Um survey sobre o uso de tecnologias avançadas no ensino

A USP para a era da informação: uma proposta de ação

Sérgio Mascarenhas

First we reshape our computers, then our computers reshape us

(James Bailey,in A New Era in Computation).

Esse título de um trabalho que comemorou o impacto enorme do aparecimento da computação massiva paralela pode nos servir de arauto para as observações que queremos fazer sobre informática na educação. Também, para balancearmos esteticamente esta apresentação técnica, ilustramos os ideais renascentistas de interdisciplinariedade e integração entre ciência, arte e cultura humanística apresentando como ícone a Escola de Atenas de Rafael, na Stanza della Segnatura no Vaticano (http://www.christus rex.org).

O grande educador Paulo Freire, pouco antes de seu falecimento, comentou conosco que a etapa mais importante do homem é a da aquisição da "consciência da consciência". Em plena era da explosão da informática com a "teia" e a globalização da informação, necessitamos atingir essa etapa ou, se não o fizermos, perderemos a própria consciência como educadores e pesquisadores.

Utilizar a informática como parte da tecnologia educacional é hoje uma questão de sobrevivência cultural e de tentativa de chegarmos à "consciência da consciência" da revolução mais importante da civilização humana.

Ou fazemos isso ou seremos recolonizados antes de nos termos libertado inteiramente de nossas arcaicas heranças coloniais que tanto nos pesam para avançar nos caminhos da modernidade. Não há mais espaço nem tempo para discussões retóricas sobre o tema. Estamos já com enorme atraso e precisaremos correr atrás de nosso futuro. Poderá parecer pertinente lembrar que há mais de 25 anos fizemos o mesmo alerta e lutamos pela criação de uma Comissão de Tecnologia Educacional na USP, da qual inclusive fizemos parte. Quando em 1970, trouxemos a São Carlos Elisha Huggins, um dos pioneiros da então chamada Computed Assisted Education, já havíamos escrito um pequeno volume sobre o uso do computador no ensino da física para engenheiros contendo cerca de 20 experimentos bem como vários exemplos de como aplicar o computador a novas técnicas pedagógicas. Estas já envolviam métodos interativos de aprendizagem e aconselhamento dinâmico ao estudante através de um instrumento que denominamos "clínica de conceitos". Infelizmente, na época, não dispúnhamos de computadores adequados. Para se ter uma idéia usávamos ainda cartões perfurados e processamento em batch.

Mas foi um começo que nos permitiu cooperar inclusive para a organização de um dos primeiros congressos internacionais na área sob o patrocínio da Unesco (Bucarest, 1972). Hoje, graças à continuidade dessas atividades pelo esforço e dedicação do professor Dietrich Schiel e equipe do Centro de Divulgação Científica e Cultural (CDCC) da USP em São Carlos, já contamos com uma rede com cerca de 40 cidades ligadas ao Projeto Educ@r, apoiado pela Fapesp, CNPq e Vitae, um esforço pioneiro no país (http://www.Ifqsc.sc.usp.br/cdcc). O sistema funciona não somente em software com a rede, mas possui laboratórios (hardwares) especiais como a Experimentoteca disponível para a rede escolar primária e secundária associada.

Passando da teoria à pratica foi possível, assim, criar um exemplo de realização objetiva que, apesar de ainda inicial, pode servir de plataforma para projetos mais completos.

Por outro lado, esta breve análise ilustra como a falta de continuidade de recursos e apoio a ações pioneiras leva ao atraso e perda de oportunidades históricas. O que faltou? Decisão de uma mobilização intensa e de impacto que acabou se diluindo nas dificuldades rotineiras e no desastre econômico brasileiro com megainflação, estagflação e décadas perdidas. Na realidade, foram gerações perdidas e massacradas no subdesenvolvimento.

Felizmente, com apoio do BID pudemos ainda implantar em São Carlos, no mesmo período, a Engenharia de Materiais que vingou e é um exemplo de vitalidade e inovação na educação superior brasileira.

Cremos que agora a universidade está em muito melhores condições e a própria realização do Infousp demonstra isso. Mas estamos ainda com grande atraso comparativamente ao que se faz nos melhores centros internacionais.

Em seguida, em teleconferência, o professor T. Magnantin do MIT estará apresentando suas observações que darão maior amplitude ao assunto. Igualmente a National Technological University (NTU) dos EUA já estendida à Bacia do Pacífico e em breve à América Latina, com uma enorme rede de universidades associadas e uma miríade de produtos educacionais, é um exemplo importante no setor (http://www.ntu. edu).

A revolução da informática na educação nos permitirá criar uma nova Universidade de São Paulo com muitas características desejáveis como:

· interdisciplinariedade;

· inovação;

· interatividade com a sociedade (empresas e governos);

· regionalidade e, sobretudo;

· capacidade de renovação e adaptação dinâmica e contínua.

Essas magníficas promessas exigem, entretanto:

· intenso trabalho cooperativo de todos os setores da universidade;

· novos investimentos a serem obtidos por uma engenharia financeira e econômica que deverá envolver governo, empresas e recursos internacionais e uma campanha da reitoria dedicada à obtenção desses fundos, amparada num planejamento estratégico e projetos adequados;

· vontade política e mudanças culturais, geralmente lentas e penosas.

Para preparar a USP para essa nova era, serão necessárias transformações profundas de forma a permitir que se descongelem estruturas antiquadas, incompatíveis com várias funcionalidades absolutamente imprescindíveis. Somente o uso de novas tecnologias educacionais permitirá:

· ampliação e diversificação do corpo discente;

· oferta mais ampla de disciplinas e cursos;

· aumento da interdisciplinariedade, flexibilidade curricular, otimização da produtividade dos corpos docentes, discentes e administrativos através do uso de novas tecnologias;

· diminuição de custos e aumento de eficácia.

Com os métodos arcaicos atuais, com enormes gastos e ampliação indevida de docentes, corpo técnico e administrativo (um inchaço indesejável que já ocorreu em tempos recentes) não poderemos atender aos objetivos acima mencionados. Ademais, não cremos que encontraremos na sociedade apoio a tais expansões sem apresentar novos resultados efetivos para essa mesma sociedade.

Para essa reengenharia organizacional os recursos humanos estão defasados. Haverá necessidade de treinamento intenso, reciclagem de professores (universitários!), técnicos e administradores sobretudo para o uso intensivo de redes e softwares de vários tipos e aplicações. Em suma, uma verdadeira revolução, única defesa adequada para a revolução da informação que caracteriza nossa era e que ora enfrentamos.

Um dos pontos fracos mais evidentes é o fato de a estrutura em departamentos ser inadequada e congelante, além de incentivar encastelamentos ao invés de cooperatividade e interatividade interdisciplinar. O uso das redes (Internet e Intranets) permitirá aos alunos e pesquisadores ultrapassar estas barreiras departamentais anacrônicas, bem como os professores e pesquisadores poderão organizar-se em projetos temáticos e ações cooperativas interdisciplinares sem maiores entraves burocráticos e com maior liberdade.

As ações mais urgentes e necessárias nesta nossa proposta são:

· a implantação de uma pró-reitoria para tecnologia educacional com percentual orçamentário adequado e prioritário, eventualmente através da ampliação da pró-reitoria de graduação para evitar maior dispersão organizacional e custos adicionais;

· comitês de tecnologia educacional em cada unidade da universidade com a missão específica de promover e acelerar o uso da informática no ensino graduado e pós-graduado e dar treinamento ao pessoal (inclusive com as novas técnicas!),

· criação de um Laboratório ou Central de Produção Integrado para Tecnologias Educacionais sem o qual o progresso seria lento e disperso. A partir desse laboratório e com base nas próprias tecnologias como telemática na educação, pesquisa e gestão, poder-se-á dar um grande impulso em direção ao futuro. Esse laboratório possivelmente poderá associar-se à TV Cultura através da Fundação Padre Anchieta e assim valer-se da grande experiência de produções educacionais daquela instituição bem como de sua rede de difusão televisiva e infra-estrutura de meios;

· transformação gradual, porém rápida, da USP numa provedora de educação virtual, de ensino aberto e público de alta qualidade em todos os níveis (inclusive primário, secundário e técnico) e, em particular, para empresas importantes para o desenvolvimento sócio-econômico do estado de São Paulo bem como para outras universidades públicas do país;

· semelhantemente ao que ocorreu, com sucesso, na formação de áreas de pesquisa na pós-graduação, deve ser urgentemente estabelecido um forte programa de intercâmbio e mesmo joint ventures educacionais com instituições de vanguarda em tecnologia educacional de preferência em diferentes países como os eua e a Comunidade Européia e Asiática. Dessa forma poderemos queimar etapas e formar nossos próprios recursos humanos e virmos a inovar e criar nossos próprios sistemas e tecnologias para o mercado nacional e internacional.

A USP terá que preencher rapidamente estes espaços educacionais e transformar-se no paradigma de modernidade educacional no país e na América Latina para, inclusive, ocupar o seu lugar na batalha do desenvolvimento social e econômico na verdadeira guerra da globalização. Caso contrário perderá seu valor para a sociedade e será suplantada inclusive por instituições privadas com interesses puramente comerciais e sem tradição de pesquisa e desenvolvimento social. Algumas destas instituições já estão à frente do ensino público na área do ensino primário e secundário.

A educação é um dos únicos mercados em permanente expansão e não saturável: compram-se um, dois ou três carros, mas dificilmente comprar-se-á um quarto; o mesmo sucederá com quaisquer outros produtos, mas, com o conhecimento e a educação, quanto mais se adquire maiores serão as necessidades de atualização e ampliação. Por isso grandes multinacionais já se estruturam para esse mercado e se não nos prepararmos, seremos apenas engolidos e colonizados outra vez no próximo século.

Uma nova USP terá que surgir para este desafio esta deve ser a bandeira da próxima administração, a nosso ver, entregue simbolicamente por ocasião do simpósio "InfoUSP: a Informática e a Informação na USP" pela presente reitoria, acompanhada de toda a infra-estrutura de recursos em informática que inegavelmente nos está legando e que poderá servir de base a essa histórica transformação.

SÉRGIO MASCARENHAS

IEA-USP-São Carlos

e-mail:sergiomasc@ ifqsc.sc.usp.br