Abaixo o computador!

Entrevista feita pela repórter comunitária Gláucia Galvão durante o Forum Mundial de Educação, realizado em São Paulo em abril de 2004, depois da sessão "O Computador como ferramenta alienante", para a qual V.W. Setzer foi convidado especial.
Publicada no "site" http://www.agentenarede.org. A versão abaixo foi revista por V. W. Setzer.

Quem imaginaria que o computador dentro das escolas fosse causar tanta polêmica. Será que o uso do computador por crianças é realmente benéfico? Na era da informação, esse tipo de pergunta parece não fazer sentido.

Mas para o polêmico professor Valdemar W. Setzer, da USP, esta é a pergunta que mais deve ser feita. Ele quer discutir a necessidade e a utilidade do computador para crianças e jovens.

"Não existe pesquisa científica que mostra os benefícios do uso do computador como ferramenta didática ou de lazer na infância", afirma com convicção o professor.

"Você pensa que usa o computador, mas freqüentemente é o computador que usa você." Principalmente no caso de uma criança, que, de acordo com Setzer, deve ouvir histórias, imaginar, inventar brinquedos para brincar.

Para perceber que o computador não é adequado para crianças nem na postura física, o professor sugere que observemos um usuário no momento em que está utilizando a máquina. "Fica-se sentado muito tempo, a atitude é sempre tensa, olhe como ficam as mãos e a postura. Raramente olham para os lados". Isso é postura para uma criança?

"Você não precisa pôr uma criança no andador para que ela aprenda a andar, ela vai ficar em pé e andar quando estiver desenvolvida o suficiente para isso. Pesquisas já mostraram que essa aceleção é prejudicial ao desenvolvimento. Com crianças, o computador é isso: uma muleta, um andador mental, que acelera o desenvolvimento intelectual antes da hora, o que é altamente prejudicial a longo prazo; em educação não se podem queimar etapas.", diz Setzer. "O computador é atrativo, porque é tornado joguinho eletrônico. O ensino deveria ser voltado à realidade formando imagens vivas na mente da criança."

Foram feitos há muito tempo na USP um programa educatiovo de levar jovens a um curso de um dia de introdução à informática. O professor relatou que os jovens com a faixa etária de 17 anos queriam saber a relação deles com a máquina, no que a informática poderia ajudar no futuro deles. Já a turma de 15, idade não muito distante de 17, só queria brincar com os computadores, mostrando que não há maturidade naquela idade para enfrentar essa máquina tão atraente pelo cosmético.

O professor alertou sobre o perigo de se amadurecer antes do tempo. Isso não significa que Setzer pretende radicalizar o mundo contra a informática. Pelo contrário, ele recomenda que os alunos aprendam o que é e como usar um computador nos últimos anos do ensino médio. Quanto ao argumento de que as crianças usam o computador em casa, ele diz: "Já repararam na cantina de uma escola, alguém já viu alguma cantina vender cerveja? Isso não acontece e jamais vai acontecer. Existe uma coerência na educação. Não significa que alunos não bebam cerveja em casa ou em festinhas, mas simplesmente não beberão na escola pois isso é contra a sua proposta pedagógica; da mesma forma, se se conclui comigo que o computador é prejudicial às crianças e jovens, a escola deveria ser coerente e não tê-lo, pelo menos até o ensino médio, e quanto mais tarde melhor - independente de ele ser usado em casa."

"Idealmente, o computador deve ser utilizado aos 17 anos", afirma. É nesta fase que o jovem começa a ter certa maturidade. Já se perguntou: Com quantos anos atingimos a maioridade, e por que só nesta idade temos certos privilégios que as outras idades não nos dão? "O jovem deve estar na fase de poder pensar matematicamente, como se fosse provar um teorema, pois em qualquer uso o computador força um raciocínio matemático, lógico-simbólico e o jovem tem que ter uma maturidade muito grande para se controlar, senão será dominado pela máquina", afirma o professor. Não é difícil notar o despreparo de um jovem quando vai prestar o vestibular. Como um pré-adolescente de 17, 18 anos vai definir o que realmente quer para o futuro de forma definitiva? Será que tem maturidade para saber o quer do vestibular?

Não é preciso dados estatísticos para percebermos que não são maduros o suficiente para tal. "Esse é um problema das nossas universidades, que deveriam ter um curso fundamental, englobando várias áreas profissionais, e adiar a escolha da profissão para mais tarde. O mesmo está sendo dado em relação ao uso do computador, que dentre outros malefícios dá uma sensação de poder pois tudo o que você comanda ele faz; essa sensação leva muitas vezes a uma profunda frustração, quando não se consegue fazer algo previsto com ele, buscar algo que se tem certeza que existe, etc. E se ele não consegue fazer você vai ficar tentando e continuar tentando até perceber que a vida e o tempo estão passando. É ele quem o controla, enquanto você tenta controlá-lo."

O professor Valdemar W. Setzer fez um paralelo a um outro consenso. "Com quantos anos você acha que alguém pode começar a dirigir um carro?" Para esta pergunta temos um consenso quase global na resposta. "Ninguém responde uma idade inferior entre 15 e 20 anos. Ninguém diz 10. Por quê? Porque a criança não vai ter coordenação motora, maturidade, etc. Esse consenso existe pois o automóvel provoca um desastre físico. Já o computador produz um desastre mental. E ninguém tem consciência disso.

De acordo com o professor, que é autor do livro "Meios eletrônicos e educação - Uma visão alternativa", da série Ensaios Transversais da Ed. Escrituras, que já está em sua segunda edição, "o dinheiro gasto com laboratórios de informática pode ser economizado e gasto com muitíssimo benefício e sem malefícios com atividades artísticas, como grupos teatrais, por exemplo. Toda boa atividade artística na educação dá resultados extraordinários." Na sessão O computador como ferramenta alienante, foram divulgadas diversas experiências em que os jovens tinham plena consciência do uso do computador como ferramententa na educação, em todos os seus aspectos tanto de aproximação de culturas, de exposição de idéias, uso de pesquisas e muito mais. As que aparentemente deram certo eram sempre com jovens de mais idade.

Porém, estes jovens conheciam museus, teatros, tinham conhecimentos musicais dos mais diversos níveis, etc. Para crianças, nada mais útil do que a liberdade de criação, sem a limitação pelo que o software do computador define atematicamente como válido. "Chega de ensino abstrato. Vejam o crime que se comete com crianças de cerca de 8 anos, definindo ilha como um pedaço de terra cercada de água por todos os lados. Nessa ilha não há praias, pedras no mar, árvores, pássaros, sol, não há cheiro de mar e de terra... na verdade nem se sabe direito como ela é. Ao contrário, podemos contar uma história acompanhada de desenhos no quadro negro, sobre alguém que afundou com seu barco, nadou até uma ilha, teve inúmeras peripécias e não conseguia voltar para casa. Com isso, fazemos as crianças imaginar uma ilha viva, e não a ilha absolutamente morta da definição. Qualquer definição mata a realidade. A 'realidade virtual' do computador é uma definição formal, mata a realidade."

A receita de Setzer: explicar as coisas de maneira diferente, fazer as crianças viverem uma história para, a partir daí, utilizar a criatividade e adquirir em tempo certo a maturidade da abstração de que realmente precisam para desfrutar com responsabilidade as máquinas, longe da destrutiva alienação e aumento da abstração - já que é uma máquina virtual - que o uso indevido do computador provoca. Tudo a seu tempo. Para as crianças, "devemos fazer um ninho para protegê-las, para adquirirem forças e lutarem mais tarde pela vida; a vida para uma criança deve ser boa e linda, senão, elas deixam de ser crianças."

O professor conclui dizendo: "A Internet dá uma liberdade indevida; uma criança ou jovem não têm capacidade para distinguir o que lhes é adequado ou não, caso contrário já perderam sua necessária infância ou juventude. A Internet está sendo abusada inclusive pelos adultos; estou recebendo cerca de 150 e-mails por dia, quase tudo lixo. Talvez quando eu receber umas 300 deixarei de usar e-mail. De certo modo, a Internet é um avanço indevido do futuro, para o qual as pessoas não estão preparadas ainda; se adultos não estão preparados, o que dizer de crianças e jovens? Se algum pai acha que é essencial para sua criança usar a Internet, o que é totalmente falso, recomendo enfaticamente que ele esteja sempre ao lado para controlar o uso - o que está sendo visto e lido, e por quanto tempo."

By Thiago Guimaraes at 13/04/2004 - 14:10