COMENTÁRIOS SOBRE ARTIGO
"A FAVOR DOS VIDEO GAMES", DE STEPHEN KANITZ,
SOB FORMA DE CARTA ABERTA AO AUTOR

Valdemar W. Setzer
www.ime.usp.br/~vwsetzer
17/10/09; esta versão: 21/10/09

Olá, Stephen,

Roberto Pina Rizzo, que leu artigos meus onde me manifesto contra o uso de video games por crianças e adolescentes, enviou-me há pouco tempo o vínculo

www.kanitz.com/veja/videogame.as

a seu artigo "A favor dos videogames", publicado na Veja de 12/10/05. Não sei se desde aquela época você mudou de idéia a respeito dos games, mas acho que aquelas suas idéias merecem ser comentadas, pois provavelmente são comuns a muitas pessoas. Copio abaixo seu artigo na íntegra em negrito, parágrafo por parágrafo, intercalando em letras sem negrito meus comentários.

O cérebro humano é um órgão que absorve quase 25% da glicose que consumimos e 20% do oxigênio que respiramos. Carregar neurônios ou sinapses que interligam os neurônios em demasia é uma desvantagem evolutiva, e não uma vantagem, como se costuma afirmar.

Só que não se sabe como o cérebro funciona, e para que servem exatamente as sinapses e nem os neurônios. Não se sabe nem onde guardamos a representação do número 2... E se você tomar o conceito do 2, o que há de comum entre todas as representações do 2 (incluindo ii, II, ||, .., :, dois, due, dos, deux, two, zwei, dva, shtaim, etc.), trata-se de um conceito puro, sem representação simbólica. Dentro do infeliz modelo computacional usado hoje em dia para o cérebro, como "arquivar" algo que não tem representação simbólica?

Por exemplo, hoje em dia conhece-se, a partir de tomografias, que certas atividades mentais, emotivas ou volitivas tornam certas regiões do cérebro mais ou menos ativas. O máximo que se pode dizer nesses casos é que essas áreas participam daquelas atividades, mas jamais que estas se originam nessas áreas, já pelo fato de não se conhecer como e por que o cérebro e os neurônios funcionam. Aliás, a sabedoria da língua natural talvez dê uma indicação preciosa: ninguém diz "meu cérebro pensa" mas "Eu penso".

Assim, qualquer argumentação usando a estrutura do cérebro é falha. E perigosa, pois podem-se ignorar processos importantes desconhecidos.

Todos nós nascemos com muito mais sinapses do que precisamos. Aqueles que crescem em ambientes seguros e tranqüilos vão perdendo essas sinapses, que acabam não se conectando entre si, fenômeno chamado de regressão sináptica.

Imagine! Crianças devem justamente crescer em ambientes seguros e tranquilos! A criança nasce com uma extrema confiança no mundo, e qualquer coisa ruim, feia e/ou falsa é uma decepção imensa para ela. Lembra-se da musiquinha "Criança feliz, feliz a brincar / feliz a embalar, seu sonho infantil ..."? Pois é, é isso aí! Criança deve ser sempre feliz, sem contato com as misérias do mundo como a violência; deve brincar, e não estudar formalmente como adolescente ou adulto; deve ser sonhadora, isto é, fantasiar; deve sentir-se sempre segura, podendo apoiar-se na orientação firme dos adultos; etc. etc. Os estímulos, que devem obviamente existir, devem ser sempre adequados à idade, mantendo essas e outras características. Qualquer aceleração indevida do desenvolvimento poderá causar problemas mais tarde.

Portanto, toda criança nasce com inteligência, mas aquelas que não a usam vão perdendo-a com o tempo. Por isso, menino de rua é mais esperto do que filho de classe média que fica tranqüilamente assistindo às aulas de um professor. Estimular o cérebro da criança desde cedo é uma das tarefas mais importantes de toda mãe e todo pai modernos.

Depende do que você chama de inteligência. Será que jogar bem xadrez é uma mostra de que uma pessoa é inteligente? Você sabe por que xadrez é um jogo burro? Até computador joga bem... (Isso foi uma piadinha, não estou querendo ofender os bons jogadores de xadrez.) Inteligência tem vários aspectos, como muito bem mostrou Howard Gardner em seu livro Inteligências Múltiplas. Aliás, Daniel Goleman mostrou em Inteligência Emocional que, para um sucesso profissional, muito mais importante do que a inteligência intelectual ou técnica é a inteligência social. Toda criança nasce com uma inteligência intuitiva fantástica para mamar e também para chorar quando não se sente bem, comunicando esse fato. Mas não é uma inteligência intelectual e consciente. É preciso muito tempo para que esse tipo de inteligência se desenvolva. Qualquer aceleração indevida nesse processo, como a feita pelos jogos eletrônicos, pode causar males muito grandes posteriormente – justamente na área mais importante hoje em dia, a mental.

Você está tratando os seres humanos como cérebros intelectuais ambulantes. Somos infinitamente mais do que isso. Estímulos são importantíssimos mas, como eu já disse, devem ser sempre adequados à idade. Em termos do cérebro, assunto que lhe atrai, antes de haver uma mielinização completa, o que se dá ao redor do 7 anos, não se deve forçar o cérebro a exercer certas funções, como o raciocínio lógico formal. É isso que o computador sempre faz, em qualquer aplicação, incluindo os games. A partir daquela idade, o desenvolvimento desse tipo de raciocínio, incluindo aprender a ler e a escrever, deve ser um processo muito lento. É por isso que uma criança leva talvez 1.000 horas de estudo para aprender aritmética, quando do ponto de vista de memorização com o intelecto já desenvolvido talvez 10 horas seriam suficientes. Essa questão da imaturidade do cérebro é o argumento principal do livro da psicóloga de Harvard Jane Healey, Endangered Minds, contra a excitação cerebral precoce produzida pelos meios eletrônicos.

Sempre fui a favor de videogames, considerados uma praga pela maioria dos educadores e pedagogos. Só que bons videogames impedem a regressão sináptica, porque enganam o cérebro fazendo-o achar que seus filhos nasceram num ambiente hostil e perigoso, sinal de que vão precisar de todas as sinapses disponíveis. O truque é encontrar bons jogos, mas não é tarefa impossível.

Esse seu argumento é falho, justamente devido à parcialidade dele e ao desconhecimento que se tem do funcionamento do cérebro e do ser humano em geral, principalmente das relações e condições mentais, emotivas e volitivas. Além disso, o seu argumento poderia muito bem ser usado para jogos violentos, que são a maior parte dos jogados por crianças e jovens, principalmente meninos.

Pode ser até que os jogos treinem certas sinapses, mas seria necessário provar que isso é um bem; e mesmo se fosse, certamente acabam produzindo outros efeitos, em minha concepção muito ruins. Por exemplo, que tipo de sinapses deveriam ser incentivadas em cada idade? Como se desenvolvem sinapses específicas? Qualquer vantagem no uso dos games é suplantada enormemente pelas desvantagens. Para várias delas, leia meu artigo

www.ime.usp.br/~vwsetzer/efeitos-negativos-meios.html

onde cito dezenas de artigos científicos corroborando minhas posições contra o uso de meios eletrônicos por crianças e adolescentes.

O primeiro videogame que comprei para meus filhos foi o famoso SimCity, um jogo em que você é o prefeito de uma pequena vila, e, dependendo de suas decisões, ela pode se tornar uma megalópole ou não. Se você for um péssimo prefeito, a população se mudará para a cidade vizinha, e fim do jogo. Em vez de eleger prefeitos, seria muito melhor se empossássemos o vencedor do campeonato de SimCity em cada cidade.

Qualquer jogo de simulação, como esse, usa modelos matemáticos de simulação, que são obviamente incompletos e não tem nada a ver com a realidade real. Alguém já simulou o fogo em um computador e saiu correndo de medo de se queimar? Além de outros problemas, jogos de simulação da realidade produzem uma falsa idéia da mesma. Para um adulto isso pode não ser muito ruim, pois ele já formou sua imagem interior da realidade e, se tiver uma boa cultura, pode reconhecer o que é uma simulação falha e parcial. Mas crianças (que até os 8 anos não dintinguem claramente entre fantasia e realidade) e adolescentes estão justamente formando imagens e conceitos interiores do que é a realidade. As simulações darão uma falsa idéia dela, com eventuais prejuízos muito grandes para a vida futura. Por exemplo, muitos jogos violentos, especialmente os ego shooters, apresentam crimes sem castigo. No caso de SimCity, provavelmente o jogador pode manipular cidades e pessoas de maneira totalmente amoral, sem levar em conta o sofrimento que isso poderia causar nos habitantes e os desastres ecológicos resultantes se a manipulação fosse feita na realidade. Isso é péssimo para um jovem.

Um dia eu estava brincando de "prefeito" quando meus filhos de 11 e 13 anos de idade, analisando meu "planejamento urbano" inicial, balançaram a cabeça em desaprovação: "Tsk, tsk, tsk. Pai, daqui a cinqüenta anos você vai dar com os burros n'água". Eu, literalmente, caí da cadeira. Quantos de nós, aos 11 anos, tínhamos consciência de que atos feitos na época poderiam ter conseqüências nefastas cinqüenta anos depois? Quantos de nós pensaríamos em prever um futuro para dali a cinqüenta anos?

O que você acha vantagem eu acho péssimo. Criança não deveria ter essa noção. Criança vive essencialmente no presente, e não deveria preocupar-se com o futuro. Note, além disso, como seus filhos estavam tirando uma conclusão lógica, determinista, típica do computador. A realidade não é assim! Por outro lado, é até possível que tivessem sido condicionados a pensar da maneira como o fizeram, em lugar de chegar à sua conclusão por experiência da realidade, por raciocínio e em liberdade.

A lição que me deram com o famoso videogame Mario Brothers foi ainda melhor. Não tendo a paciência de meus filhos, eu vivia cortando caminho pelos vários atalhos existentes no jogo, quando novamente me deram o seguinte conselho: "Não se podem queimar etapas, senão você não adquire a experiência e a competência necessárias para as situações mais difíceis que estão por vir". A frase não foi exatamente essa, mas foi o suficiente para me deixar com os cabelos em pé. Dois garotos estavam me ensinando que cada etapa da vida tem seu tempo e aprendizado, e nela não se pode ser um apressado.

Será possível, Stephen? Seus filhos usaram uma expressão e um conceito típicos de adultos! Em outras palavras, eles já tinha perdido parte de sua necessária infância. Criança não deve ser crítica, deve ser inocente e ingênua e achar tudo bom, e é assim que ela adquire autoconfiança e energia para enfrentar as agruras do mundo quando entrar mais tarde em contato com elas – na hora certa! É óbvio que uma criança aprende a ser crítica, por exemplo levando um choque ao pôr o dedinho na tomada. Mas essa não é uma crítica intelectual, como seus filhos mostraram; é uma crítica da realidade, baseada em vivência da mesma.

No meu artigo mencionado acima, na seção 2 ("Riscos de doenças") eu cito um trabalho científico em que um garoto de 12 anos teve convulsões depois de jogar o Super Mario Brothers por 3 horas seguidas. Não conheço detalhes desse jogo e da versão anterior, citada por você; mas, se não me engano, são de ação, com violência; Mario e seu irmão tem que derrotar inimigos. Talvez você nunca tenha permitido que seus filhos jogassem 3 horas seguidas, se bem que duvido disso: se os jogos estavam disponíveis em casa, você não terá ficado o tempo todo controlando como seus filhos os usavam. Crianças não tem discernimento e autocontrole para escolher o que é adequado ou não, e pelo tempo adequado – o que torna, por exemplo, o uso da Internet por parte delas perigosíssimo. Isso foi muito bem mostrado por Gregory Smith em seu livro How to Protect your Children on the Internet, cuja tradução recomendei à Editora Novo Conceito, que está para publicá-lo – ver minha resenha dele em meu site, "Como proteger seus filhos e alunos da Internet". Mas se para uma criança sensível a isso aquele jogo faz tão mal depois desse tempo todo, como garantir que não faz um pequeno mal, mesmo com 2 horas ou 1 hora de uso, talvez com ½ hora, para pessoas que não tem essa sensibilidade?

No jogo Médico, as crianças aprendem a fazer um diagnóstico diferencial, a pior das alternativas sendo uma apendicite. Nesses casos, elas têm de operar "virtualmente" o paciente seguindo condutas médicas corretas. Um dos procedimentos é a assepsia da pele, e ai de quem não escovar o peito do paciente, com o mouse nesse caso, por três minutos, o que é uma eternidade num videogame e para uma criança. Quem gasta menos do que isso é sumariamente expulso do hospital por erro médico. Que matéria ou professor ensina esse tipo de autodisciplina?

É incrível! Isso é o tipo de coisa que criança não deveria aprender! Quanto tempo levou a humanidade para desenvolver sua capacidade intelectual e aprender o que é apendicite e que se deve fazer assepsia? A criança, que está refazendo a evolução mental, emocional e volitiva da humanidade, não deveria ter a capacidade de abstração intelectual para compreender algo que ela não vê, como as bactérias e vírus. Se ela tem essa capacidade, já teve um desenvolvimento intelectual indevido, que produzirá consequências nefastas mais tarde. É óbvio que devemos ensinar crianças a lavar as mãos antes de comer e talvez com uma certa frequência, mas o correto é contar uma historinha que mostre o que pode acontecer se ela não as lavar, sempre dentro universo não intelectual, mas imaginativo, da criança.

Em A-Train, o jogador é um administrador de empresa ferroviária. A criança tem de investir enormes somas colocando trilhos e locomotivas sem contar com muitos passageiros no início das operações. Aprende-se logo cedo que uma empresa começa com prejuízo social e tem de ter recursos para suportar os vários anos deficitários.

É fantástico! Achar que esse conhecimento faz bem para uma criança é desconhecer totalmente o que significa o desenvolvimento infantil. Vou citar um exemplo pessoal relacionado a esse assunto: jamais eu e minha esposa demos mesada para os nossos 4 filhos. Para chegar a isso, pensamos principalmente em três questões. Em primeiro lugar, como lidar com dinheiro não precisa ser aprendido muito cedo; o mundo ensinará isso automaticamente quando a criança for adulta. Em segundo, para que uma criança deve preocupar-se em economizar, o que fazer com o dinheiro, etc.? Vai ter que passar a vida inteira de adulto com essas preocupações, para que começar antes de isso ser necessário? Isso não ajuda em nada o desenvolvimento infantil e juvenil adequado. Em terceiro, o que uma criança faz com uma mesada? Compra aquilo que os pais não comprariam para ela! Mas isso é absolutamente antieducativo! Vou citar um exemplo pessoal. Nossa filha mais velha, atualmente com 43 anos, quis quando criança uma sandália de plástico, na época em que surgiu esse tipo de calçado. Minha esposa disse que não, pois não era sadio pisar sobre plástico, o material não era natural, etc., e ofereceu para comprar-lhe uma sandália de couro. Se ela tivesse mesada, teria usado o dinheiro indevidamente, em nossa conceituação. Quando cada um de meus filhos fez 18 anos, colocamo-lo em nossa conta bancária e demos-lhe um talão de cheques (não havia cartão magnético naquela época). Pois jamais tivemos problemas de exageros, pelo contrário! De vez em quando minha esposa sai com uma de minhas 3 filhas para fazer compras para ela, pois em geral elas não gostam de gastar em coisas dispensáveis. Meu filho tornou-se vice-presidente da Oracle Corp. com pouco mais de 30 anos, é agora é um construtor de sucesso de casas populares – apesar de não ter aprendido absolutamente nada da selva capitalista quando criança, pois procuramos protegê-lo ao máximo dessa miséria. E isso também está acontecendo com meus 6 netos, que são crianças super-infantis, como deveria ser. Dar mesadas para crianças achando que elas vão com isso desenvolver-se sadiamente, preparando-se para a realidade econômica do mundo, é uma falácia. Idem para o aprendizado do que é uma empresa.

Aos 12 anos, meus filhos já tinham noção de que os primeiros anos de um negócio são os mais difíceis, e controlar o capital de giro é essencial. Avaliar riscos e administrar o capital de giro, nem grandes empresários sabem fazer isso até hoje.

Lamentável! Para que uma criança deve sabe disso? Crianças não devem saber controlar o capital de giro e nem avaliar riscos abstratos! Isso não faz parte do universo infantil, e prejudica o desenvolvimento sadio de uma criança. É o tipo da coisa que deveria ser aprendido na universidade.

Na década de 60 tive a oportunidade de jogar um jogo de empresas da IBM, cujos lances eram processados durante a noite, em um computador 1401, curiosamente para os dias de hoje, com 4 ou no máximo 8 KB de dispositivo central de armazenamento (erradamente chamado de 'memória'). Pois no modelo matemático seguido por aquele jogo o investimento em pesquisas era o que dava mais ganhos a longo prazo, refletindo o a situação nos EUA, absolutamente não válida no Brasil, onde raras empresas faziam (e fazem) pesquisa. Nos EUA existe um endeusamento e em geral uma profunda crença na propaganda, o que também era refletico no jogo; nossa situação não deve certamente ser a mesma, apesar do condicionamento igual produzido pela TV.

Mais um ponto. Esses jogos simulando empresas, certamente bem ao estilo americano, devem despertar uma admiração pela selva capitalista desumana, pois foi certamente o modelo seguido na implementação. É isso que devemos inculcar nas crianças e jovens, ou uma esperança de tornar as empresas mais humanas e com mais consciência ecológica e social, com orientações para tal? Características básicas do capitalismo selvagem são motivações baseadas no egoísmo, na ambição e na ganância, todos impulsos absolutamente antisociais. Jogos eletrônicos com 2 ou mais jogadores, incluindo os de estratégia, são praticamente todos competitivos. Ora, competição é intrinsicamente antisocial, pois quem ganha fica contente, às custas de quem perde, que fica frustrado. Precisamos urgentemente ensinar apenas a cooperação, para mudar uma das mentalidades básicas que estão destruindo a sociedade.

Como em tudo na vida, é necessário ter moderação nas horas devotadas ao videogame. Mas ele é uma ótima forma de estimular o cérebro da criança e impedir sua regressão sináptica, além de ensinar planejamento, paciência, disciplina e raciocínio, algo que nem sempre se aprende numa sala de aula.

A mente – muito mais do que o cérebro – das crianças deve ser estimulada, mas com coisas próprias da infância. Claramente, você, como muitos dos pais de hoje em dia, não percebeu que em educação existe tempo para tudo. Isso é absolutamente claro em educação: não se ensina álgebra antes de aritmética, fisiologia antes de anatomia. Planejamento a raciocínio intelectuais não devem ser forçados em crianças, pois apelam para uma capacidade mental ainda não desenvolvida. Parece-me que os jogos eletrônicos desenvolvem muito mais a impaciência do que a paciência; certamente esse é o caso dos jogos de ação, onde a rapidez de reação, isto é, o automatismo, é essencial.

O que você fez com seus filhos, e o que muitos pais ansiosos fazem, foi acelerar seu desenvolvimento intelectual. Você talvez poderá dizer, e espero que o diga: "Mas o resultado foi ótimo, meus filhos são jovens normais e não dão problemas!" Só que você não pode afirmar que eles não seriam ainda melhores se não tivessem tido a aceleração intelectual que você os forçou a ter dando-lhes os jogos eletrônicos (e provavelmente TV, computador e Internet). Em minha conceituação, crianças sujeitas aos meios eletrônicos em geral desenvolvem um pensamento relativamente rígido, provavelmente tem um prejuízo na sua criatividade artística e social, tornam-se pessoas mais impacientes e com menos capacidade de concentração, etc. Duvido que seus filhos não jogaram algum jogo violento (era só emprestar de algum colega, ou comprar com a mesada...), como talvez tenha sido o caso com o Mario Brothers. Nesse caso, além daqueles e muitos outros prejuízos sutis, devem ter sido dessensibilizados em seus sentimentos até certo ponto, pois a origem dos vídeo games violentos foi simuladores de batalhas usados pelo exército americano para dessensibilizar soldados: um soldado ou policial dessensibilizado acerta 90% dos tiros; um que não o foi acerta 10%, pois tem repulsa natural de ferir ou matar outra pessoa. A esse respeito, veja o livro do Cel. Dave Grossman, Stop Teaching our Kids to Kill, e seu movimento Killology. Justamente hoje o que mais deveria ser desenvolvido, e o que mais falta, são a compaixão e o amor altruísta, justamente o que os jogos violentos não desenvolvem, pelo contrário. É a sua falta que está levando a humanidade aos graves problemas sociais atuais e à destruição da natureza!

Finalmente, você propõe moderação. Infelizmente, com aquilo que faz algum mal educacional ou no desenvolvimento das crianças, não há meio termo. Por isso nenhuma cantina escolar vende para os alunos cigarros ou bebidas alcoólicas, se é que os tem. Por isso, se você mora em São Paulo ou no Rio, você não deixou suas crianças brincarem na rua (a menos de ter morado em um condomínio fechado, com ruas). Tudo isso é radicalismo, e deve ser assim: o que faz mal para crianças e jovens deve ser evitado, ponto final. A nossa grande diferença é que eu conheço e reconheço os males causados pelos meios eletrônicos em crianças a jovens, e você não os conhecia ou não os reconhecia quando escreveu seu artigo. Se ainda pensa assim, quem sabe se você estudar o que escrevi a respeito você muda de idéia, seja com os inúmeros artigos em meu site como em meu livro Meios Eletrônicos e Educação: uma visão alternativa, da Ed. Escrituras (3Ş ed. 2005). A propósito, se não mudou de idéia desde que escreveu seu artigo, gostaria imensamente que você apontasse objetivamente onde estou errado em meu textos. É importante salientar que nossos pontos de vista são mutuamente exclusivos: um de nós está errado. Se eu estiver correto, pobres dos milhões de crianças e adolescentes cujos pais e professores foram enganados e entusiasmaram-se por aparentes benefícios da tecnologia na educação. E pobre da futura humanidade, quando esses jovens tornarem-se adultos. Nossa geração falhou redondamente, mas temo que o que fizemos de ruim terá sido fichinha perto dos males que esses jovens farão.

Stephen Kanitz é administrador por Harvard (www.kanitz.com.br)
Editora Abril, Revista Veja, edição 1926, ano 38, nş 41, 12 de outubro de 2005, página 22

PS: Stephen, se você quiser escrever comentando esses meus comentários, colocarei seu texto aqui nesta página. VWS.