças podem saber sobre a existência de drogas na porta da escola ou pela internet. A diferença de antigamente para agora é que mais informações estão disponíveis para serem consultadas por qualquer pessoa a qualquer momento. O fundamental é que o consumo deste conhecimento seja orientado pela comunidade e os professores. O adulto é peça chave nesta condução.

Existe uma idade mínima para iniciar o contato a tecnologia? Como utilizá-la com consciência?

Valdemar – Com certeza. Até os sete anos, a criança deve ser primordialmente vida. É um ser de vontade, precisa descobrir o mundo e o universo tecnológico não contribui com este aprendizado. Em um mundo ideal o jovem não deveria ter acesso livre à internet antes dos 17 anos. Depois disso, tem o mínimo de maturidade para se proteger -- se bem que mesmo uma boa parte dos adultos não estão se controlando no uso dos meios eletrônicos; em vez de dominá-los, estão sendo dominados por eles. Com crianças e adolescentes a situação é muitíssimo pior, trágica mesmo.

Gláucia – Não acho que exista. Hoje em dia, desde o momento em que nascem, já na maternidade, muitas crianças são expostas nas redes sociais pelos pais. Também temos que considerar que lidamos com uma geração diferente, que pensa diferente. Recentemente, vi uma notícia sobre um garoto de 14 anos que ganha R$ 100 mil por mês graças a um aplicativo que desenvolveu para vender material escolar. Os pais perceberam o interesse e talento da criança e souberam conduzir. Permitir a utilização passiva é que é errado. Também vejo que durante os contatos familiares a criança precisa deixar o tablet ou celular de lado e participar das conversas. Um dia demonizaram a Televisão, hoje são as tecnologias móveis as vilãs. É preciso considerar que estamos inseridos numa cultura digital e não podemos ignorar isso. As crianças veem os pais usando a internet, fazendo compras online e vão querer fazer igual.

A partir de uma pesquisa realizada com educadores em mais de 20 países, a UNESCO montou um roteiro para transformar os aparelhos móveis, como telefone celular, tablets e smartphones, em ferramentas pedagógicas. Na avaliação do órgão internacional, o acesso à tecnologia facilita a aprendizagem e auxilia o professor em escolas regulares, de ensino técnico à pré-escola. Você concorda?

Valdemar – Defendo que o que funciona nas escolas é dar computadores e conhecimento aos professores, e não aos alunos. Pesquisas realizadas em diferentes partes do mundo, como na Alemanha, mostram que esta é a melhor estratégia. Quanto mais crianças e adolescentes usam computadores e Internet, em média pior o rendimento escolar. Em sala, tendo o educador munido de conhecimento, o melhor é o método tradicional, com quadro negro e giz. Um dia li uma reportagem em que o Steve Jobs [ex-diretor executivo da Apple] dizia que não deixava os filhos usarem o Ipad. Ele limitava o uso das tecnologias pelas crianças, que tinham entre seis e 17 anos. Conhecia os riscos da tecnologia. E essa não era uma preocupação só dele. Existe uma escola chamada The Waldorf School of the Península, na Califórnia, que é muito procurada por executivos de grandes empresas de tecnologia do Vale do Silício. Lá, as crianças não estudam com computadores e são desenvolvidas na totalidade. Os seus pais sabem o mal que esses aparelhos podem causar.

Gláucia –Um dos problemas é o nível de preparo do professor para utilizar as tecnologias com qualidade. Já nas universidades elas são pouco utilizadas. Um professor pode chegar em sala e encontrar um tablet por aluno, mas não saber como fazer um uso inteligente. Muitos, por outro lado, têm boa vontade, mas encontram a carência de recursos. A estrutura é tão precária que desistem de utilizar. Para todas as escolas passarem a viver uma cultura digital precisam investir em estrutura e na formação dos educadores.

Quando a tecnologia atrapalha e como enxerga a educação do futuro?

Valdemar – Atrapalha quando é usada por pessoas imaturas. Sobre a escola do futuro, vejo como um espaço humanizado e não tecnológico. Todos os aparelhos tecnológicos induzem a um estado de apatia e incentivam a mentalidade materialista e consumista. A metodologia Waldorf é um caminho possível para construir uma sociedade mais madura e consciente. Neste método, que surgiu na Alemanha em 1919, a tecnologia não é utilizada por crianças precocemente. Ela enxerga o ser humano de uma maneira global, holística, não somente intelectual. Entende que o ser global não é só formado por um intelecto, é composto também da parte emotiva, física, motora, espiritual. A ênfase da metodologia está no ensino artístico e no convívio social. Essas escolas normalmente acompanham a criança até o fim do Ensino Médio. O aluno não é reprovado nem penalizado por se interessar mais por uma disciplina e menos por outra.

Gláucia – Atrapalha se professor não souber usá-la e se ela não estiver inserida em seu planejamento. Neste caso, ela pode atrapalhar e até piorar a aula. Não me arrisco a imaginar o cenário do futuro porque, em 1992, eu achava que em 2010 não precisaria falar mais sobre a importância do investimento na estrutura e na formação do professor. Continuo falando. Não sei como será a educação do futuro, mas tenho certeza de que o professor vai ser sempre fundamental. Será o mediador e o responsável por planejar o que fazer com todas as informações que absorvemos que, com certeza, serão maiores a cada dia.

De que forma acredita que o conhecimento pode ser estimulado em um tempo em que a tecnologia é cada vez mais presente e parece até indispensável?

Valdemar – A leitura sempre é a melhor alternativa, pois é a que incentiva a imaginação e mais preserva a liberdade do receptor, que pode ler em seu ritmo, repetir à vontade etc. Quando aparelhos com tela exibem imagens em movimento, é impossível criar as próprias imagens, o pensamento e a consciência ficam abafados. Os conhecimentos estão nos livros e devem ser sempre buscados. E as tecnologias também são válidas, como já disse, se utilizadas com muita consciência, por exemplo apenas como breve ilustração (3-4 minutos) para as aulas, depois de certa idade (pelo menos a partir da 7a série; antes disso o mais importante é criar imaginações nos alunos) e por pessoas responsáveis. Se os pais não querem que seus filhos se tornem dependentes e sejam prejudicados pelos malefícios da rede, que tenham moderação ao utilizar os dispositivos na frente das crianças. Até os 7 anos elas agem por imitação e, se veem os pais fazendo, vão repetir. É preciso muito cuidado.

Como os educadores podem inserir redes sociais ou outros aplicativos em seus planos de aula?

Gláucia – É necessário planejar. O professor pode usar Blog, Twitter, Whatsapp, Facebook. Pode estar inserido nas ferramentas que desejar. É importante apenas que atente para as leis de uso de cada um e seja criativo ao propor atividades com os alunos. O Whatsapp, por exemplo, pode ser usado para trabalhar síntese e micro contos. Os alunos também podem sugerir alternativas, abordagens e cabe ao professor avaliar se aplicar a ideia é uma estratégia produtiva. Ensinar os alunos a fazer pesquisa na internet e, quando utilizarem alguma ideia encontrada na rede, fazerem a citação, também é fundamental. Paulo Freire um dia disse que o professor tem que ser "professor do seu tempo". Estar atualizado, não perder oportunidades e ter em mente que os alunos de hoje em dia não são mais os alunos de dez anos atrás é fazer isso. Não aprendemos mais como antigamente e precisamos inovar, crescer, progredir, evoluir e as tecnologias nos ajudam nisso.