Os livros utilizados no nosso estudo


Muito do que apresentaremos terá como base o livro de Jeremy Rifkin, O Fim dos Empregos. Nesse livro, Rifkin argumenta que os empregos irão desaparecer de forma irreversível, até que quase ninguém tenha mais empregos. Apresentaremos e analizaremos seus argumentos e suas previsões, confrontando-as com argumentos de outros autores.

Outro livro que utilizamos em nossa análise é o livro "A Sociedade em Rede - Volume 1" de Manuel Castells. O capítulo 4 desse livro - A transformação do trabalho e do mercado de trabalho - faz uma análise do emprego e do trabalho sob a nova realidade que desponta. Sua visão é diferente de Jeremy Rifkin, e em alguns trechos do livro, coloca em dúvida as afirmações de Rifkin. Castells faz uma análise bem mais profunda que Rifkin, o que não significa que devamos ignorar tudo o que Rfikin diz, dada a importância do tema em questão.

Também devemos fazer referência ao livro de Paulo C. Moura - A Crise do Emprego, do qual obtivemos algumas noções e orientações.

Em nosso trabalho, daremos ênfase aos dois primeiros livros. Em muitos pontos existe concordância entre os autores, e discordância em outros pontos. Isso foi muito útil, pois permite-nos ter uma visão mais ampla do que está ocorrendo com o trabalho e os empregos.



1. A Análise de Rifkin

A análise de Rifkin quanto ao problema do emprego é muito superficial se prende muito a fatos isolados sem nenhuma análise detalhada.

É interessante quanto a descrição da conjectura que levou a situação atual mas não chega a nenhuma grande conclusão.


2. A Análise de Castells

A teoria clássica do pós-industrialismo combinou três afirmações e previsões:

- A fonte de produtividade e crescimento reside na geração de conhecimentos, estendidos a todas as esferas da atividade econômica mediante o processamento de informação.

- A atividade econômica mudaria de produção de bens para prestação de serviços. O fim do emprego rural seria seguido pelo declínio irreversível do emprego industrial em benefício do emprego do setor de serviços, que em última análise, constituiria a maioria esmagadora das ofertas de emprego. Quanto mais avançada a economia, mais seu mercado de trabalho e sua produção seriam concentrados em serviços.

- A nova economia aumentaria a importância das profissões com grande conteúdo de informação e conhecimentos em suas atividades. As profissões administrativas, especializadas e técnicas cresceriam mais rápido que qualquer outra e constituiriam o cerne da nova estrutura social.

Castells afirma que essas afirmações devem ser olhadas com cuidado:

A primeira afirmação exagera ao afirmar que a economia irá funcionar, apenas e exclusivamente, em torno do conhecimento, sua geração e manipulação. Castells acredita que a nova sociedade informacional irá maximizar a "produtividade baseada em conhecimentos", por intermédio do desenvolvimento e da difusão de tecnologias de informação, o que não significa que toda a economia irá girar em torno disso.

A segunda afirmação não parece estar sendo corroborada pelos dados obtidos até a época presente. É um fato óbvio que a maior parte dos empregos nas economias avançadas localiza-se no setor de serviços e que esse setor é responsável pala maior contribuição do PNB. Mas não quer dizer que a indústria esteja desaparecendo. Nos EUA, a economia mais informacional do mundo, Cohen e Zysman estimam que 24% do PNB vêm do valor agregado pelas indústrias, e outros 25% do PNB vêm da contribuição dos serviços diretamente ligados às indústrias. Vejamos que 49% do PNB dos EUA está ligado à indústria, assim as indústrias não estão perdendo a sua importância. Além disso, o conceito de serviços é ambíguo, ou errôneo na pior das hipóteses. Considera-se do setor de serviços tudo o que não é agricultura, mineração, construção, empresas de serviço público ou indústria. Assim a categoria de serviços inclui atividades de todas as espécies. A única característica em comum dessas atividades é o que elas não são. Antes de analisar o setor de serviços seria melhor definir melhor esse setor e suas características.

O terceiro prognóstico refere-se à expansão das profissões ricas em informação, como os cargos especializados e técnicos, representando o cerne da nova estrutura profissional. Entretanto, simultaneamente a essa tendência também há o crescimento das profissões em serviços mais simples e não-qualificados. Esse empregos de baixa qualificação, apesar de sua taxa de crescimento mais lenta, podem representar uma grande proporção da estrutura social pós-industrial em termos de seus números absolutos. Assim surgiria uma sociedade cada vez mais polarizada em que os dois extremos aumentam sua participação em detrimento da camada intermediária.

A indústria não está perdendo importância na economia, mas os empregos parecem estar diminuindo no setor industrial. De fato, as vagas de empregos da indústria vem caindo em todos os países do G-7. Entretanto, os serviços relacionados à produção estão tendo um aumento de vagas. Serviços relacionados à produção são aqueles considerados estratégicos para a empresa, provedores da informação e do suporte para aumentar a produtividade e a eficiência das empresas. Portanto, sua extensão deverá seguir de mãos dadas com o aumento da sofisticação e produtividade da economia. Abaixo, temos o aumento da participação dos empregos relacionados à produção, entre os períodos de 1970 e 1990.

1970 1990
EUA 8,2% 14%
Japão 4,8% 9,6%
Alemanha 4,5% 7,3%
Reino Unido 5% 12%
França 5% 10%

Outros dados interessantes:

Embora seja evidente que os serviços ligados à produção têm importância estratégica crucial na economia avançada, eles ainda não representam uma proporção substancial dos empregos nos países mais avançados, apesar do rápido crescimento de sua taxa em vários desses países. A proporção desses empregos varia de 7,3% a 14%, colocando-os, é claro, muito à frente da agricultura, mas bem atrás da indústria. Um grande número de administradores e profissionais especializados engrossou as fileiras de emprego nas economias avançadas, mas nem sempre, nem predominantemente, nos lugares visíveis da gestão do capital e do controle da informação. Parece que a expansão dos serviços relacionados à produção está ligada aos processos de desintegração e terceirização que caracterizam a empresa informacional.

Pela argumentação de Castells, no processo de transformação do mercado não desaparece nenhuma categoria importante de serviço. O que ocorre é uma diversidade cada vez maior de atividades e o surgimento de um conjunto de conexões entre as diferentes atividades que torna obsoleta as categorias de emprego.



Há uma força de trabalho global?


Havendo uma economia global, também deve existir um mercado de trabalho e uma força de trabalho global. Entretanto, como acontece com muitas declarações óbvias, essa é empiricamente incorreta e analiticamente enganosa. Embora o capital flua com liberdade nos circuitos eletrônicos das redes financeiras globais, o trabalho ainda é muito delimitado (e continuará num futuro previsível) por instituições, culturas, fronteiras, polícia e xenofobia. Apenas 1,5% da força de trabalho global (cerca de 80 milhões de trabalhadores) atuou fora de seu país em 1993, e metade dela encontrava-se na África subsaariana e no Oriente Médio. Na União Européia, apesar do livre movimento de seus cidadãos nos países membros, apenas 2% deles trabalhavam em outro país da União em 1993, proporção mantida durante 10 anos.

Há, de fato, um mercado global para uma fração minúscula da força de trabalho composta dos profissionais com a mais alta especialização, atuando em P&D, engenharia de ponta, administração financeira, serviços empresariais avançados e entretenimento e movimentando-se entre os nós das redes globais que controlam o planeta. Embora essa integração dos melhores talentos nas redes globais seja importantíssima para os altos comandos da economia informacional, a esmagadora maioria da força de trabalho dos países desenvolvidos e em desenvolvimento permanece presa à nação. Até agora os únicos movimentos maciços de pessoas são em razão da fome e da guerra, não do trabalho.

O crescente comércio internacional propiciado com as tecnologias de informação permitiu às empresas fazer comparações entre produtos de maior valor agregado e maior qualidade. As empresas podem escolher produtos de vários países, ao escolherem produtos de um determinado país estão favorecendo os trabalhadores deste país, ao passo que desfavorecem os trabalhadores locais. Empresas instalam-se nos países que oferecem melhor relação entre custo de mão-de-obra, qualificação desta, menores impostos, menos exigências trabalhistas. Em geral, transferem parte de sua produção para os países menos desenvolvidos, enquanto que os departamentos mais especializados na administração, P&D, ficam nos países sedes. É o caso das fábricas de automóveis que se transferiram dos EUA e Canadá para o México, onde foi verificado que a produtividade mexicana é comparável às dos EUA, com custo operacional a uma fração do custo ao norte do Rio Grande. Também é importante citar como outro exemplo típico da nova interdependência do trabalho, Bombaim e Bangalore, na Índia, que se tornaram os principais centros de produção subcontratada de software para empresas de todo o globo, com a utilização do trabalho de milhares de engenheiros indianos e profissionais de ciências da computação altamente qualificados, que recebem 20% dos seus equivalentes nos EUA.

Essas estratégias aumentam a competitividade das indústrias e forçam a Europa, os EUA e o Japão a convergirem para uma mesma situação empresarial. Assim, as pressões pela competitividade inverterão o estado de bem-estar social da Europa. No Japão, ficará cada vez mais difícil para as empresas manter práticas de emprego vitalício se tiverem que concorrer em uma economia aberta com as empresas norte-americanas utilizando práticas flexíveis de emprego. As práticas de produção enxuta, redução do quadro funcional, reestruturação, consolidação e administração flexível são induzidas e possibilitadas pelo impacto interligado da globalização econômica e difusão das tecnologias da informação.

Pode não haver um mercado de trabalho global, mas existe uma interdependência global da força de trabalho. O novo modelo de produção e administração global eqüivale à integração simultânea do processo de trabalho e à desintegração da força de trabalho.

A tecnologia da informação e a reestruturação das relações capital-trabalho: dualismo social ou sociedades fragmentadas?

A difusão da tecnologia da informação na economia não causa desemprego de forma direta e, a longo prazo, pode criar mais empregos. A transformação da administração e do trabalho melhora o nível da estrutura ocupacional e aumenta o número dos empregos de baixa qualificação. Todavia, o processo de transição histórica para a sociedade informacional e uma economia global é caracterizado pela deterioração generalizada das condições de trabalho e de vida para os trabalhadores. Essa deterioração assume diferentes formas nos diferentes contextos: aumento do desemprego estrutural na Europa; queda dos salários reais, aumentando a desigualdade, e instabilidade no emprego nos EUA; subemprego e maior segmentação da força de trabalho no Japão; informalização e desvalorização da mão-de-obra recém incorporada nos países em desenvolvimento; e crescente marginalização da força de trabalho rural nas economias subdesenvolvidas e estagnadas. Essas tendências não são características do paradigma informacional, mas resultado da reestruturação das relações capital-trabalho.

É muito popular a idéia de que essa deterioração das condições de trabalho se deva a falta de qualificação dos trabalhadores em geral, que não possuem o conteúdo educacional exigidos para o novo mercado de trabalho informacional. De fato, nos EUA, tem havido um aumento da demanda por qualificações mais especializadas, mas essa não é a causa do grande declínio nos salários médios dos trabalhadores norte-americanos (queda de um salário semanal de US$ 327 em 1973 para US$ 265 em 1990). Apesar de o declínio dos salários reais ter sido mais pronunciado para os menos instruídos, os salários dos trabalhadores com instrução universitária também estagnaram entre 1987 e 1993.

Apesar do crescimento econômico dos EUA em 1993 ter sido de 3% e do aumento de 1,8% da renda per capita, a renda média familiar em 1993 baixou 1% em comparação com 1992. De 1989 a 1993, a família típica norte-americana perdeu 7% da renda anual. A percentagem de norte-americanos abaixo da linha de pobreza também aumentou de 13,1% em 1989 para 15,1% em 1993. Conforme apresentado na figura:

Outro fato alarmante é a forma como a distribuição de renda está se fazendo nos EUA. Enquanto os 60% mais pobres da população norte-americana têm apresentado queda de renda, ou outros 40%, mais ricos, têm apresentado aumento de renda (ver figura).

Embora os EUA sejam um caso extremo de desigualdade de renda e declínio de salário entre as nações industrializadas, sua evolução é significativa porque representa o modelo de mercado de trabalho flexível que a maioria das nações européias e, com certeza, das empresas européias tem em vista. Na Grande Londres, entre 1979 e 1991, a renda dos 10% mais pobres caiu 14%, enquanto que os 10% mais ricos passaram de 5,6 vezes para 10,2 vezes mais ricos que os 10% mais pobres.

Também é importante notar que, mesmo os que possuem empregos estáveis e mais bem pagos, não estão mais estáveis que duas décadas atrás. Na empresa norte-americana, o mais importante é a regra dos 50: os que estão acima dos 50 anos e ganham mais que US$ 50 mil anuais têm seus empregos no topo da lista para qualquer possível redução do quadro funcional.

Enquanto nos EUA, a reestruturação social toma a forma de pressão sobre os salários e condições sobre o trabalho; na União Européia, onde as instituições trabalhistas defendem melhor suas posições, o resultado é o desemprego devido à limitação da entrada de trabalhadores jovens no mercado de trabalho e à saída precoce dos mais velhos ou aqueles atrelados a setores e empresas não competitivas. Nos países em desenvolvimento, por sua vez, tem apresentado-se um modelo de articulação entre os mercados urbanos formais e informais que é equivalente às formas flexíveis difundidas nas economias maduras pelo novo paradigma tecnológico/informacional.

A que se deve tudo isso? Por quê e como essa reestruturação das relações capital-trabalho ocorreu no início da era da informação. Para reverter a diminuição dos lucros sem causar inflação, as economias nacionais e empresas privadas têm atuado sobre os custos de mão-de-obra desde o início dos anos 80, quer mediante o aumento da produtividade sem criação de emprego (Europa), quer pela desvalorização de um grande número de novos empregos (EUA). Os sindicatos de trabalhadores ficaram enfraquecidos pela sua inadaptabilidade `a representação de novos tipos de trabalhadores (mulheres, jovens, imigrantes), à atuação de novos locais de trabalho (escritórios do setor privado, indústrias de alta tecnologia) e ao funcionamento das novas formas de organização (a empresa em rede em escala global).

A sociedade ficou dividida, como na maior parte da história humana, entre vencedores e perdedores. Mas, desta vez, havia poucas regras sobre como vencer e como perder. Qualificações especializadas não eram suficientes, visto que o processo de transformação tecnológica acelerava o ritmo, sempre superando a definição de qualificações apropriadas. O trabalho nunca foi tão central para o processo de realização de valor. Mas os trabalhadores (independentemente de suas qualificações) nunca foram tão vulneráveis à empresa, uma vez que haviam se tornado indivíduos pouco dispendiosos, contratados em uma rede flexível cujos paradeiros eram desconhecidos da própria rede.

Portanto, as sociedades estão ficando aparentemente dualizadas, com uma grande camada superior e uma grande camada inferior, crescendo em ambas as extremidades da estrutura ocupacional, portanto encolhendo no meio, em ritmo e proporção que dependem da posição de cada país na divisão do trabalho e de seu clima político, e da posição de cada país na economia global informacional.


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