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Re: [ABE-L]: ENEM Ã enviesado?



O assunto saiu errado,o certo à ENADE no lugar de ENEM. Ato falho...


Em 5 de maio de 2014 18:25, Lisbeth Cordani <lisbethk@terra.com.br> escreveu:
Luis, boa noite
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a entrevista à sobre o ENADE â vocà faz a pergunta transpondo ao ENEM ou queria dizer ENADE?
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AbrÃs, Lisbeth
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Sent: Monday, May 05, 2014 1:49 PM
Subject: [ABE-L]: ENEM Ã enviesado?
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03/05/2014

Claudio Haddad: O objetivo à doutrinar

O doutor em economia fez a prova de conhecimentos gerais do Enade e concluiu que as respostas tidas como certas se baseiam em ideologias e opiniÃes, e nÃo em fatos

Engenheiro e doutor em economia pela Universidade de Chicago, ClÃudio Haddad. 67 anos, sofreu, digamos assim, uma reprovaÃÃo no campo acadÃmico. Ele resolveu fazer, sà de curiosidade, a prova de conhecimentos gerais do Enade, o exame do MinistÃrio da EducaÃÃo para os recÃm-formados nas universidades. Segundo o gabarito oficial do MEC, ele errou metade das questÃes. Como assim? Haddad, que preside o Insper, faculdade que fundou em SÃo Paulo com o nome lbmec, em 1999, depois de quinze anos como sÃcio do Banco Garantia, està desatualizado? Nada disso. O defeito à da prova, que nÃo se propÃe a medir conhecimento, mas a aferir o grau de alinhamento do candidato com a ideologia em voga em BrasÃlia. Diz Haddad: "E uma prova com viÃs ideolÃgico, alta dose de subjetividade e um olhar simplista sobre as grandes questÃes da atualidade".

O que o motivou a fazer uma prova de conhecimentos gerais para recÃm-formados?

Meus alunos se saÃram mal, e quis entender em que tipo de conhecimento eles patinavam. Passei o olho nas questÃes em uma cÃpia do teste. Eram enunciados enormes, que me deram a impressÃo de conter alto grau de subjetividade. Por isso. resolvi lazer a prova duas vezes. Na primeira, respondi tudo da maneira que julguei a mais correta: na segunda vez. assinalei as opÃÃes que imaginei serem aquelas que os avaliadores considerariam acertadas por terem um viÃs mais ideolÃgico. Resultado: à luz de meus conhecimentos, errei quatro de oito questÃes de mÃltipla escolha, ou seja. um fiasco. Jà na versÃo que fiz com o Ãnico intuito de dar as respostas que os examinadores queriam, fui muito bem. Acertei sete. Sà errei mesmo uma em que, sinceramente, apesar de ter me detido nela inÃmeras vezes, atà agora nÃo vi lÃgica.

O senhor està dizendo que a prova foi mal formulada?

Sem dÃvida. NÃo se pode dizer que uma questÃo de conhecimentos gerais que se fia num viÃs polÃtico e ideolÃgico e abre espaÃo para interpretaÃÃes subjetivas seja bem formulada. Uma boa prova deveria se basear em fatos objetivos, e nÃo em crenÃas individuais.

DÃ um exemplo de como o viÃs ideolÃgico aparece no Enade.

Uma das questÃes que mais me espantaram pede aos estudantes que reflitam sobre Ãtica e cidadania, marcando as definiÃÃes que expressem bem os dois conceitos. Uma das alternativas diz que. sem o estabelecimento de regras de conduta, nÃo se constrÃi uma sociedade democrÃtica e pluralista, terreno sobre o qual a cidadania viceja como valor. Està correto. A outra enfatiza que o princÃpio da dignidade humana à o avesso do preconceito. TambÃm està certo. A zona de sombra paira sobre a terceira proposiÃÃo. a que o MEC considera correta:

"Toda pessoa tem direito ao respeito de seus semelhantes, a uma vida digna, a oportunidades de realizar seus projetos, mesmo que esteja cumprindo pena de privaÃÃo de liberdade, por ter cometido delito criminal, com trÃmite transitado e julgado". Isso à apenas uma divagaÃÃo opinativa do formulador da prova sobre como seriam as condiÃÃes ideais de vida de um preso. Existem maneiras bem mais objetivas e lÃgicas de testar o conhecimento do candidato sobre Ãtica e cidadania.

E por que o senhor discorda da afirmativa?

Como alguÃm que cometeu um crime e està preso pode ter garantido o seu direito de realizar "projetos" como os demais cidadÃos? E. antes de tudo. um absurdo lÃgico. Vejo aà uma condescendÃncia tÃpica de certas organizaÃÃes de direitos humanos, que brigam indiscriminadamente por tudo o que à benefÃcio para o preso: visita Ãntima, saÃda à vontade da cadeia. Isso, aliÃs, està bem em voga no Brasil. Faz parte do caldo ideolÃgico incapaz de ver uma questÃo tÃo complexa sob todos os prismas.

O desprezo pela lÃgica à o pior defeito das questÃes do Enade?

A imposiÃÃo de uma maneira de pensar à igualmente danosa. Uma das perguntas faz uma longa digressÃo sobre os jovens de hoje, que preferem ficar fechados em seu quarto mexendo no computador e jogando videogame a passear pela praÃa. O texto prega que a imersÃo no mundo eletrÃnico desvia a atenÃÃo das crianÃas dos impactos dos danos ambientais. A prova pede que o candidato escolha o tÃtulo mais adequado para o texto que acabou de ler.

Minha opÃÃo foi: "PreferÃncias atuais de lazer de jovens e crianÃas: preocupaÃÃo dos ambientalistas". Errei. Para os avaliadores o tÃtulo correto Ã: "Engajamento de crianÃas e jovens na preservaÃÃo do legado natural: uma necessidade imediata". Esse nÃo à o tÃtulo mais adequado para o texto, aliÃs de pÃssima qualidade. O que se tem no conjunto de texto e resposta à uma combinaÃÃo de subjetividade total com pregaÃÃo ambientalista. A questÃo nÃo tenta medir o conhecimento do candidato, mas saber quanto ele està enquadrado na maneira de pensar oficial.

Qual à a origem dessas distorÃÃes?

Paia mim, està claro que o Enade deixa à mostra o modo torto de ver o mundo da maioria de nossos educadores. Eles sÃo mergulhados nessa ideologia antiempresa, antilucro, antimercado jà nas faculdades de pedagogia. Depois tratam de plantar essa visÃo na cabeÃa dos estudantes.

Essa à uma caracterÃstica exclusiva da educaÃÃo brasileira?

NÃo. Hà um movimento atualmente na FranÃa destinado a revisar o ensino de economia que com o tempo foi se tornando distorcidamente anticapitalista. Està sendo difÃcil na FranÃa restaurar o equilÃbrio. No Brasil a situaÃÃo à pior. Aqui o discurso ideolÃgico se mistura com a falta de conhecimento. O resultado à desastroso. à o triunfo de uma concepÃÃo de mundo simplista e equivocada. Gostaria de saber quantos desses pregadores leram Marx e Adam Smith no original. Sim. porque tem muito professor por aà que se baseia em textos curtos e apostilados para ensinar. A prova do MEC à um espelho dessa simplificaÃÃo. O conhecimento verdadeiro consiste em entender realidades complexas, e nÃo em contornÃ-las com resumos empobrecedores e enviesados.

Qual a consequÃncia imediata disso?

A radicalizaÃÃo. O discurso ambientalista à um exemplo. Tomou-se uma sucessÃo de bandeiras e pregaÃÃes alarmantes com evidente desprezo pela lÃgica e pela objetividade. A intervenÃÃo humana no meio ambiente à ensinada apenas como uma "agressÃo". Muitas vezes faltam inteligÃncia e informaÃÃo na utilizaÃÃo racional dos recursos materiais, mas isso nÃo significa que à impossÃvel agir sobre a natureza sem provocar tragÃdias ambientais.

As crianÃas tambÃm aprendem na escola a repudiar a RevoluÃÃo Industrial inglesa, lembrada apenas pelas condiÃÃes de trabalho miserÃveis. Mas a misÃria jà estava là bem antes e foi justamente com a RevoluÃÃo Industrial que, pela primeira vez na histÃria da humanidade, a riqueza aumentou exponencialmente para todas as classes. As economias cresceram, a renda per capita se multiplicou e os governos puderam arrecadar mais e implantar programas sociais. Mas a ideologia em voga demoniza a RevoluÃÃo Industrial. Isso nÃo à educaÃÃo de qualidade.

O Enade sofre dessa miopia em relaÃÃo aos processos econÃmicos?

Sim. Em alto grau. Uma questÃo sobre a crise financeira mundial de 2008 à a prova disso. O texto da pergunta diz que a desregulaÃÃo dos mercados americanos e europeus levou à formaÃÃo de uma bolha de emprÃstimos especulativos e imobiliÃrios que, ao estourar, desencadeou a crise mundial. Falso ou verdadeiro? Para o MEC, à verdadeiro; para mim. falso. Para o MEC, o certo à pÃr toda a culpa no sistema. Ponto. Com essa Ãnfase ideolÃgica, perdem-se dimensÃes importantes para entender as razÃes da crise. A frouxa polÃtica monetÃria do Fed, o banco central americano, teve muito a ver com a crise. Como teve seu papel o incentivo do governo americano à concessÃo de crÃdito imobiliÃrio mesmo para quem. claramente, nÃo poderia pagar. Essas aÃÃes de Washington foram decisivas para que o mercado de casa prÃpria inflasse em bases irrealistas. Mas a lente ideolÃgica manda apontar a desregulamentaÃÃo dos mercados corno a causa da crise financeira. Isso nÃo à produÃÃo de conhecimento, mas simplesmente a divulgaÃÃo de uma visÃo equivocada.

Por que as universidades brasileiras ainda sÃo tÃo pouco inovadoras mesmo se comparadas Ãs de outros paÃses emergentes?

Entre as instituiÃÃes pÃblicas de elite, dois fatores pesam contra a corrida pela produtividade: elas tÃm verbas garantidas e o grosso do dinheiro à distribuÃdo sem considerar o relevo da produÃÃo cientÃfica de cada uma. O princÃpio do igualitarismo pode atà soar bacana, mas contÃm em seu DNA uma armadilha perversa. Para que todos progridam no mesmo ritmo, o avanÃo de uns à refreado em funÃÃo do passo mais lento de outros. Cadà a meritocracia? Nos Estados Unidos, as melhores universidades recebem mais recursos do que as de menor desempenho â e isso nÃo à por acaso. à mÃrito.

Na Ãltima dÃcada, o governo federal incentivou a abertura de universidades com o intuito de fomentar certas regiÃes carentes de ensino de qualidade. Isso ajuda?

à clara essa preocupaÃÃo em espalhar universidades por todo o territÃrio brasileiro, sob o discurso do desenvolvimento regional, mas. para mim, isso significa desperdiÃar dinheiro baixando o nÃvel de todos. Sim, porque o dinheiro à finito e a pulverizaÃÃo dele impede os melhores de chegar a um patamar ainda mais alto.

Alguma coisa melhora no ensino superior brasileiro?

Temos centros de excelÃncia jà conectados com o mundo là fora. PoderÃamos ter muito mais competiÃÃo, porÃm. O economista Edward Glaeser faz uma colocaÃÃo muito interessante em um de seus livros quando diz que as universidades americanas nÃo resvalaram para o corporativismo justamente porque tinham de competir umas com as outras. No Brasil, nunca ouvi falar de uma turma de cientistas de um determinado centro de pesquisas preocupada em correr para superar o trabalho de outro grupo. TambÃm nÃo vejo ninguÃm consternado com o fato de que sua instituiÃÃo nÃo està entre as melhores do mundo nos rankings. A preocupaÃÃo em gerar recursos adicionais, entÃo, à algo mais raro ainda.

De quem à a culpa?

Vejo claros problemas de gestÃo e governanÃa nas universidades pÃblicas. Meu pai foi sub-reitor da UFRJ e nÃo se conformava com o aluguel baixÃssimo que a universidade recebia do CanecÃo. Ele achava que tinha de vender a casa de shows, que assim entraria mais dinheiro no caixa. Mas as resistÃncias internas a qualquer iniciativa que mexa na velha maneira de fazer as coisas sÃo tÃo grandes que nÃo se faz nada. A UFRJ tem instalaÃÃes no Rio de Janeiro inteiro. Por que nÃo vender uma parte, concentrar tudo numa mesma Ãrea e otimizar recursos? Aà entra uma sÃrie de interesses especÃficos. Tem atà o grupo que diz: "Mas està bom assim; a universidade à do lado da minha casa".

O forte elo entre universidades e empresas ajuda a explicar o alto poder inovador de muitos paÃses. Como o Brasil està nessa Ãrea?

O Brasil vem melhorando, mas precisa romper de vez com uma ideologia antiga segundo a qual a parceria com o mercado à vista como ameaÃa à autonomia universitÃria. Bobagem. Todas as grandes instituiÃÃes de ensino superior americanas recebem dinheiro de empresas e nÃo se privam com isso de sua liberdade criativa. Ao contrÃrio: sÃo as maiores fornecedoras de prÃmios Nobel do planeta. Se o pesquisador ficar isolado em sua torre de marfim, dificilmente produzirà conhecimento relevante.

Mas percebo, inclusive pelas conversas dos alunos em minha escola, que surge no Brasil uma geraÃÃo de mente mais aberta e empreendedora. Ela à essencial para a criaÃÃo de um ecossistema favorÃvel à inovaÃÃo e à produÃÃo de riqueza.

Quais as caracterÃsticas desse ecossistema?

Empreendedores, inovadores, academia, empresas e financiadores trabalhando juntos. SÃo Paulo reÃne condiÃÃes para a criaÃÃo disso, que se và em ebuliÃÃo em lugares como Boston e Tel-Aviv. Estamos falando de criar no Brasil uma cultura que tenha na produÃÃo de conhecimento seu maior valor.