Computadores na educação: por quê, quando e como

Valdemar W.Setzer
Depto. de Ciência da Computação, Instituto de Matemática e Estatística da USP
vwsetzer@ime.usp.br - http://www.ime.usp.br/~vwsetzer

(Publicado nos Anais do 5o. Simpósio Brasileiro de Informática na Educação, Sociedade Brasileira de Computação, Porto Alegre, 1994, pp. 210-233; a versão aqui apresentada foi editada e inserida por Jacira Cardoso como apêndice da edição de 1998 de [5]. Uma versão mais recente foi publicada em Setzer, V.W. Meios Eletrônicos e Educação: uma visão alternativa, 2a. ed. São Paulo: Ed. Escrituras, 2002, pp. 85-134)

1. Introdução

O problema do uso de computadores na educação é de suma e premente importância hoje em dia - atinge tanto os pais como as escolas, e isso em escala universal. Se os filhos não usam computadores, os pais ficam ansiosos, por tender a achar que eles não se estão beneficiando de uma poderosa ferramenta educacional e também supondo que estejam atrasados em relação a seus colegas que já os utilizam. Eles podem ainda pensar que seus filhos não se estejam preparando adequadamente para sua futura vida social e profissional. Isso os leva a instalar computadores em casa, a matricular seus filhos em cursos isolados e até a procurar escolas que adotem computadores no processo de ensino, evitando as que não o fazem.

Escrevemos este breve texto com a intenção de esclarecer essas dúvidas e apresentar proposta concreta de uso de computadores no ensino. Esperamos que tanto pesquisadores como pais e escolas possam beneficiar-se das reflexões aqui expostas, pelo menos como argumentos não-convencionais para uma discussão sobre o tema. Em outra publicação [1] já tivemos oportunidade de estender-nos sobre vários de nossos pontos de vista, expandidos progressivamente em três posteriores [2].  Faremos aqui uma abordagem diferente, acrescentando vários novos aspectos, como uma proposta concreta de ensino de hardware e software no nível escolar médio.

2. Por quê?

Cremos que todos os jovens devem deixar o ensino médio com um conhecimento básico sobre a estrutura e o funcionamento das máquinas mais comuns. Sem esse conhecimento não é possível controlar o uso das mesmas, criticando-as e colocando-as em seu devido lugar. Pouca gente sabe que todas as máquinas têm efeitos colaterais indesejáveis. Por exemplo, a televisão induz a um estado de sonolência no telespectador, independentemente do progama, como já foi comprovado por estudos neurofisiológicos [3]. Assim, esse aparelho não permite normalmente um atitude crítica e consciente do telespectador, gravando em seu subconsciente tudo o que é transmitido, sem que geralmente seja filtrado pelo consciente. Motores a explosão provocam poluição, cujos efeitos deveriam ser conhecidos por todos (talvez aí se desse, em nosso país, mais importância ao álcool como combustível, apesar de ser, de imediato, mais caro). Motocicletas, por serem veículos muito ágeis, induzem a atitude do ‘motoqueiro’, exigindo um enorme esforço de autocontrole por parte dos motoristas para serem guiadas consciente e calmamente. Automóveis produzem um isolamento dos passageiros em relação ao ambiente, fazendo com que eles absorvam um número enorme de imagens em pouco tempo, o que não é uma atitude normal do ser humano. Nos E.U.A., várias escolas ensinam a dirigir automóveis, complementando esses conhecimentos com uma educação no sentido de se guiar mais socialmente, respeitando os outros motoristas e os pedestres (o que as auto-escolas não fazem, pois não estão preocupadas com educação).

O desconhecimento do funcionamento básico das máquinas leva a um grave problema individual. A atitude normal do ser humano, ao defrontar-se com algo que não entende, é investigar esse algo e seu entorno até poder associar, pelo pensamento, sua percepção sensorial com um conceito relacionando suas idéias com o mundo observado. Por exemplo, ao ver uma árvore balançando, uma pessoa procurará a causa, que pode ser o vento, ficando com isso satisfeita sua curiosidade. No entanto as máquinas estão ficando cada vez mais complicadas, e com isso as pessoas passam a ficar inertes frente a uma incompreensão de seu funcionamento, sentindo-se impotentes para compreendê-las. Por exemplo, quantas pessoas conhecem o princípio do funcionamento de um motor a explosão, ou da sustentação das asas de um avião? Essa abdicação da curiosidade e da ação de investigar, uma verdadeira paralisia mental, parece-nos significar a diminuição, o abafamento de uma característica humana essencial, diminuindo assim o caráter humano da pessoa. Talvez essa atitude influencie negativamente outras áreas que exigem curiosidade e investigação, particularmente em relações individuais e sociais.

Obviamente, não é necessário que a escola ensine a usar uma tevê ou um elevador, como também outras máquinas cujo uso se tornou corriqueiro. O importante é ensinar o princípio de funcionamento dessas e outras máquinas, para que elas não sejam um mistério e possam ser usadas criticamente.

No caso dos computadores, deve-se levar em conta que eles penetram em todas as atividades humanas, pois substituem uma parte de nossos pensamentos. De fato, não se encontra um automóvel ou uma máquina de lavar roupa dentro de um escritório, de um dormitório ou de uma fábrica. No entanto, pode-se muito bem encontrar computadores nesses locais. Devido a esse uso universal, cada vez mais crescente, é necessário ensinar tanto o que eles são como a usá-los em aplicações de utilidade geral, mostrar como podem ser bem e mal empregados e quais os benefícios e malefícios que trazem à sociedade e aos indivíduos. Algumas das influências nefastas dos computadores, como por exemplo a necessária quantificação e empobrecimento da informação de qualquer dado processado por eles, só podem ser compreendidas se houver um conhecimento de sua estrutura interna, tanto do ponto de vista lógico quanto de hardware. Por isso somos favoráveis a que sejam abordados no ensino. As grandes questões que se colocam, como veremos, é determinar a idade adequada para isso e sob que forma eles devem ser empregados.

3. Quando?

Para responder a essa questão, é imprescindível conceituar o que seja um computador e como se processa o desenvolvimento das crianças e jovens. Obviamente, cada pessoa deve imaginar uma idade adequada para se começar a aprender a dirigir um automóvel. Conhecendo-se essa máquina, e também as características das crianças, ninguém iria, por exemplo, dizer que estas devem aprender a dirigir com sete ou, talvez, até mesmo dez anos de idade. Espera-se do motorista uma certa responsabilidade, maturidade e coordenação motora para dirigir em nosso trânsito caótico. No caso dos computadores, a idade não é um fator tão evidente, pois sua operação não produz desastres físicos e não exige coordenação motora. Vamos mostrar que, apesar disso, existe uma idade ideal para se começar a usá-los.

3.1) O computador

Computadores são máquinas completamente diferentes de todas as outras. Enquanto estas atuam fisicamente, os computadores não o fazem: processam dados, que são pensamentos particulares colocados nessas máquinas. Não se deve confundir dados com informações; estas têm algum significado, uma ‘semântica’. Dados são simplesmente símbolos. Por exemplo, o número 2000 é uma seqüência de quatro símbolos sem qualquer significado por si. No entanto, como resultado de um cálculo, pode ser associado pelo usuário do computador a um salário, adquirindo aí um significado - completamente ‘desconhecido’ pela máquina. Assim, computadores trabalham com uma classe muito restrita de nossos pensamentos, porém sem ter, para a máquina, o significado que têm para nós - por exemplo, sua associação com a realidade, como no caso de um salário. Os programas dos computadores também são pensamentos que colocamos nestes, processando outros pensamentos que são os dados. Por outro lado, uma máquina como um torno atua diretamente no mundo físico, transformando um material. Um telescópio transforma a luz que nele penetra; uma usina hidrelétrica transforma energia (potencial da água em elétrica); um automóvel serve para transportar matéria (pessoas); uma bateria armazena energia elétrica. Assim, podemos dizer que as outras máquinas transformam, transportam e armazenam matéria ou energia, isto é, elementos físicos. Computadores, ao contrário, transformam, transportam e armazenam dados, que não possuem consistência física, pois representam nossos pensamentos. (Não é possível pegar, medir, observar com os olhos - ou mesmo aparelhos - os pensamentos em si.) Incidentalmente, é devido a esse divórcio em relação à realidade e à atuação físicas que foi possível fabricar computadores cada vez menores.

Essa manipulação simbólica de dados, que são pensamentos, caracteriza o computador como máquina abstrata, máquina matemática. De fato, é possível descrever com o formalismo da matemática todo o processamento de dados feito pelo computador. É também possível simular seu funcionamento, seja mentalmente ou com lápis e papel, a menos de restrições de tempo e sem considerar casos em que computadores controlam outras máquinas e dispositivos de entrada/saída de dados. Programar um computador corresponde a elaborar pensamentos puramente matemáticos. É um processo análogo a provar um teorema. Por estranho que isso possa parecer, o mesmo se passa ao se utilizar qualquer programa como, por exemplo, um editor de textos. Para se alinhar um texto verticalmente, deve-se dar um comando à máquina, seja pressionando teclas num teclado ou selecionando um ícone (uma figura da tela) com o cursor do mouse. Essa atividade é também formal, sempre provocando a mesma reação por parte da máquina. Para se executar uma certa tarefa complexa por meio de comandos como esse, é preciso exercitar um raciocínio de causa-e-efeito do mesmo tipo que se usa na matemática. A única diferença reside no fato de o computador poder exibir os resultados dos processamentos, permitindo uma conferição do raciocínio, ao passo que na matemática o próprio agente deve escrever ou desenhar seus resultados, não tendo, portanto, a segurança de que o raciocínio esteja correto. Aliás, essa possibilidade de verificação imediata é a origem de parte do fascínio dos computadores; a programação e o uso de software geral por meio de comandos torna-se um verdadeiro ‘joguinho eletrônico’ com um desafio puramente intelectual. Caso se cometa um erro, há a certeza absoluta de que é possível corrigi-lo, e o usuário entra no que denominamos estado do programador obsessivo (compulsive programmer, para Weizbaum [4], que aplicou essa noção somente aos hackers), não sossegando enquanto não ‘dobra’ a máquina, fazendo-a executar o que deseja. Obviamente, é necessário distinguir entre a simples digitação de um texto - caso em que quase não há diferença entre um computador e a máquina de escrever - e o emprego de comandos ou a confecção de programas.

Como complemento a essa breve caracterização dos computadores, é interessante notar ainda que tanto as instruções de um programa quanto os comandos usados num editor de texto ou outros sistemas como planilhas eletrônicas, traçadores de gráficos e figuras, gerenciadores de correio eletrônico, etc., constituem o que se denomina uma ‘linguagem formal’, isto é, que pode ser definida matematicamente. Em contraposição, nossa linguagem diária, chamada de ‘linguagem natural’, não tem essa característica. Já se pretendeu descrevê-la formalmente, mas isso não foi possível. Uma diferença fundamental entre as linguagens - todas formais - de computação (por exemplo, linguagens de programação ou de comandos) e as linguagens naturais é que estas são ambíguas, ao contrário das primeiras. Isso significa que cada instrução ou comando interpretado pelo computador produz exatamente a execução de uma única função (no sentido matemático) sobre os dados. Por exemplo, a frase “O vaso caiu sobre a mesa e quebrou” é altamente ambígua: não está formalmente definido o que são ‘vaso’ e ‘mesa’ e o que significa ‘quebrou’, não sendo tampouco possível deduzir o que foi que quebrou. A compreensão dessa frase depende do conhecimento da mesa e do vaso. Toda semântica e pragmática envolvidas na linguagem natural devem ser convertidas em pura sintaxe, em relações meramente simbólico-estruturais para poderem ser introduzidas no computador, deixando, portanto, de ter suas características próprias.

Quando uma criança fala, é óbvio que não está pensando conscientemente em tudo o que diz. E nem o adulto pensa, ao falar, da mesma maneira como um matemático raciocina ao fazer matemática, um programador ao elaborar um programa ou um usuário de um editor de textos ao acionar um comando qualquer. Nesses dois últimos casos, cada ‘sentença’ tem um único significado, que pode ser descrito matematicamente como manipulação dos símbolos processados pelo computador.

Resumindo, podemos dizer que um computador é uma máquina matemática, que exige raciocínio e linguagem matemáticos (expressos de forma simbólica própria) para ser programado ou usado. Esse tipo de raciocínio é da mesma natureza que as provas de teoremas.

3.2) O desenvolvimento da criança e do jovem

Já que o computador exige um tipo de pensamento e linguagem formais, matemáticos, como caracterizamos na seção anterior, poderíamos formular a seguinte pergunta: quando crianças ou jovens devem começar a exercer esse tipo de pensamento e linguagem?

Se lembrarmos o que foi dito acima, isto é, que a atividade de programar um computador ou usar um programa qualquer (necessariamente, por meio de uma linguagem de comandos) é análoga à prova de teoremas da matemática, poderemos afirmar o seguinte: a idade adequada é a mesma em que se deseja que os jovens comecem a provar teoremas.

Para estudarmos essa idade, utilizamos em nossa pesquisa os conceitos sobre a evolução de crianças e jovens introduzidos por Rudolf Steiner em 1919, quando ele criou o que veio a chamar-se ‘Pedagogia Waldorf’. Não se trata de mera elucubração mental: existem cerca de seiscentas escolas no mundo inteiro. Três estão situadas na cidade de São Paulo, havendo outras em Ribeirão Preto, Botucatu, Florianópolis, Cuiabá, etc. (ver diretório de escolas Waldorf  na América Latina em http://www.ime.usp.br/~vwsetzer/lawaldir.html). Em certos países houve uma expansão enorme dessas escolas, que constituem o único movimento coeso de escolas ‘alternativas’ (ao ensino estatal), como nos E.U.A., onde passaram de sete em 1970 para 91 registradas em 1992. Uma boa introdução à Pedagogia Waldorf pode ser encontrada em [5]. Consideramos o fato de a Pedagogia Waldorf ser raríssimas vezes abordada nos meios acadêmicos como uma demonstração dos preconceitos que os cercam. Ignora-se todo um edifício conceitual e quase oitenta anos de prática de um método com sucesso comprovado e que difere radicalmente tanto dos métodos tradicionais quanto dos mais recentes. A razão desse preconceito parece-nos clara: a cosmovisão subjacente à Pedagogia Waldorf não é materialista.

Segundo R. Steiner, a evolução de cada ser humano pode ser subdividida em ‘setênios’, períodos de sete anos. Essa subdivisão já era usada na antiga Grécia, sob forma de dez ‘heptômadas’, que aparentemente foram descritas a princípio por Sólon. Steiner aprofundou e conceituou esses períodos em inúmeros ciclos de palestras - todos publicados -, caracterizando-os e fundamentando suas diferenças sob uma conceituação e observação adequadas ao nosso raciocínio moderno. Vejamos, de maneira extremamente breve, apenas os três primeiros, pois são os que interessam à educação escolar e ao nosso tema (ver p.ex. [6], um dos últimos ciclos de palestras de Steiner, proferidas de 12 a 20/8/1924 por ocasião da formação da primeira Escola Waldorf na Inglaterra, bem como [5, 7]).

De acordo com Steiner, e conforme é aplicado com sucesso na Pedagogia Waldorf, no primeiro setênio a criança é extremamente aberta ao ambiente e está individualizando seu querer; a educação deve basear-se exclusivamente no contato com a realidade, na imitação, na fantasia imaginada (por exemplo, por meio de contos) e no ritmo. A criança espera um mundo essencialmente bom. Qualquer ensino de abstrações, como o da leitura (as letras modernas e sua composição em sílabas constituem meras abstrações - ao contrário de hieróglifos egípcios e ideogramas orientais) contraria a natureza própria da criança, perturbando seu desenvolvimento e produzindo nela males que se manifestam posteriormente, sob forma psicológica ou mesmo fisiológica. No sentido da escolaridade, deveria haver no máximo um jardim-de-infância (e não uma pré-escola), expressão que revela uma profunda intuição de nossos antepassados: a criança deve ser tratada como uma tenra plantinha; o local deve prestar-se ao ‘brincar’ e ao ‘aprender fazendo’, envolvendo coordenação motora, socialização e observação do entorno sem conceituá-lo abstratamente, tudo isso num ambiente o mais natural possível. Deve-se ter aí uma professora-‘mãe’.

No segundo setênio, a criança entra na idade escolar - havia uma tradição, agora perdida, segundo a qual as crianças ingressavam no ensino ‘formal’ apenas ao redor de seis anos e meio a sete anos, sendo com essa idade que começavam a aprender a ler. De fato, forças que estiveram dedicadas ao extraordinário desenvolvimento da base física ficam, nesse momento, disponíveis para o esforço de aprender; a troca de dentes é um dos sinais externos dessa maturação. Durante esse período, a criança, que agora controla razoavelmente sua vontade, passa a individualizar seus sentimentos e espera encontrar um mundo belo. A educação deveria voltar-se para esse fato, sendo toda imbuída de estética artística. Mesmo a matemática deveria ser ensinada como algo capaz de despertar a imaginação, sendo apresentada artisticamente. Nada deve ser rígido; na Pedagogia Waldorf as crianças e jovens fazem seu próprio caderno de notas, artisticamente decorado, em lugar de usar livros-textos que bitolam uma determinada seqüência e nomenclatura, não expressando a individualidade do aluno. Lembremo-nos aqui de um trágico contra-exemplo, o da ‘matemática moderna’; em termos de nomenclatura, os jovens continuam procurando ‘conjuntos-verdade’, e não as raízes de equações, como se tivessem capacidade para compreender asserções da lógica simbólica. Para se ver como a ‘matemática moderna’ significou a introdução, na educação, das tendências de excessiva abstração na pesquisa científica, leia-se o fascinante livro de Morris Kline [8]. Nesse período, o professor deve ser um generalista.

Uma observação colateral sobre a perda de um conhecimento intuitivo que revelava uma enorme sabedoria. Quando, pessoalmente, iniciamos com seis anos de idade o ‘curso primário’, em 1946, infelizmente já não havia limite de idade mínima para isso. No entanto, mais tarde tivemos de esperar um ano, fazendo o que se denominava ‘curso de admissão ao ginásio’ (atual quinta série), pois o ingresso no ginásio requeria a idade mínima de onze anos a serem completados até 30 de junho. Isso se aplicava a todos os estudantes, não havendo exceções. Naquela época não se havia instituído a classificação de ‘superdotado’ (que na verdade deveria ser tratado como um caso patológico, necessitando de equilíbrio). Assim, todos os meus colegas de turma ingressaram na faculdade com pelo menos dezessete anos e meio.

No terceiro setênio - época do colegial (ensino médio) e do ingresso na universidade -, cujo início é caracterizado fisicamente pela puberdade (infelizmente adiantada nos países tropicais, especialmente no caso das meninas), o jovem passa a individualizar gradativamente seus pensamentos, procurando um mundo verdadeiro. É então que se deve começar com o ensino voltado para o pensamento ‘puro’, abstrato, eventualmente desligado por inteiro da realidade. Esta é sempre compreendida pelo ser humano mediante conceitos universais, ‘verdades’. Nesse período, o aluno busca a compreensão dos fenômenos. Se no segundo setênio o professor deve restringir-se a apresentar os fenômenos e fazer os alunos saber descrevê-los, no terceiro deve começar a explicá-los por meio de conceitos e, eventualmente, a modelá-los matematicamente. É nessa época que os alunos devem começar a provar teoremas, introduzindo-se paulatinamente manipulações simbólicas divorciadas de eventual aplicação prática. Obviamente, não se deve descuidar de relacionar tudo o que é estudado com a realidade, além de cuidar dos lados artístico e estético envolvidos com qualquer matéria. São esses os aspectos que devem atrair o interesse do aluno. O fim desse setênio é ainda hoje tomado como referência legal para o início da responsabilidade civil, conseqüência da adquirida liberdade de pensamento. Nesse período, os professores devem ser especialistas.

Sobre o excesso de abstração precoce na educação, note-se que até o século passado a matemática sempre foi motivada por aplicações; somente neste século passou-se a pesquisá-la como se fosse um fim em si mesma, o que acabou por refletir-se na educação [8]. Ou seja: a humanidade levou milhares de anos para atingir esse grau de abstração. As pobres crianças e jovens, que estão refazendo uma boa parte desse desenvolvimento, são forçados a pensar de maneira puramente intelectual desde os primeiros anos escolares. Um bom exemplo disso é a clássica definição, sem vida e colorido (e, no caso, errada!), de ilha como sendo “um pedaço de terra cercado de água por todos os lados”. Felizmente não se dá às crianças uma definição de árvore como sendo “um pedaço de pau com ramificações fincado no solo a noventa graus”, o que não impede ninguém de desenvolver um correto conceito de árvore... Qualquer definição é uma abstração intelectual, e seu lugar adequado é o ensino médio.

Voltemos aos computadores. Devido ao fato de eles serem máquinas matemáticas, forçando tanto um raciocínio puramente abstrato e matemático como o emprego de linguagens formais, podemos concluir, pelo exposto, que eles não devem ser usados de forma alguma antes do colegial. Vejamos como isso se aplica a qualquer forma de uso de computadores no ensino.

3.3 Formas de uso dos computadores na educação

Existem várias formas de se usarem computadores na educação. Uma delas, representada pela linha de Seymour Papert [9], usa a programação de computadores, pelo aprendizado da linguagem de programação LOGO, para desenvolver um raciocínio matemático nas crianças (segundo ele, após os quatro anos de idade inclusive). LOGO é uma linguagem interessante, mas em nossa conceituação, apresentada acima, se usada antes do ensino médio deturpa a mente da criança e do jovem. Papert deve estar de acordo conosco quanto ao tipo de raciocínio forçado pelo ambiente LOGO, pois ele o chama de Mathland. Com o que ele certamente não concorda é com a afirmação de que esse raciocínio matemático estritamente simbólico e formal é prejudicial antes da puberdade.

Outra forma de se usarem computadores em educação, já referida anteriormente, é a ‘instrução programada’ automatizada. O computador apresenta um assunto - por exemplo, de geografia - de maneira mais ampla do que os antigos livros com esse tipo de ensino, usando-se eventualmente som e animação. Depois dessa fase, formulam-se perguntas cujas respostas dadas pelo aluno produzem a exibição de outros tópicos ou a repetição daqueles já vistos que não foram ‘aprendidos’, como se o aprendizado se resumisse à memorização, não se levando em conta fatores imponderáveis como a maturação e a aquisição de capacidades intuitivas. Nessa mesma categoria se encaixam certos joguinhos como, por exemplo, os que ‘ensinam’ a fazer contas (‘somar’ duas borboletas a três exibidas na tela, por exemplo). Obviamente o computador continua, na instrução programada, a impor o mesmo tipo de raciocínio que ele exige em qualquer aplicação, já que os comandos a serem dados pelos alunos constituem também uma linguagem formal e o raciocínio simbólico é tipicamente matemático, isto é, inadequado até o período do ensino médio. Acrescente-se a isso o fato de a ‘instrução programada’ ser extremamente bitoladora, não dando margem à criatividade e repetindo enfadonhamente os mesmos passos - daí a linha de Papert ser contrária a ela, substituindo-a por um espaço ‘aberto’ como o apresentado por uma linguagem de programação como LOGO.

Uma forma adicional de uso de computadores no ensino é a que faz com eles simulações de experiências. Em lugar de o aluno observar a realidade, como por exemplo nos laboratórios de química e física, as experiências são simuladas na tela do computador - por exemplo, num sistema de tiro livre, com um canhãozinho disparando uma bala que descreve uma trajetória parabólica na tela. O uso dessas simulações impõe o mesmo raciocínio matemático típico de qualquer uso do computador. Por outro lado, cremos que experiências devem ser feitas ao vivo, e não simuladas; um dos maiores problemas do ensino é que ele é abstrato demais, divorciado da realidade, o que o torna desinteressante. As simulações em computador aumentam essa abstração, pois os alunos não terão a chance de entrar em contato com a realidade propriamente dita. Além disso, elas são baseadas em modelos de causa-e-efeito puramente matemáticos, alienados da natureza. Essa alienação torna-se perigosa, particularmente com crianças que ainda estejam formando sua imagem interior do mundo, no caso de simulações de ambientes vivos, pois induzem conceituações e simplificações que não correspondem à realidade. É o caso de um conhecido programa que simula o ambiente de uma lagoa. Poder-se-ia objetar: mas nem tudo pode ser feito no laboratório, como simular a queda de um corpo na Lua. Nossa resposta é que, nos níveis do primeiro e do segundo graus, o que não pode ser demonstrado no laboratório não deveria ser ensinado, pois foge à realidade do jovem e apela exclusivamente ao seu intelecto. Os exemplos ilustrativos das teorias deveriam ser extraídos do dia-a-dia, pois aí podem despertar um interesse nos alunos. Estes poderiam perguntar: “Mas o que tenho eu com a queda de um corpo na Lua?”

Finalmente, pode-se usar o computador para ensinar o que é o próprio computador e como utilizá-lo. Isso significa ensinar os sistemas de uso geral, como editores de texto, planilhas, sistemas gráficos, gerenciadores de bancos de dados e Internet. Aqui também ocorre o mesmo problema das outras modalidades: como o computador impõe linguagens formais para os comandos que se deve empregar nesses sistemas e força um raciocínio matemático-algorítmico, nossa recomendação é que esse processo se dê apenas no ensino médio.

Assim, nossa opinião é que em qualquer modalidade de uso o computador só deve ser usado na educação quando o jovem está cursando o ensino médio. É só nessa época que ele adquire maturidade para que seu raciocínio não seja perturbado pelo tipo imposto por aquela máquina. Qualquer uso do computador no ensino básico, ou mesmo antes, significa uma violação da mente ‘normal’ da criança, o que poderá causar prejuízos psicológicos ou até fisiológicos mais tarde. L. Stebbing escreveu sobre o setênio de sete a catorze anos (nossa tradução):

Comandos e instruções de computadores são pensamentos formais, sem sentimentos, que não deixam espaço para a imaginação além de se prever de modo formal e determinístico o que eles causarão no sistema. A respeito do ensino de aritmética, R. Steiner disse: O que ele disse sobre calculadoras (mecânicas, na época) certamente se aplica a computadores modernos; estes são mais ricos em sua capacidade de processamento e exibição, mas não deixam de forçar intelectualização e alienação quanto à realidade da vida.

Uma das principais razões para o uso de computadores muito cedo é a atração, o fascínio que essas máquinas exercem. É o fascínio da novidade (que já está desaparecendo) e do joguinho eletrônico, que apresenta um desafio intelectual. Assim, os computadores parecem ser ferramentas muito úteis no sistema ensino/aprendizado. Nossa objeção a esse respeito é que a comparação está sendo feita com o ensino proporcionado por maus professores. Não há razão para que os professores não atraiam muito mais a atenção dos jovens do que quaisquer máquinas. Cremos que este não tem sido o caso, pois os professores não têm uma concepção do que significa ser criança ou jovem - justamente o que Steiner introduziu com seu modelo de desenvolvimento. Suas aulas são excessivamente abstratas, dirigidas essencialmente ao intelecto dos alunos, fazendo-os sentir-se massacrados e achar as aulas extremamente enfadonhas, pois não conseguem identificar-se com seu conteúdo. Já o sistema de notas e de reprovações faz os alunos sentir-se tratados como ‘coisas’ - ou máquinas de armazenar informações.

Como é que numa prova se pode medir o grau de amadurecimento, capacidade e criatividade adquiridos pelo aluno, fatores que constituem alguns dos maiores ideais da educação? O que significa uma nota ‘5’: metade do conhecimento de cada ponto ou conhecimento de metade de todos os pontos? São poucos os alunos que se adaptam a esse sistema sem que sua escolaridade signifique uma seqüência de tensões e traumas - que, antes da universidade, dura pelo menos onze anos de sofrimentos! Se o ensino não é interessante e os alunos sentem-se massacrados, é lógico que uma máquina atraente como o computador pode dar melhores resultados. No entanto, com a introdução dessas máquinas não se está resolvendo o problema fundamental, e sim propondo um paliativo que causará problemas ainda maiores. Fazendo uma analogia, é como achar que o sistema social de saúde é péssimo, pelo fato de os médicos terem pouquíssimo tempo para examinar cada paciente, e dizer que o diagnóstico deveria ser feito por computador. Em lugar de se corrigir o erro em sua base, adota-se uma solução que jamais poderá atingir o nível de excelência proporcionada pela correção adequada do problema - e, pior ainda: eventualmente mais provoca do que resolve problemas. Citaremos aqui apenas um desses problemas.

A programação de computadores e o uso de sistemas que denominamos ‘abertos’, como os editores de texto, planilhas, ou a Internet, induz a indisciplina mental. Como os comandos são pensamentos e não há imposição de restrições físicas a eles, pode-se construir um programa ou usar um editor de textos de maneira completamente indisciplinada. Tomemos o último caso. Escrevendo à mão ou à máquina, a pessoa precisa exercer uma disciplina mental muito grande, pois não é possível modificar à vontade o que já foi escrito ou datilografado. Isso não ocorre no caso dos editores de texto: estes permitem que se digite um texto sem prestar-lhe muita atenção, sem planejar a seqüência das palavras, frases e parágrafos, pois será possível efetuar toda sorte de correções, eliminações, transposições, formatações de texto, etc. Nem existe necessidade de prestar atenção à ortografia, pois a qualquer momento pode-se executar um corretor ortográfico que apontará os erros, indicando as possíveis correções. Num futuro talvez próximo, também estarão disponíveis corretores gramaticais razoáveis. Assim, cremos que o computador induz uma indisciplina mental, talvez ainda tornando a mente preguiçosa. Por essa e outras razões, também cremos que os computadores prejudicam a criatividade, pois esta deve ser sempre ser orientada, seguir uma estrutura sugerida pelas aplicações. Criatividade ampla realmente existe em sistemas mal definidos, como os sociais ou artísticos, e não no espaço matemático, de estrita causa-e-efeito, apresentado pelo computador. A indução de indisciplina mental e a perda da criatividade são especialmente trágicas no caso de crianças e jovens, pois estão desenvolvendo as correspondentes qualidades positivas durante o processo educacional.

3.4) A idade ideal

Como expusemos acima, cremos que qualquer uso de computadores antes do ensino médio, isto é, mais ou menos aos quinze anos, é prejudicial à criança ou jovem. Ao usar um computador, a criança é obrigada a exercer um tipo de pensamento que deveria empregar somente em idade bem mais avançada. Com isso podemos dizer que os computadores roubam das crianças sua necessária infantilidade. Elas são obrigadas a pensar e usar uma linguagem que deveria ser dominada exclusivamente por adultos. Neil Postman já discorreu sobre o ‘roubo’ da infância das crianças, mas no contexto das telecomunicações [10, 11]. A tevê transformou muitas atividades humanas em show - o que não é apresentado sob forma de show não é bem captado pelo telespectador, que normalmente se encontra em estado de sonolência; para Postman, a tevê transformou também a educação em show. Nossa tese é que computadores, além de também possibilitarem a transformação da educação em show audiovisual, estão transformando nossa maneira de pensar, forçando o tipo algorítmico, lógico-simbólico, estando crianças e jovens mais sujeitos a esse efeito por estarem desenvolvendo decisivamente suas habilidades mentais. Tememos que esse tipo de pensamento venha a influenciar a maneira como o futuro adulto encarará a vida, a natureza, seus semelhantes e a sociedade. Esse tipo de pensamento é claro: é o pensamento que se pode inserir em máquinas - os computadores -, constituindo o que denominamos pensamento maquinal. Tememos que os jovens, se forçados pelo computador a exercitar ‘pensamentos maquinais’, tendam a usar esse mesmo tipo de pensamento ao tratar com a natureza e com outros seres humanos. Além disso, nunca houve uma metáfora tão eficaz quanto o computador para se comparar o homem a uma máquina e afirmar que as máquinas terão as mesmas capacidades que os homens [4]. Cremos que o ‘pensamento maquinal’ leva a essa mentalidade, com grandes e trágicos impactos na liberdade e na moral pessoais.

Levando em conta o fascínio que essas máquinas exercem, bem como a constatação da Pedagogia Waldorf de que é ao redor dos dezessete anos que os jovens mostram interesse por estruturas algébricas (por exemplo, a comutatividade da adição e da multiplicação), propusemos essa idade como a ideal para o aprendizado do software [1]. Depois de termos formulado essa proposta conceitualmente, pudemos verificar, na prática, que nossa estimativa estava correta. Organizamos há muitos anos, em nosso Instituto, uma atividade educacional para alunos de terceira série colegial denominada ‘Dia da Computação’, oferecendo num só dia (sábado) uma introdução compacta aos computadores [12]. Certa vez, por engano, tivemos uma classe de alunos de primeira série colegial, isto é, com cerca de quinze anos de idade. O resultado foi desastroso, pois esses jovens não encararam nossas atividades em classe e os microcomputadores com a seriedade necessária. Eles queriam apenas brincar com as máquinas, não seguindo as tarefas predeterminadas.

Consideramos, portanto, a idade de dezessete anos como sendo a ideal. Nessa idade os jovens podem apreciar um enfoque objetivo e crítico dos computadores, bem como apreciar as aplicações dessas máquinas à vida prática. Eles podem também avaliar as oportunidades profissionais - e de futuro estudo - que elas proporcionam. Em nossa casa, tivemos a experiência de ter ensinado rapidamente o uso de nosso micro aos dois filhos mais novos quando tinham dezessete anos, para que pudessem digitar o texto de seu trabalho de formatura na Escola Waldorf Rudolf Steiner de São Paulo. Para eles o computador foi um mero instrumento de trabalho, sem fascínio. Já na universidade, nosso terceiro filho aprendeu a programar, tendo desenvolvido uma capacidade muito boa para desenvolver programas. Não foi necessário ter aprendido muito cedo, e sua maturidade deu-lhe a oportunidade de aproveitar muito mais o conhecimento adquirido. Isso nos leva a um ponto muito importante.

Muitos pais crêem que é imprescindível seus filhos aprenderem computação o mais cedo possível (uma empresa, a ‘Futurekids’, com muitas filiais entre nós, conseguiu superar Papert: começa o ensino de computadores aos três anos de idade, o que para nós constitui verdadeiro mercenarismo). Isso é uma falácia. Não há qualquer necessidade de se aprender muito cedo a usar ou programar computadores. Seu uso está-se tornando cada vez mais simplificado, podendo-se aprender a empregá-los cada vez mais rapidamente, em qualquer idade. Tivemos essa experiência com nossos filhos (aos dezessete anos) e com nossa esposa, que é médica: em dez minutos pode-se dar as receitas básicas de como usar um editor de textos. Não há mais rejeição a essas máquinas, pois elas se tornaram muito comuns. Não há necessidade de convencer as pessoas de sua utilidade, pois quase já não há quem não as conheça de vista, de uso próprio ou de ouvir falar.

Um outro aspecto que consideramos importante é o fato de aos dezessete anos o jovem estar suficientemente formado para que seu desenvolvimento não seja prejudicado pelo tipo de raciocínio estreito, bitolado, abstrato imposto pelos computadores. Como dissemos anteriormente, jovens devem aprender os princípios básicos de funcionamento das máquinas e a utilizá-las criticamente, devendo isso ser feito na escola. Vejamos de que modo.

4. Como?

Na introdução a este artigo, expusemos nossa idéia de se introduzirem computadores na educação para mostrar o que são essas máquinas e como podem ser usadas em aplicações gerais, além de se desenvolver um espírito crítico em relação a elas.

Para fazer uma educação tecnológica, isto é, ensinar como funcionam os computadores e outras máquinas, propomos a instalação de ‘Laboratórios de Tecnologia’. Disciplinas dessa área já haviam sido sugeridas por R. Steiner para as escolas Waldorf, abordando-se o funcionamento básico de máquinas de sua época: telégrafo, telefone, motores a vapor, elétrico e a explosão, etc. Note-se que o aprendizado dos princípios do hardware envolve um aspecto de realidade física inexistente na área de software. Daí propormos aquele aprendizado mais cedo, dando-se quase nada de teoria, e sim o aspecto mais fenomenológico. Na Escola Waldorf Rudolf Steiner de São Paulo, o prof. William Bittar iniciou, em 1993, o ensino dos princípios do hardware no Laboratório de Tecnologia, introduzindo relés e circuitos lógicos na nona série (o currículo Waldorf abrange doze séries). Há várias experiências de ensino de hardware no âmbito da Pedagogia Waldorf - como, por exemplo, a de P. Wegner para a 11ª série e as de outros, todas no mesmo número de uma revista de educação Waldorf alemã [13].

Nossa proposta para a área tecnológica da computação no ensino médio é a seguinte:

Cremos que o ensino e prática do uso de correio eletrônico e da Internet deveria também dar-se no terceiro ano do ensino médio, pois aí os alunos terão maturidade para apreciar o que significa essa nova modalidade de comunicação pessoal e o que representam listas eletrônicas de interesse, bem como o acesso a bancos de dados remotos e a transferência de arquivos. Conhecemos uma experiência fascinante, desenvolvida pelo prof. Lowell Monke, na cidade americana de Des Moines, onde seus alunos de fim de high school acompanharam o desenrolar das eleições na África do Sul por meio de correio eletrônico, em contato com colegas e professores desse país. Um subproduto do contato de nossos alunos com esse tipo de comunicação talvez seja o despertar de um real interesse por línguas estrangeiras, especialmente pelo inglês, e a conscientização da importância universal dessa língua hoje em dia. Obviamente, para a Internet não ser encarada como uma brincadeira, é necessário ter muita maturidade, quando assuntos realmente relevantes poderão ser abordados ou procurados. Maturidade é também essencial para exercer o que se designa por netiquette, um código informal de comportamento para o uso decente de correio eletrônico; para se poder compreender os aspectos negativos desse veículo de comunicações, como a tendência a se enviarem mensagens telegráficas; e para o necessário autodomínio visando a não incorrer na excitação da resposta imediata, sem a calma reflexão de quando se utiliza o correio normal; muita maturidade e auto-controle são também requeridos para se usar a ‘World Wide Web’ com disciplina, buscando e lendo apenas o que for útil e interessante.

5. Conclusões

Procuramos, aqui, expor um resumo de nossas idéias a respeito do uso de computadores na educação. Cremos que essas máquinas devem ser consideradas como meros instrumentos para uma porção de atividades úteis, mas não empregadas no ensino de matérias que não sejam a computação propriamente dita, pelo menos até as últimas séries do ensino médio. O ensino está péssimo, mas o problema universal não é tecnológico, e sim humano. A escola do futuro não é uma escola mais tecnológica, e sim mais humana. Não será uma escola onde se abandonará o método tradicional de ensino - com professor-gente e salas de aula -, mas onde os professores se comportem mais como pessoas humanas e tratem seus alunos como tais, o mais individualmente possível; uma escola onde os alunos sejam atraídos para os assuntos ensinados por sua beleza e utilidade, e não por causa do meio empregado para transmiti-los. O computador trata todos os usuários da mesma maneira seca, fria e impessoal. Não é isso o que os alunos necessitam; eles necessitam de muita compreensão, amor e espírito de sacrifício da parte de seus mestres. Necessitam admirar seus mestres como indivíduos com experiência de vida, compreensão dos problemas da juventude e conhecimento. A escola e os professores devem encarar o ensino antes de tudo como uma arte, e não uma ciência, uma técnica ou um comércio.

A mentalidade tecnológica transformou nossa Terra num depósito de lixo industrial e automotivo. Nossas cidades tornaram-se locais destinados às fábricas a aos veículos de transporte, e não mais aos cidadãos que nelas moram. (Recentes experiências de criação de grandes bolsões de moradias com exclusivo tráfego local - até mesmo bairros inteiros, com sub-bolsões agrupando alguns quarteirões - têm mostrado que nesses locais a qualidade de vida dos habitantes melhora drasticamente.) A competição na educação cria adultos egoístas, anti-sociais, sempre querendo levar vantagem e não se importando com o fato de que, quando alguém ganha e fica feliz, isso acontece sempre em detrimento de outro que perde e torna-se infeliz. É preciso educar para a consciência social, a fim de se mudar toda essa mentalidade para reverter a aceleração da agressividade e da miséria social e individual. Para onde essa aceleração nos levará? Será que a humanidade suportará o crescimento dessa mentalidade anti-social, ou isso levará a explosões mundiais em que Ruanas, Haiti e Bósnias serão lembrados com saudades?

Essa mudança deve começar nas escolas. Cremos que a introdução precoce de computadores no ensino faz parte dessa lamentável aceleração, não se deixando crianças e jovens comportar-se de maneira infantil e juvenil. Estamos criando senis precoces, com mentalidade de adultos. Será que o raciocínio algarítmico, lógico-simbólico seco, morto, alienado da realidade, imposto pelos computadores em crianças e jovens, não prejudica a criatividade dos futuros adultos no âmbito profissional e social, onde nada há de bem definido, ao contrário do espaço apresentado por aquelas máquinas? Será que com isso esses pobres seres não terão muito mais dificuldade para reverter a tendência anti-social de nosso mundo moderno? Talvez eles venham a ser ainda mais anti-sociais, pois terão aprendido a admirar as máquinas numa idade em que não podiam encará-las objetivamente. Não terão aprendido que atrás de cada ser humano existe uma individualidade sagrada, que deve ser respeitada e venerada, e não os circuitos de uma máquina que aparentemente pensa. Sim, cremos que a mais terrível conseqüência do uso precoce de computadores na educação é fazer com que os futuros adultos adquiram uma veneração pelas máquinas, passando a crer que elas sejam superiores aos seres humanos e estes sejam máquinas... imperfeitas! As atrocidades dos nazistas e as que estamos presenciando na América, na África e na Europa serão insignificantes perto do que advirá, pois não há ética no trato com uma máquina --tudo será permitido e tolerado.
Ao contrário, a introdução de computadores quando os jovens já têm maturidade para encará-los objetivamente possibilita que essas máquinas sejam colocadas em seu devido lugar. Como substituem nosso pensamento, os computadores penetram em todas as atividades humanas. Com isso, devemos educar para seu uso com muito mais cuidado do que no caso de outras máquinas. Como já dissemos, os desastres causados pelos computadores em seu uso normal não são visíveis fisicamente. Esses desastres são, de certa maneira, muito piores, pois atingem a mente das pessoas, e por isso devemos ter um cuidado extremo em seu uso na educação. Quanto mais tarde esse uso se der, mais estaremos no lado seguro.

Referências

[1] Setzer, V.W. ‘O computador no ensino: nova vida ou destruição?’ In E. O. C. Chaves e V. W. Setzer, O Uso de Computadores em Escolas -  Fundamentos e Críticas (São Paulo: Scipione, 1988), pp. 70–123.

[2] Setzer, V.W, Computers in Education (Edinburgh: Floris Books, 1989); idem, Computer in der Schule? Thesen und Argumente, trad. L. Goecke (Stuttgart: Freies Geistesleben, 1992); idem, Tietokoneet ja Kouluikäiset? Väitteitä ja Perusteluja, trad. H. Harjunen (Tampere: H. Harjunen, 1993).

[3] Krugman, H.E. ‘Brain wave mesurements of media involvement’, Journal of Advertising Research, 11: 3–9, 1.2.1971; J. Mander, Four Arguments for the Elimination of Television (Nova Iorque: Wm. Morrow, 1978).

[4] Weizbaum, J. Computer Power and Human Reason: from Judgement to Calculation (São Francisco: W. H. Freeman, 1976).

[5] Lanz, R. A Pedagogia Waldorf - Caminho para um Ensino mais Humano, 4a. edição (São Paulo: Ed. Antroposófica, 1986).

[6] Steiner, R. A Arte da Educação Baseada na Compreensão do ser Humano, trad. Rudolf Nobiling (São Paulo: Associação Pedagógica Rudolf Steiner, 1978).

[7] Stebbing, L. Understanding your Child (Sussex: New Knowledge Books, 1962).

[8] Kline, M. O Fracasso da Matemática Moderna, trad. L. G. de Carvalho (São Paulo: IBRASA, 1976).

[9] Papert, S. LOGO: Computadores e Educação, trad. J. A. Valente et al. (São Paulo: Brasiliense, 1980).

[10] Postman, N. ‘The Disappearance of Childhood’. In Conscientious Objections (Nova Iorque: A. A. Knopf Inc., 1988), pp. 147–161.

[11] Postman, N. The Disappearance of Childhood.  (Nova Iorque: Vintage Books, 1994).

[12] Setzer, V.W. e R.Hirata Jr. ‘O Dia da Computação: uma introdução rápida ao computador e à computação. Ciência e Cultura 42 (5/7): 333-340, maio/junho 1990, e Caderno da Revista do Professor de Matemática, 4 (1): 27-38, 1993.

[13] P. Wegner, ‘Aus dem Unterrichtsfach Computertechnik’. Erziehungskunst, 55 (1): 41–50, jan. 1991.

[14] Setzer, V.W. e R. Hirata Jr., HIPO-PC: um software educacional para introdução ao computador. Relatório Técnico RT-MAC-8809 (São Paulo: IME-USP, Depto. Ciência da Computação, 1989).

[15]  Setzer, V.W. e F. Cavalheiro, ‘Algoritmos e sua análise - uma introdução didática’. Caderno da Revista do Professor de Matemática, 4 (1): 1–26, 1993.