Qual o impacto da Web na publicação e no acesso a resultados de pesquisa científica?

Lucas A. Meyer <lucas.meyer@acm.org>

  1. Resumo

    De maneira similar às mudanças que vêm ocorrendo no campo da música (com o MP3), dos sistemas operacionais (com a GPL), dos vídeos (com o DivX) e de diversas outras áreas ligadas à tecnologia, a publicação de artigos científicos está sofrendo grandes alterações com a popularização da Internet. Uma pergunta que começou a tomar corpo com a criação e disseminação da World Wide Web foi: "publicações eletrônicas serão capazes de substituir as publicações tradicionais?". Em 1993 houve um grande número de artigos explorando o assunto, e em 1994 Andrew M. Odlyzko lançou "Tragic loss or good riddance: The impending demise of traditional scholarly journals" (disponível em http://www.research.att.com/~amo/doc/tragic.loss.txt) , que previa que o desaparecimento das publicações em papel ocorreria entre 10 a 20 anos.

    Sete anos depois das previsões de Odlyzko, pesquisadores criaram a PLS - Public Library of Science (Biblioteca Pública de Ciência), uma iniciativa que tenta facilitar a publicação de resultados científicos em bancos de dados centralizados e de acesso livre e gratuito, contrapondo-se à situação atual, composta de muitas publicações ('journals') que possuem direitos reservados ('copyright') sobre o material que publicam e distribuem. Segundo a proposta da PLS, artigos devem ser disponibilizados gratuitamente depois de seis meses de sua publicação.

    Uma mudança no modelo de publicação científica atual é um assunto de extrema importância. Se uma grande mudança como a adoção da política de livre acesso à informação ocorrer, trará grandes implicações econômicas e sociais. Conseqüentemente, alterará substancialmente o papel das organizações que participam da publicação científica. Este trabalho discute algumas destas alterações.

     

  2. O estado atual

    Editoras e Publicações

    Existem meios de publicação de artigos científicos para todos os campos imagináveis da ciência. Alguns são muito prestigiados, como as revistas Science, Nature e Communications of the ACM (CACM).

    O prestígio dos meios de publicação (daqui para diante chamados apenas de 'publicações') decorre da qualidade dos artigos que são submetidos a eles e selecionados para publicação. Publicações consideradas boas, como as citadas acima, recebem submissões de resultados de pesquisas de grande importância. Tais submissões são revisadas e julgadas por outros cientistas indicados pelos editores da revista, visando a garantia de qualidade dos artigos.

    Chamemos de 'valor' o quanto uma instituição ou pessoa interessada teria disposição de pagar por um bem e de 'preço' o quanto o fornecedor de tal bem efetivamente cobra por ele. O valor adicionado pelas publicações são a seleção e a revisão. Elas recebem muitos artigos, mas tomam o cuidado de selecionar para publicação apenas artigos de interesse de sua comunidade leitora, que são verificados e revisados antes da publicação. Como o nível técnico das publicações é freqüentemente muitíssimo elevado, a seleção e revisão são trabalhos que requerem grande especialização e, portanto, trabalhos de alto valor. Ou seja, a seleção e revisão dos artigos é um serviço de alto valor agregado.

    Por outro lado, também em decorrência do nível de especialização necessário para a seleção e revisão de artigos, seria de se esperar que as publicações pagassem altos valores para os profissionais que os realizam, em sua grande maioria pesquisadores que também submetem artigos. As editoras não pagam os revisores por este serviço. Conseqüentemente, o lucro das editoras de publicações científicas tende a ser altíssimo: seu produto tem um custo baixo e um valor alto - basta vendê-lo por um preço compatível com seu valor.

    Existem algumas editoras que faturam alto neste mercado especializado. Uma análise geral do mercado de editoras encomendada pela ALR concluiu que o lucro médio delas cresceu de 40% a 137% entre os anos de 1973 a 1987.

    Num exemplo mais recente, a maior editora do mercado acadêmico, a Reed Elsevier, declarou em seu relatório de lucros e prejuízos consolidados de 1996 que obteve um lucro bruto de £ 2,08 bilhões (aproximadamente R$ 8,4 bilhões), contra um custo operacional de £ 1,24 bilhão (aproximadamente R$ 5,04 bilhões). Depois dos impostos e taxas, o lucro líquido é de £ 1 bilhão (aproximadamente R$ 4 bilhões) - uma margem líquida de lucro de 80,6%. Isto significa que para cada R$ 10,00 investidos, R$ 18,06 retornam ao investidor anualmente. Uma nota no relatório da própria Reed Elsevier informa que estes números não são substancialmente diferentes dos resultados dos outros anos.

    Para efeito de comparação, a Microsoft e a General Electric (as companhias que mais produziram riquezas para seus acionistas ao longo do tempo segundo o Wealth Added Index da Stern Stewart - http://www.economist.com/business/displayStory.cfm?Story_ID=886260) possuem respectivamente 25,1% e 10,9% de margem líquida atualmente, sendo que suas margens médias anualizadas são de 37% e 28%, respectivamente.

    Uma das razões para tais lucros foram os grandes aumentos de preços nas assinaturas, apesar de não haver aumento no conteúdo das publicações, tampouco nos custos de edição, que são principalmente compostos por coordenar a comunicação entre os autores, os revisores e os revisores e pela impressão dos artigos. Os aumentos recentes nos preços de assinatura de algumas publicações da Reed Elsevier são mostrados na tabela abaixo, obtida na ARL ( http://www.arl.org/newsltr/196/sparc.html ):

     

    AMOSTRA DE AUMENTOS EM PREÇOS DE ASSINATURAS

    Publicação 1995
    (U$)
    1996
    (U$)
    Aumento
    (95-96)
    1997
    (U$)
    Aumento
    (96-97)
    1998
    (U$)
    Aumento
    (97-98)
    Aumento
    (95-98)
    Brain Research 10.181 12.234 20.2%  14.919 21.9%  15.428 3.4% 51.5%
    Biochim. Biophys. Acta  7.555  8.837 17.0%  10.528 19.1%  10.839 3.0% 43.5%
    Chem. Phys. Letters  5.279  6.569 24.4%  7.818 19.0%  8.060 3.1% 52.7%
    Eur. Jrnl. of Pharmacology  4.576  5.680 24.1%  6.431 13.2%  6.702 4.2% 46.5%
    Gene  3.924  5.069 29.2%  6.144 21.2%  6.433 4.7% 63.9%
    Inorganica Chim. Acta  3.611  4.476 24.0%  5.283 18.0%  5.540 4.9% 53.4%
    Intl. Jrnl. of Pharmaceutics  3.006  3.915 30.2%  4.691 19.8%  4.983 6.2% 65.8%
    Neuroscience  3.487  4.001 14.7%  4.543 13.5%  5.073 11.7% 45.5%
    Theoretical Computer Science  2.774  3.425 23.5%  3.835 12.0%  4.059 5.8% 46.3%
    Jrnl. of Exp. Marine Bio. & Eco.  1.947  2.445 25.6%  2.811 15.0%  2.931 4.3% 50.5%
    Solid State Communications  1.945  2.327 19.6%  2.602 11.8%  2.871 10.3% 47.6%

    As editoras que possuem um bom posicionamento no mercado costumam obter bons resultados financeiros a partir deles. Certamente o serviço prestado pelas editoras não é desprezível - além de sua finalidade direta ('core business') de divulgação científica estimular o progresso da ciência, muitas editoras também reinvestem parte de seus lucros em financiamento de pesquisas científicas, aumentando também assim a velocidade do desenvolvimento científico. 

    Autores, revisores e o processo de publicação atual

    O processo típico de submissão de um artigo em uma publicação científica é normalmente bastante simples. Em geral, o processo só difere grandemente na mídia de envio: Por exemplo, no "American Economical Review" (AER),os autores enviam para a editora de uma publicação 3 cópias de seu artigo em papel. Algumas publicações, especialmente as fortemente relacionadas à Matemática, aceitam artigos em TeX. Outras aceitam submissões por e-mail ou pela Web de artigos em formatos imprimíveis, tais como PostScript e PDF. Independentemente da mídia na qual o artigo foi submetido à publicação, ela é recebida pelo editor, que distribui as submissões a co-editores que possuem experiência no assunto do artigo. O editor possui dois ou três funcionários administrativos que o ajudam neste processo.

    Os co-editores distribuem as cópias dos artigos para dois ou mais "revisores", que lêem os artigos e julgam se eles devem ser publicados. No AER, cerca de 12% dos artigos enviados são publicados, mas em revistas de Matemática, Física e Ciências da Computação este número tende a ser de cerca de 50%.

    Se o artigo foi aceito, ele é devolvido ao autor com comentários. O autor revisa o artigo e o envia novamente à editora, que o envia aos revisores para nova revisão. Em alguns casos, uma nova rodada de revisão é necessária, mas ma grande maioria dos casos, o artigo é aprovado pelos revisores e devolvido para a editora, onde é formatado e preparado para impressão. Uma "prova de impressão" é enviada para o autor, que revisa o artigo para garantir que não foram introduzidos erros na formatação e preparação. Depois desta última verificação, o artigo é enviado para a gráfica, onde é impresso e está pronto para ser embalado e distribuído, normalmente por correio. Normalmente uma publicação possui versões de "capa mole", que são enviadas a assinantes individuais e versões de "capa dura", que são enviadas à bibliotecas.

    Uma vez submetido o artigo, na imensa maioria das vezes, o direito de cópia sobre ele passa a ser da publicação. Por exemplo, ao enviar um artigo para a revista Science, através do link http://www.submit2science.org/mtsweb/default.asp, um pesquisador receberá os seguintes avisos:
    (o destaque no aviso de copyright não consta na imagem original)

    Entretanto, como pode ser notado na descrição do processo, cada iteração ('round-trip') é custosa e ineficiente - as duas pontas do processo (autores e revisores) se comunicam através da editora, ou seja, a facilidade de cooperação na construção do conhecimento é relativamente baixa. Também deve se notar que os autores não são pagos por seu trabalho.

    Ademais, não é improvável que uma seleção particular de revisores por parte da editora acabe por impedir a publicação do artigo em uma particular revista - por má sorte combinada à falibilidade humana, o artigo pode cair nas mãos de revisores particularmente contrários ao assunto ou até mesmo ao autor. Por outro lado, também pode cair nas mãos de revisores relapsos e acabar sendo publicado apesar de conter afirmações falsas ou conclusões grosseiramente erradas. Tais falhas no processo são decorrências diretas da centralização na escolha dos revisores. O sistema de revisão é considerado por alguns "tão cheio de falhas que apenas a falta de uma alternativa viável o mantém", mas tais distorções são mais comuns em nas áreas de medicina e ciências sociais do que nas áreas de Matemática, Ciências da Computação e Física. ("Peer Review in Health Sciences," Ed. by Fiona Godlee and Tom Jefferson, BMJ Books, 1999.)
     

    Leitores - Pesquisadores e Profissionais

    Os leitores de artigos científicos são em grande parte cientistas que utilizam os resultados dos artigos em suas pesquisas científicas. Quando eles conseguem obter resultados publicados que sejam correlatos com sua pesquisa, eles tendem a conseguir publicar sua própria pesquisa mais rapidamente. Profissionais também utilizam os resultados da pesquisa em aplicações diretas. Os profissionais lêem em média menos artigos por ano do que os cientistas e demoram mais tempo para ler cada artigo.

    A leitura de artigos científicos é de fundamental importância para o desenvolvimento profissional dos cientistas, como mostrado por King e Tenopir em http://www.press.umich.edu/jep/04-02/king.html.

    Independentemente de sua função ser pesquisa acadêmica, pesquisa em empresas privadas ou ensino, cientistas que lêem mais artigos conseguem mais prêmios. Nas universidades,  professores premiados pelo ensino lêem 26% mais artigos que os outros. Pesquisadores premiados lêem 33% mais artigos que os não premiados. Fora da academia, a diferença entre leitores e não-leitores é muito maior: 65%. Numa companhia analisada pelos pesquisadores, vinte e cinco cientistas que foram considerados muito produtivos liam 59% mais artigos que os outros cientistas. Tais números não permitem necessariamente determinar uma relação de causa e efeito, mas sugerem que a importância da leitura de artigos científicos não deve ser ignorada.

    Como os cientistas encontram os artigos que lêem.
      1977 1984 1986-89 1990-93 1994-98
    Cientistas de Universidades Biblioteca e arquivo pessoal 58,5% 54,1% -- 59,7% --
    Busca online 0,7% 1,1% -- 14,6% --
    Citações em outros artigos 6,7% 13,1% -- 6,5% --
    Indicações de outras pessoas 17,7% 15,3% -- 9,7% --
    Outros 16,4% 16,4% -- 9,5% --
    Cientistas de empresas Biblioteca e arquivo pessoal 49,6% 67,4% 72,8% 57,1% 63,6%
    Busca online 0,2% 2,7% 2,1% 7,0% 11,1%
    Citações em outros artigos 11,3% 6,3% 6,4% 5,4% 6,6%
    Indicações de outras pessoas 18,1% 11,3% 12,0% 16,9% 12,1%
    Outros 20,8% 12,4% 6,6% 13,6% 6,7%

    Fontes: King, McDonald, and Roderer 1981; Tenopir and King 1997;
    Griffiths and King 1993; and King et al. 1977-98.

    Uma das dificuldades enfrentadas pelos leitores é o julgamento da qualidade do artigo. A grande maioria dos leitores confia na reputação da publicação para julgar o valor de um artigo. Depois da publicação, as futuras discussões sobre o tema ficam fisicamente desvinculadas dele - ou são cartas em outras edições da publicação, ou outros artigos que lhe fazem citações. Não é trivial saber se um artigo foi "revogado" ou seriamente contestado apenas com a publicação nas mãos - alguns artigos podem ter sido contestados em outras publicações e/ou muito posteriormente à sua publicação original. Por limitações de espaço na publicação, nem todos os comentários ao artigo são publicados. Por essas razões, o leitor nem sempre é capaz de estimar o valor do artigo.

    Segundo uma pesquisa realizada com 14.000 cientistas por King e Tenopir ("What do we know about scientists use of information?" - (http://web.utk.edu/~tenopir/NFAIS6-21final.ppt), a leitura de artigos científicos permite que eles trabalhem mais rapidamente (32%), reforçam hipóteses ou confiança no trabalho (42%), dão novas idéias para pesquisas (26%). Usando como indicadores de produtividade científica cinco atividades (número de registros de pesquisa, número de consultorias, número de apresentações, número de propostas e planos de pesquisas submetidos e número de artigos publicados), nota-se que todas possuem uma correlação positiva e estatisticamente significativa com a quantidade de leitura.

    Outra medida para a qualidade de uma publicação é a 'quantidade de citações': nesta medida, uma publicação que escolhe publicar artigos que mais tarde são citados por muitos outros artigos é considerada uma "boa" publicação. Uma grande quantidade de citações é sinal que pesquisadores estão lendo os artigos da publicação e estão os utilizando em suas próprias pesquisas, acelerando o desenvolvimento científico.

    No artigo "Free Labor for Costly Journals?" (disponível em http://www.econ.ucsb.edu/~tedb/), Theodore Bergstrom propõe uma métrica baseada no "custo por citação", que divide o custo anual médio da assinatura institucional da publicação pelo número de citações que são produzidas a partir dela: por exemplo, se a assinatura de uma publicação custa US$ 3000,00 por ano e essa publicação é citada 300 vezes por ano, seu custo por citação é de US$ 10,00. Uma curiosidade mostrada por esta métrica é que muitos jornais com muitas assinaturas e altos preços por assinatura anual possuem uma baixa pontuação. Se a métrica está certa, muitos assinantes estão errados.

    Uma métrica similar pode ser definida para qualidade de artigos. Entretanto, medir a importância de artigos (e publicações) pelo número de citações pode, em alguns casos, levar a conclusões errôneas. como mostrado em "Evidence of Complex Citer Motivations,", T. A. Brooks  no  J. Am. Soc. Information Science, Volume 37.

     

  3. O impacto da Web

    Redução de custos de publicação, armazenamento e distribuição

    Segundo Odlyzko, a metodologia atual de disseminação científica é baseada numa mídia que é difícil de produzir, distribuir, arquivar e duplicar. Portanto, tal mídia requer a criação de muitos pontos de redistribuição na forma de bibliotecas.

    Um sistema de publicação e distribuição online, como o proposto por Harnad em "The self-archiving initiative" (http://www.nature.com/nature/debates/e-access/Articles/harnad.html) seria capaz de cortar muitos dos custos de publicação. Entretanto, como Harnad mostra em seu artigo, tal sistema depende de centrais de busca para ser eficiente quanto à distribuição. Recentemente, a OAI (open archives initiative) criou um conjunto de padrões e um software que permite que o conteúdo de arquivos que sejam compatíveis com o padrão sejam encontrados através de buscas em http://www.openarchives.org/.

    Popularização e facilidade de acesso

    A existência de artigos gratuitos e abertos online facilita o acesso dos cientistas e de não-cientistas ao resultado de pesquisas científicas. No artigo "Online or Invisible?" (http://www.neci.nec.com/~lawrence/papers/online-nature01/) , Steve Lawrence mostra como a probabilidade de um artigo estar disponível gratuitamente online se relaciona com a popularidade do artigo e com a data de sua publicação. Na pesquisa de Tenopir e King, um dos resultados obtidos mostrou que uma grande parte dos artigos lidos pelos acadêmicos (35%) foram publicados há mais de 12 meses. Ademais, os artigos considerados úteis por eles são os mais antigos. Em geral, artigos mais novos costumam possuir menos citações.

    A pesquisa de Steve Lawrence também mostra que artigos publicados gratuitamente online 4,5 vezes mais citados do que artigos que não podem ser obtidos gratuitamente.

    É possível perceber que o número de citações de artigos "online" é maior do que o número de citações de artigos "offline", mas apenas este número não é um indicativo seguro da qualidade dos artigos citados ou que efetuam a citação.

    Evolução e revisão dos artigos

    A Web também permite que os leitores anexem comentários e revisões aos autores e julguem a qualidade de artigos científicos. Hoje em dia, maior parte dos sites de publicações possuem a facilidade de "Talk-back", permitindo que leitores enviem questionamentos e comentários aos autores dos artigos. Esta funcionalidade faz com que o artigo não pare de evoluir depois de sua publicação.

    A Web também permite um sistema de votação, no qual leitores de um artigo podem votar em sua aplicabilidade e qualidade - artigos considerados bons por seus leitores receberiam notas altas e artigos ruins receberiam notas baixas. A publicação de tal sistema juntamente com o artigo permitiria que novos leitores pudessem ter uma idéia da qualidade dos artigos baseada nas experiências prévias de outros leitores.

     

  4. Renegociação e Direções Futuras

    O momento atual é claramente caótico - existe atualmente a coexistência de publicações pagas e com um grande renome por sua qualidade na seleção e revisão de artigos e de publicações gratuitas sem revisão. Entre estas duas pontas, existem diversas tentativas de solução. No momento, é impossível prever qual será a forma e o modelo de negócios da publicação científica no futuro. É razoável acreditar que não será da maneira que está atualmente.

    Redução de custos - comparando custos de publicações impressas e publicações eletrônicas gratuitas

    Um dos maiores custos para a criação de artigos é o custo de pesquisa. No mínimo, US$ 50.000,00 são gastos para a produção da pesquisa, em grande pagos em salário e custo de uso de equipamentos. Este custo independe da pesquisa ser publicada online ou offline.

    Supondo que a pesquisa já está desenvolvida, portanto, qual seria o custo de publicá-la?

    A estimativa original de Odlyzko em 1996 para o custo médio de publicação de artigos de Matemática e Ciências da Computação foi da ordem de US$ 4.000,00. O custo por artigo tende a ser maior em caso de publicações de outros tópicos, como medicina e sociologia. Artigos fortemente matemáticos possuem uma taxa de aceitação maior do que os outros artigos. Com uma maior taxa de rejeição, aumenta-se o custo por artigo publicado, já que artigos não publicados aumentam apenas os custos.

    O custo visto em algumas publicações eletrônicas que não pertencem a editoras, e portanto que não possuem os custos institucionais de editoras já existentes, podem ser mais eficientes - na área de Física, o custo de uma publicação que tem 700 artigos por ano opera com custo de US$ 500,00. Mas ultimamente, tais custos tem aumentado - os trabalhadores voluntários acabam desaparecendo e sendo substituídos por profissionais que recebem salários que são ajustados pra níveis que permitam a retenção dos trabalhadores. Com tais ajustes, o custo se tendem a se aproximar de US$ 1000,00.

    Os exemplos apresentados acima foram obtidos de "Creating a global knowledge network", de Paul Ginsparg (http://arxiv.org/blurb/pg01unesco.html) . Todos se referem a médias observadas em casos de mercado e todos só contam custos de publicação - nenhum conta custos de revisão. Paul Ginsparg criou um servidor de impressão e arquivamento de artigos científicos, disponível em http://arxiv.org. Seus custos são de cerca de US$ 1,00 a US$ 5,00 por artigo.

    As editoras fazem críticas ao cálculo de custo de Paul Ginsparg: uma delas é que ele ignora uma doação de US$ 1 milhão da NSF, outra que ele não considera seu trabalho em seus custos, nem o custo de seus computadores e equipamentos de comunicação. Mesmo incluindo estes custos, entretanto, o custo médio de publicação por artigo de Ginsparg não chegaria a U$ 75,00 - duas ordens de magnitude menores do que de publicações tradicionais. Como Andy Grove mostrou em "Only the Paranoid Survive", se existem alternativas que reduzem os custos de produção em algum mercado por um fator de 10, é necessário repensar todo o modelo de negócios. O servidor de Ginsparg reduz os custos em pelo menos um fator de 100. Entretanto, a qualidade dos artigos disponíveis no servidor Ginsparg depende bastante da revisão efetuada pelas editoras que os imprimem, segundo Harnad (http://www.ariadne.ac.uk/issue8/harnad/intro.html).

    Prestígio das publicações

    Rowland (http://www.ariadne.ac.uk/issue7/fytton/) apresentou uma visão contrária à publicação digital, justificando a permanência de publicações em papel. É interessante ler a frase de Rowland:

    "It is true in theory that all the top researchers in a field could stop submitting their articles to commercial journals and refuse to referee for them, and transfer their energies to new electronic journals, thus raising their prestige. In practice it is unlikely that this will happen by voluntary action."

    Tal afirmação foi obliterada pelo movimento da PLS (Science world in revolt at power of the journal owners), ou por casos como o contado em ("Scientific Publishing: A Mathematician's Viewpoint," Notices of AMS, Volume 47, Number 7, pages 770-774, August 2000.): todo os 50 membros do conselho editorial do Journal of Logic Programming abandonaram o conselho simultaneamente e fundaram o Theory and Practice of Logic Programming, 60% mais barato. A maior parte dos artigos da nova publicação podem ser encontrados no CoRR - The Computing Research Repository, em http://xxx.lanl.gov/archive/cs/intro.html.

    A Public Library of Science e o Software Livre

    A PLS inicialmente era voltada para facilitar a distribuição de informações no campo das ciências biológicas, mas muitos cientistas de outras áreas aderiram a iniciativa, que consiste em apoiar a criação de uma biblioteca pública de artigos científicos para aumentar a produtividade acadêmica. A PLS reconhece o direito ao retorno financeiro das editoras, mas acredita que a informação não deve pertencer indefinidamente a elas, e sim à sociedade. Portanto, a informação deve ser acessível gratuitamente através da biblioteca. Para obter tais objetivos, a PLS propôs um boicote - os cientistas que aderiram à iniciativa concordaram em publicar, editar e revisar apenas para publicações que disponibilizam publicamente e gratuitamente os seus artigos depois de seis meses. No início de dezembro 2001 existiam 28907 assinaturas de cientistas de 173 países e das mais diversas áreas apoiando a iniciativa. 

    Nem mesmo o movimento do 'software livre' teve tal ousadia - na maior parte dos programas desenvolvidos com a metodologia do software livre, existe uma hierarquia de 'donos', que inicia no software e desce a módulos com granularidade cada vez menor. O modelo permite a usurpação do 'dono', caso este não esteja sendo útil, mas sempre existe alguém que julga a qualidade das submissões.

    Por exemplo, num dos projetos mais importantes de software livre, o projeto Mozilla, foi instituída a figura do "Ditador Benevolente", publicada em "The Mozilla Mission" - http://www.mozilla.org/mission.html, transcrita abaixo:


    Benevolent Dictator

    In this way, it's a self-regulating system: if a module owner is viewed by the public as not doing a good job (perhaps their releases tend to be buggy, or non-portable; or perhaps they aren't responsive to bug fixes or suggestions) then what will happen is, someone out on the net will say to themselves (and to us), ``hey, I can do a better job than that.'' And we will say to them, ``go right ahead.''


    Usando uma analogia com o Mozilla, a PLS está dizendo ao mundo que pode fazer um trabalho melhor do que as editoras, que atualmente são as donas do módulo de publicação e artigos. Seguindo a analogia, os "ditadores benevolentes" que possuem o poder de substituir as editoras são os leitores, que aparentemente estão se unindo à iniciativa da PLS.

    Evolução e revisão dos artigos

    A ausência de editores ou moderadores, entretanto, pode ser perniciosa, especialmente em assuntos muito polêmicos como, por exemplo, a clonagem humana. Sem editores ou moderadores, um artigo pode gerar uma avalanche de comentários espúrios, aumentando a taxa de ruído por sinal: para achar um comentário interessante ou útil, um leitor pode ter que navegar por centenas ou milhares de comentários inflamados e sem nenhuma base científica.

    O sistema de "votação" para julgar a qualidade de artigos também não é necessariamente bom. Um dos exemplos relativamente recentes de distorções em sistemas democráticos foi a votação online para melhor jogador do século, onde Maradona venceu Pelé no voto popular. Para corrigir a distorção, a FIFA fez nova votação pouco tempo antes da entrega do prêmio, apenas entre membros da "FIFA Football Family" e nesta votação, Pelé foi o vencedor com 13 vezes mais votos do que Maradona, que ficou em terceiro lugar.

    Um modelo de negócios mais especializado

    Uma vez que a qualidade da revisão e seleção dos artigos é o grande diferencial de publicações de renome, uma possível solução para sua sobrevivência seria a venda apenas deste serviço à comunidade científica. A publicação especializada forneceria um índice dos artigos que foram selecionadas e revisados sob a coordenação dos seus editores, referenciando artigos depositados em servidores como o de Ginsparg.

    Durante um pequeno intervalo de tempo, como por exemplo os seis meses propostos no manifesto da PLS, os artigos ficariam disponíveis apenas para os assinantes do serviço, sendo posteriormente disponibilizados para a comunidade em geral.

     

  5. Sites relacionados