Segue um resumo pirata da palestra de Gilberto Câmara. Os grifos são meus (PF).
Gilberto Câmara
Congresso da SBC, 2009
O tema foi motivado por um artigo recente de Peter Denning
na CACM (A Computação é uma Ciência Natural?
),
que procura resgatar para a Computação o sentido original de Cibernética,
como proposto por Norbert Wiener.
Dennig diz que sistemas naturais trocam informação suas diversas formas. Computação é algo que vírus, plantas, macacos e seres humanos fazem sem necessariamente usar representações computacionais. Num sentido mais amplo, qualquer sistema complexo na qual múltiplas partes interagem e trocam informação faz computação. As interações entre atmosfera, biosfera, oceanos e criosfera que regulam o clima da Terra são melhor entendidas se pensadas em termos de analogias computacionais.
Como os sistemas naturais fazem computação (no sentido cibernético), os computadores artificiais são imprescindíveis para que a Ciencia para entende-los. Ao representar processos naturais no computador, a Computação torna-se parte inseparável da Ciência no Século 21.
Tome-se o caso da Computação Ambiental. Precisamos construir modelos do sistema terrestre. Esses modelos tem componentes meteorológicos, geoquímicos (aerossóis), da criosfera (gelo), do oceano, da vegetação, dos usos da terra e das emissões de carbono. Produzem dados em escalas massivas, e precisam ser programados para executar de forma eficiente em clusters de centenas a milhares de CPUs. Como fazer isto sem muita competência em Computação?
Esta forma de pensar apresenta um grande potencial para a Computação. Dada sua aplicação universal, a área de Computação deveria ser muito atraente para alunos. Não é que acontece. Nos EUA, as inscrições na Graduação em Computação caíram pela metade. No Brasil, a Computação está entre as áreas menos procuradas no vestibular.
Se a Computação é universal,
porque há pouco interesse pela Computação?
Isto decorre o que chamo de paradoxo da Computação Universal
:
A Computação é Universal...
exceto nos departamentos acadêmicos de Ciencia de Computaçâo.
Nosso currículo padrão em Computação
foca em questões relevantes para a Computação Comercial
e de duvidosa valia para a Computação Universal:
programação orientada-a-objetos,
bancos de dados relacionais,
sistemas operacionais,
interfaces WIMP,
workflows,
XML (uugh!).
Como diz o artigo
CS Education in the US: Heading in the Wrong Direction?
(CACM, julho 2009):
the curriculum lacks fundamental components
that are essential in the construction of large systems.
Não espanta que ao focar o ensino em temas chatos e pouco estimulantes, estamos deixando de atrair bons alunos. Ser programador de COBOL em banco sempre foi entediante, mas pelo menos garantia um bom salário. Hoje, nem isso. O que estimula mais o jovem de hoje? Viver de programar em SQL Server? ou trabalhar para salvar a Terra?
Não adianta culpar os físicos, a CAPES, o CNPq, a Mãe Joana, a Globalização, Lula, a ekipeconômica, os Orixás... O problema somos nós mesmos. Não é razoável achar que os alunos em geral ficaram menos inteligentes do que há 20 anos. A Computação é que não consegue mais atrair talentos como outrora.
A solução está mais perto que imaginamos.
Primeiro, vamos aplicar o ditado inglês:
Quando você está no fundo do poço, a primeira providência é parar de cavar
.
Depois, vamos rever nossos preconceitos sobre o que é Computação.
A comunidade acadêmica de Computação no Brasil
não valoriza a pesquisa interdisciplinar e pune quem a pratica.
Como resultado,
isola-se do mundo.
Analisando 400 papers de Ciencia da Computacao,
Walter Tichy verificou que 50% propunham modelos e hipóteses
que não foram testadas.
Em outros campos da Ciência,
a proporção de papers com hipóteses não testadas é de 10%
(W. Tichy, Should Computer Scientists Experiment More?
, IEEE Computer, 1998).
Como revisor de artigos no Brasil e no Exterior,
fico espantado com a quantidade de pseudo-problemas
que são abordados pela comunidade de Ciência da Computação.
Há um mecanismo perverso: se o autor testa sua hipótese com casos realistas,
muitos revisores o acusam de fazer aplicações e não Ciência
(como se houvesse diferença).
Hello, world!
Ainda tenho esperança (senão, não mandaria mensagens para a SBC-L). Todos os grandes avanços científicos do século 21 usarão a Computação como parte inerente a seus estudos. A Ciência e a Sociedade precisam de muita Computação para resolver seus problemas. Se mudarmos, buscando ensinar e valorizar a interdisciplinaridade, podemos construir uma Computação forte no Brasil. A alternativa, bem, essa não vale a pena pensar...