Esses Músicos Incríveis e Seus Laptops Maravilhosos

Publicado no jornal Computação Brasil da Sociedade Brasileira de Computação em Junho de 2004, página 4.

Você consegue imaginar uma cena na qual Beethoven estaria com um computador portátil em seu colo, digitando freneticamente comandos através de uma interface gráfica ao mesmo tempo em que interage com uma orquestra sinfônica ao seu lado? Ou então, Mozart usando o seu editor de textos preferido para construir complexos algoritmos em LISP? E o que você diria de um Stravinsky utilizando uma linguagem gráfica orientada a objetos para construir suas composições?

Muito provavelmente, essas cenas inusitadas estariam acontecendo diariamente se estes compositores vivessem nos dias de hoje. Afinal, é isso o que fazem vários dos principais compositores contemporâneos trabalhando com música erudita.

No campo da música popular, as coisas não são muito diferentes. Hoje em dia, qualquer estúdio de médio ou grande porte é equipado com computadores e dispositivos digitais que são utilizados em todas as fases da produção de um CD; desde a gravação dos diversos canais de áudio, até a sua edição, mixagem e masterização. Para tanto, são utilizados sistemas computacionais altamente sofisticados.

Já na indústria do entretenimento, que movimenta bilhões de dólares com jogos eletrônicos, cinema, vídeo, etc., a música gerada ou processada por computadores vem dominando o terreno já há alguns anos.

Todas essas formas de produção musical são objeto de uma área de pesquisa chamada Computação Musical e que é representada na SBC através da Comissão Especial de Computação Musical. Esta comissão congrega pesquisadores de vários estados brasileiros e inaugurou recentemente uma nova lista de discussão e um repositório (veja http://www.sbc.org.br/sbc/estrutura/comissoes_especiais/comp_musical.html) armazenando todos os artigos publicados nas 9 edições já realizadas do Simpósio Brasileiro de Computação Musical.

Grupos de pesquisa — sediados tanto em departamentos de Ciência da Computação e Informática quanto em departamentos de Música e Artes — em instituições como PUC, UFG, UFMG, UFPE, UFRGS, UFRJ, UNB, UNESP, UNICAMP, USP e outras têm atuado fortemente nesta área. A pesquisa tem abordado questões diretamente relacionadas à Computação como qualidade de serviço em sistemas operacionais e comunicação distribuída, aprendizado computacional utilizando técnicas de IA, representação de conhecimento, mineração de dados, redes de sensores, etc. Além disso, técnicas computacionais têm sido utilizadas para análise musical, composição algorítmica, síntese e análise de som, simulação e processamento acústico, performance musical interativa, psicoacústica, etc.

Desde a antiguidade, a relação entre música, ciência e tecnologia tem sido íntima. Compositores sempre tiveram grande interesse pelas tecnologias mais avançadas e descobertas científicas mais recentes. Mozart, por exemplo, já fazia experiências com música probabilística em 1787 com seu "Jogo de Dados Musical" onde a inclusão e a ordem dos compassos de uma peça musical era determinada aleatoriamente através de um par de dados. No século XX, com a invenção do computador digital, milhares de compositores foram atraídos pelas incríveis possibilidades musicais que esta nova ferramenta trazia. Grandes grupos de pesquisa e instituições se formaram com o objetivo de explorar essa nova área. O mais conhecido desses centros é o IRCAM (Institute de Recherche et de Coordination Acoustic/Musique) localizado no belo Centre Georges Pompidou em Paris. Lá foi desenvolvido o ambiente MAX para programação gráfica de sistemas musicais interativos que provavelmente muito agradaria Stravinsky. Já a linguagem Common Music, uma extensão de LISP desenvolvida no CCRMA (Stanford University Center for Computer Research in Music and Acoustics), talvez fosse mais do agrado de Mozart graças aos seus mecanismos para geração de música estocástica.

No Brasil, a pesquisa em computação musical ainda está se consolidando. Um importante passo nessa direção foi o lançamento recente pela FAPESP do programa MusArtS (Musica Articulata Scientia) que está criando o Instituto Virtual da Música e Tecnologia. A missão do MusArtS é similar à do IRCAM, mas sua estrutura será virtual e descentralizada. Graças a iniciativas como esta, a pesquisa em computação musical no Brasil deverá avançar muito nesta década. Esperamos que estes avanços nos levem a grandes produções científicas, tecnológicas, artísticas e culturais.

Fabio Kon
Departamento de Ciência da Computação
IME - USP