A Universidade diante das novas tecnologias de informação e comunicação


Texto de um artigo de Imre Simon na seção Opinião, página 2, do Jornal da USP, edição de 12 a 18 de maio de 1997.


Assistimos, nos últimos anos, a um cenário cada vez mais familiar de avanços tecnológicos nas áreas de computação e comunicação. Esses avanços ficam mais visíveis através das redes computacionais, das quais a Internet, de alcance mundial, é certamente a mais conhecida.

Nos últimos dois anos, a partir da "privatização" da Internet, estas mudanças estão rapidamente chegando à sociedade em geral, a ponto de, por exemplo, podermos entregar hoje a nossa declaração de imposto de renda pela Internet, sem sequer sairmos de casa. O acúmulo de experiências, embora limitadas ainda, já sugere que a rede, ao passar a influir numa dada atividade, freqüentemente transforma a mesma de maneira profunda, deixando marcas indeléveis. Tudo isto leva a acreditar que estamos no início de uma grande revolução que vai transformar a sociedade a curto ou médio prazos. Esta revolução vai nos levar à "Sociedade da Informação", um conceito ainda vago, mas insistentemente mencionado ultimamente.

Uma reflexão mais cuidadosa revela que no centro desta revolução encontra-se o conceito da informação. Informação, intimamente ligada a conhecimento, não possui uma definição precisa embora acreditemos que ela esteja suficientemente bem caracterizada para não deixar dúvidas a que se refere. Pois bem, os avanços tecnológicos se refletem em mudanças marcantes que influenciam a geração, a transformação, o armazenamento, a transmissão e a recuperação da informação. A tendência básica, dramaticamente evidenciada pelo fenômeno recente da teia mundial, é um enorme incremento na quantidade de informação, facilmente disponível "on-line" na rede, acompanhado de ferramentas cada vez mais inovadoras para manuseá-las.

As Universidades, por vários motivos, estão no centro do processo de mudanças. Um desses é um fato singular: por circunstâncias históricas a comunidade acadêmica teve a oportunidade de ser o ator principal no desenvolvimento das novas tecnologias, influindo decisivamente no estabelecimento dos novos hábitos da sua utilização. Isto porque os meios acadêmicos serviram tanto como autores quanto como "cobaias" na criação e no estabelecimento da nova realidade que surgiu com o advento das redes de computadores.

Um outro motivo determinante pela qual as universidades são e serão profundamente afetadas pelo fenômeno em questão é um fato muito simples: a informação é, talvez, o insumo mais importante e mais palpável em torno do qual se situa o próprio conceito da universidade. De fato, de uma forma um pouco simplificada, mas ainda assim bastante precisa, a razão de ser da Universidade é a criação e a descoberta da informação (através da pesquisa), a sua transmissão (através do ensino e das atividades de extensão) e o seu registro (através da produção de publicações que são coletadas em bibliotecas). Ora, se aceitarmos que a revolução em curso vai afetar tudo que está ligado ao conceito da informação, é forçoso concluir que as próprias universidades serão profundamente afetadas pelo processo.

A experiência que acompanha o rápido avanço e disseminação da informatização das atividades universitárias confirma o diagnóstico acima. De fato, camadas cada vez mais amplas da comunidade universitária sentem a influência crescente das novas tecnologias nos seus afazeres diários e sentem também que com o passar do tempo uma porção cada vez maior das suas atividades profissionais será afetada pela influência transformadora dos computadores e das redes computacionais.

Cabe aqui uma divagação para buscar e tentar identificar as principais características desse processo que possibilita mudanças tão radicais e que se processam com tanta rapidez. Evidentemente, o espaço disponível nesse artigo não permite qualquer análise mais profunda, mas gostaríamos de, pelo menos, registrar algumas dessas características: a conjugação de progressos tecnológicos extraordinários, nos últimos 50 anos, nas áreas da computação e da comunicação que levaram à constituição das poderosas redes computacionais; o processo exponencial de barateamento dos custos de produção que, aliado ao aumento da capacidade de computação e de transmissão da informação levou à atual disseminação desta tecnologia; o fenômeno de "zeragem das distâncias" evidenciado pela utilização das redes; o extraordinário fortalecimento dos hábitos de cooperação que a rede incentiva e que já levaram a alguns resultados inimagináveis poucos anos atrás; e, finalmente, a indissociabilidade entre os jovens e a propagação das novas tecnologias.

Examinemos uma destas características com um pouco mais de detalhes. De fato, em que se apoia esta rapidez quase devastadora com que esta revolução avança sobre os nossos hábitos tanto cotidianos quanto profissionais? Ela se baseia em dois processos bastante prolongados de crescimento exponencial: o da capacidade computacional e o da velocidade de transmissão de dados.

O primeiro destes processos de crescimento exponencial já está em curso há quarenta anos, desde o aparecimento dos primeiros computadores comercialmente disponíveis na década de 1950. Desde lá, a cada dezoito meses (isto é a cada um ano e meio) dobra a capacidade computacional que se pode comprar por um preço fixo. Isto já levou a uma melhora de 100 milhões de vezes deste indicador no período em questão. Não conhecemos outro processo análogo na história da humanidade. Mais contundente ainda, pode-se prever com base nos conhecimentos científicos e tecnológicos já existentes que este processo vai continuar por pelo menos mais 15 ou 20 anos. Se concretizado, isto acarretará uma nova melhora de mil vezes na capacidade computacional disponível por preço fixo neste período. Ou seja, em mais 15 ou 20 anos poderemos adquirir a capacidade computacional de um computador caseiro atual por alguns reais. Alternativamente, poderemos comprar, pelos poucos milhares de reais que eles custam hoje, um verdadeiro super-computador cujo preço atual seria de dois milhões de dólares. Inimaginável!

Na área da velocidade de transmissão de dados a situação é mais dramática ainda. A utilização das fibras ópticas, nos últimos dez anos, levaram a um crescimento assombroso da capacidade de comunicação. Há pouco mais de dez anos apenas, a maior velocidade de comunicação de dados disponível no mundo era de 56 mil bits por segundo (bps), velocidade esta disponível hoje nos computadores caseiros mais sofisticados sobre linhas telefônicas comuns. As altas velocidades praticadas hoje nos Estados Unidos são da ordem de 1000 vezes maiores, estando já em fase experimental velocidades da ordem de 600 milhões de bps. As perspectivas de progresso nesta área são verdadeiramente assombrosas. De fato, não estão descartadas velocidades de 25 trilhões de bps dentro de um futuro de poucas décadas. Ou seja, poderemos em breve ter melhoras de um milhão de vezes sobre as maiores velocidades praticadas hoje em dia. Novamente, os efeitos de tal progresso são inimagináveis!

E dentro desta perspectiva, quais as áreas de interesse da Universidade que serão mais provavelmente afetadas? Como já disse Bohr, "é muito difícil fazer previsões, principalmente sobre o futuro" e por este motivo preferimos mencionar aqui apenas três grandes áreas de aplicações: o aprendizado cooperativo à distância, a biblioteca digital e a disseminação, cada vez maior, do uso das tecnologias da teia. Cada uma destas aplicações já está suficientemente avançada e já produziu efeitos substanciais para podermos afirmar, com certa segurança, que elas continuarão a se desenvolver rapidamente, impactando, em particular, algumas das atividades universitárias mais básicas.

Para examinar com profundidade pouco maior o fenômeno em curso, e, em particular, as três aplicações que acabamos de mencionar, a Comissão Central de Informática da USP está organizando a InfoUSP, uma jornada a acontecer no dia 4 de junho próximo futuro, no auditório da FAU, com a presença de convidados provenientes de todos os órgãos universitários. Com esta iniciativa a CCI espera incentivar no nosso meio a discussão destas questões, que considera serem muito importantes para o futuro da USP. Diante da abrangência do tema a CCI está envidando esforços para que a memória desta jornada seja preservada de forma adequada.

Finalizando, gostaríamos de indicar uma fonte para reflexões mais profundas, onde se encontra, também, uma ampla bibliografia sobre as questões aqui levantadas. Trata-se de um artigo recentemente preparado, a pedido da Academia Brasileira de Ciências, juntamente com Arnaldo Mandel e Jorge deLyra, intitulado "Informação: Computação e Comunicação". Este documento está disponível na teia na página http://www.ime.usp.br/~is/abc/ e esperamos, com curiosidade, as eventuais reações, reflexões ou sugestões do leitor interessado.


Imre Simon é professor do Departamento de Ciência da Computação do Instituto de Matemática e Estatística (IME) e presidente da Comissão Central de Informática da USP. Seu endereço eletrônico é <is@ime.usp.br>.


Imre Simon <is@ime.usp.br>


Last modified: Thu May 22 11:18:24 EST 1997