O Ensino de Informática para Crianças:
Um Crime contra a Humanidade?

Valdemar W. Setzer
vwsetzer@ime.usp.br -  http://www.ime.usp.br/~vwsetzer
(Publicado em PCWorld, Junho de 1998, No. 72, pg. 30)

Existe a necessidade?

Os pais e avós das atuais crianças não tiveram um aprendizado de informática quando crianças. Portanto, ele não é necessário para a vida adulta e profissional atual. Um argumento muito usado é que hoje em dia quem não sabe informática não pode ser um bom profissional em qualquer área. Isso pode até ser verdade, mas o argumento é falacioso em termos de justificar o aprendizado durante a infância ou juventude. Basta novamente examinar os pais e avós das atuais crianças. Eles aprenderam informática fazendo algum cursinho específico, recebendo um rápido treinamento na empresa em que trabalham, ou sozinhos em casa. Essa última modalidade será cada vez mais empregada, pois os sistemas de software estão ficando com interfaces com o usuário melhores e mais simples. Como exemplo, o novo Sistema de Atendimento aos Clientes (SAC) da TVA, produzido pela PCA Engenharia de Software, onde demos consultoria, reduziu o tempo de treinamento dos atendentes de 3 meses para 2 semanas. Isso foi devido ao sistema auto-explicativo de janelas do Windows, que substituiu a interface anterior padrão GUI sobre MS-DOS. O manual do usuário, cuja confecção orientamos, nunca foi usado - as telas dispensam-no. Assim, cada vez menos será necessário conhecer informática para se conseguir um bom emprego: logo as empresas perceberão que o que é necessário é ter um pouco de raciocínio lógico e capacidade de estudo - o aprendizado será feito individualmente diretamente sobre os sistemas a serem usados. Além disso, é ridículo achar que o que uma criança aprende hoje de informática será útil quando ela for adulta: há 5 anos praticamente não existia a WWW; não se pode prever como serão os sistemas de software e os computadores daqui a 5 anos.

O prejuízo para as crianças

A não-necessidade não leva por si só à conclusão de que não se deve ensinar informática. Vejamos por que isso é verdade.

Observando-se uma criança usando um computador, logo salta à vista uma atitude pouco infantil: ela está sentada, fazendo apenas pequenos movimentos das mãos e dedos - movimentos mecânicos, como se fosse uma máquina. Esperar-se-ia que uma criança dessas não parasse de correr de cá para lá, que estivesse jogando bola, pulando corda, empinando pipa, brincando socialmente de esconde-esconde - enfim, em atitudes que a levassem a aprender o que realmente importa. Isso, até os 7 anos, poderia resumir-se em orientação espacial, coordenação motora e fantasia.

E a atitude interior? É impossível usar um computador sem dar à máquina comandos para que ela efetue as ações que se deseja, e a execução é determinista, sempre a mesma. Esses comandos constituem uma linguagem formal, lógico-simbólica. Cada comando dado à máquina (como por exemplo acionando o ícone de alinhar um parágrafo verticalmente) produz a execução de ações matemáticas - de fato, o computador é uma máquina matemática, trabalhando em um espaço puramente mental (tudo o que ela faz foi pensado matematicamente e seu funcionamento transcende os materiais físicos que a compõem). Assim, ao dar-se comandos para o computador, deve-se exercer um raciocínio que na essência é matemático (mais precisamente, algorítmico) através de uma linguagem lógico-simbólica.

Ora, esse raciocínio e essa linguagem não são próprios de crianças; é desejável que qualquer adulto possa executá-los, mas forçá-los em crianças é fazer com que estas comportem-se como adultos, e adquiram atitudes e pensamentos de adultos.

Infelizmente, não podemos, por falta de espaço, abordar outras aspectos dos computadores, altamente prejudiciais à crianças, como a indução de indisciplina mental e de estados obsessivos. Os aspectos de forçar um raciocínio matemático e uma linguagem formal bastam para caracterizarmos o maior crime contra a humanidade representado pelo ensino de informática às crianças: rouba-se-lhes sua necessária infância, forçando-as a pensarem e agirem parcialmente como adultos. Não se pense que outras atividades possam compensar essas atitudes anti-infantis. Criança deve ser sempre infantil; o roubo, mesmo que parcial, de sua infância, provocará mais tarde transtornos psicológicos e sociais talvez irreparáveis. Em particular, tememos por uma futura admiração ou adoração pelas máquinas, e a idéia de que as estas são melhores do que os seres humanos e, estes, máquinas imperfeitas. Os horrores sociais deste século, como o nazismo, o stalinismo, o pol-potismo e outros serão fichinha perto do que esses futuros adultos farão com seus semelhantes - afinal, máquinas não têm moral. Para mais detalhes, vejam-se nossos artigos vinculados de nossa home page.