MAC 339 (Graduação) e MAC 5800 (Pós-graduação)

Informação, Comunicação e Sociedade do Conhecimento

Tema 3.7 – Napster: uma bomba que atinge múltiplas instituições

(Outubro 2000)

Para melhor compreender porque o Napster é uma bomba, será mostrado um pouco da companhia que produz e sustenta o Napster, bem como um pouco sobre os seus executivos:

A empresa foi fundada em Maio de 1999, atualmente tem 45 empregados.

O Napster é a principal comunidade no mundo de arquivos compartilhados. Recentemente, em uma rodada de oferta de ações a empresa conseguiu $15 milhões.

O seu time de executivos conta com os seguintes colaboradores:

Hank Barry, Chief Executive Officer (Interim)
Hank Barry tem 15 anos de experiência trabalhando em empresas de tecnologia, com atuações notáveis em várias instituições onde trabalhou. Formado em Direito em 1983 pela Universidade de Standford. É bacharel em economia pela Universidade de Michigan em 1980.

Shawn Fanning, Founder
Shawn Fanning é responsável pelo crescimento da tecnologia e dos negócios do Napster. Ele desenvolveu a aplicação Napster original.

 

Milton E. Olin, Jr., Chief Operating Officer
Milton Olin iniciou sua carreira como advogado em uma empresa em Los Angeles, passou por funções importantes como vice-presidente em gravadoras, trabalhou até em uma divisão da Polygram. Doutorado em Direito e como universitário em
"University of California at Santa Barbara", formou-se com altas homenagens em Psicologia e Sociologia.

Edward Kessler, Vice President of Engineering
Eddie Kessler supervisiona todos os aspectos tecnológicos das operações do Napster e lidera o crescimento e implementações de todos os seus núcleos tecnológicos.

Eddie é graduado em psicologia percepção musical em Harvard University, e tem feito estudos avançados em Standford NYU, Columbia, and RPI.

Lyn Jensen, Chief Financial Officer and Vice President of Operations
Lyn Jensen é responsável pelas finanças, contabilidade, recursos humanos, administração, orçamento, planejamento e operações.
Lyn é graduado na Golden Gate University. Ela recebeu sua licença CPA na California.

Don Dodge, Vice President Of Product Development
Don Dodge é responsável pela Engenharia de Software do Cliente, gerenciamento do produto e desnvolviemtno de negócios.
Don é bacharel em contabilidade em University of Southern Maine e M.B.A. em New Hampshire College.

Elizabeth Brooks, Vice President Of Marketing
Liz Brooks é responsável por todas as atividades de marketing.

Após conhecer um pouco da empresa, e podermos avaliar a potência que ela é, tanto se falando financeiramente, quanto tecnologicamente, consequência dos seus profissionais. Antes de conhecer as transformações causadas pelo Naspter em várias instituições, vamos entender alguns conceitos tecnológicos que o acompanham e o seu conceito:

O que é o Napster?

Napster é um software que nos permite encontrar uma música, pela conexão de um computador com outros milhares utilizados por outros usuários. Napster é o caminho mais simples para localizar uma música em formato MP3, que pode ser compartilhada por várias pessoas de uma comunidade de música

Para que esta definição fique clara, é importante que se conheça todos os aspectos que estão envolvidos na tecnologia utilizada pelo Napster.

Atualmente, toda a rede internet utiliza a arquitetura de rede "Cliente/Servidor", que surgiu por volta de 1990, e que foi popularizada pela empresa SUN, que na época até usava o seguinte slogan para a empresa: "The network is the computer".

O Napster quebrou este padrão, ele não utiliza a arquitetura cliente/servidor para se comunicar, mas uma tecnologia que está criando um novo paradigma computacional: peer-to-peer (p2p).

Enquanto na arquitetura Cliente/Servidor, se tem uma máquina (servidor : com maior capacidade de processamento que as demais), e várias máquinas conectadas ao servidor que seriam o(s) cliente(s), na arquitetura peer-to-peer, não existe essa assimetria Cliente/Servidor, nesta não há distinção entre qual é a máquina cliente e qual é a máquina servidor. Nesta arquitetura a comunicação simétrica e privada é estabelecida entre dois computadores quaisquer desconhecidos.

No caso do Napster ele utiliza a tecnologia peer-to-peer para se comunicar da seguinte forma: cada usuário reserva uma área do seu computador onde ficarão as músicas em formato MP3, e o Napster conectará os computadores usando apenas esta área. Este aspecto é muito importante, porque a utilização do Napster garante a segurança, já que ele compartilhará apenas os arquivos válidos em formato MP3, e não existe nenhum caminho para o usuário fazer um browse de arquivos de outro tipo.

O MP3 é um formato de compressão de som que comprime os arquivos até 10 vezes sem perda da qualidade.

Exemplo de utilização do Napster:

Desejo ouvir uma música, mas não sei onde pegá-la???

 

Utilizo o programa Napster, seleciono qual música desejo e ele vai em busca em qual computador está a música que quero, conforme a figura abaixo.

 

Paradigma computacional:

Existe um paradigma computacional, criado pelas novas tecnologias, e para ilustrar pode-se ter:

ANALÓGICO

DIGITAL

Régua de cálculo

Computador

Disco de vinil / fita cassete

CD-Audio (1980)

Linha telefônica

Linha telefônica digital

Fita de vídeo VHS

DVD

Sinal de TV, ondas de rádio, TV a cabo

TV digital

 

O maior benefício e ao mesmo tempo é o que gera a mudança de conceitos, é que na tecnologia digital a cópia tem custo zero sem perda de qualidade, isto era impossível no mundo analógico.

Todas as possibilidades e facilidades de cópias oferecidas pela tecnologia esbarraram na legislação de: "Propriedade Intelectual".

A propriedade intelectual é uma convenção social que foi beneficiada pela tecnologia incipiente. Esta convenção social foi legislada e atualmente segue-se o que está na legislação, por exemplo as Leis americanas já tem 200 anos, e vem apenas sofrendo adaptações.

Existe um conceito primitivo sobre Propriedade intelectual, que coloca esta como um direito natural, onde o autor decide o que vai acontecer com a sua criação. Esta relacionado ao direito de propriedade.

A barreira tecnológica acabou, e a própria sociedade exige mudanças urgentes na legislação da propriedade intelectual, visto que estas para a rede internet são muito ultra-passadas.

 

Instituições afetadas pelo Napster:

- Indústria fonográfica

- Varejo de distribuição

- Produtores de música

- Autores de música

- Pessoal coadjuvante

- Consumidor da música

* Os processos são hierarquizantes e excludentes. Todas estas instituições deverão ser renegociadas.

As instituições estão se sentindo ameaçadas, porque o Napster tem atuado como um vulcão mudando interesses econômicos, culturais e legais; e por isso vão a justiça e ao legislativo na tentativa de impedir o avanço do processo.

 As ações contra o Napster têm sido movidas pela indústria fonográfica e pela banda metálica, elas querem que se façam valer o direito de propriedade intelectual na rede, tal qual ele é hoje. Porém, o Napster surge como um vulcão social exigindo mudanças radicais, pedindo que seja alterada a legislação que rege a propriedade intelectual.

Por exemplo o Lessig defende o movimento "Open Everything", inclusive o "Open Source", caso do Linux.

Existe um ponto muito forte a favor do Napster, que é a defesa da sociedade da necessidade de disseminar a informação, assim como a análise de todos os benefícios trazidos pelo Napster, que são muitos.

Por isso pode-se representar o seguinte quadro:

Direitos Autorais

  • Gravadoras e Banda Metálica

  • Vulcão social
  • Defesa de valores da disseminação da informação

     

    Exemplos de problemas em outras áreas:

    Caso CSS: para não acontecer como na indústria de som, a indústria de vídeo tomou a precaução de desenvolver uma codificação para impedir a cópia do DVD, o que na verdade ocorre é que se pode copiar o disco, porém só se pode rodá-lo, ou seja ele só pode ser lido, nas máquinas fabricadas por um determinado grupo, que podem decodificá-lo.

    Em relação a esta conduta podemos destacar alguns aspectos técnico-científico em relação a criptografia.

    Por exemplo em uma lei antiga na França, era proibido criptografar.

    Atualmente nos Estados Unidos é permitido criptografar, desde que a aplicação não seja para o governo. Não interessa para eles que outros países criptografe.

    Na era em que estamos na internet, a lei de criptografar pode ser prejudicial. É um grande mercado para os países que não possuem restrições.

    O algoritmo de criptografia deve ser aberto para servir à sociedade.

    Atualmente já estão começando a usar o "watermark", ou seja a marca d’agua em bens de informação.

    Antigamente o número de bits em um CD era tão grande que as gravadoras não se preocuparam em criptografar, porém com os DVD’s já estão tomando este cuidado, como descrito acima no caso CSS.

     

    Tem-se o DMCA (Digital Millenium Copyright Act) que proíbe a decriptografação, porém já está na imprensa o seguinte acontecimento:

    Um garoto de 16 anos, utilizando o sistema operacional Linux, desejava fazer um driver para ler DVD neste sistema operacional e por este motivo, ele conseguiu quebrar o código de proteção, não apenas permitindo copiar o DVD, como também é possível tocá-lo em outros equipamentos, e ainda se pode fazer alterações no sinal verdadeiro e comprimí-lo. Um filme comprimido caberá em um CD de 600MB.

    A indústria de cinema já está processando este garoto. Um dos defensores da indústria cinematográfica, o Jack valenti, que é presidente do MPAA (Sindicato das indústrias de filme), debateu com o Lessig este assunto. Para maiores detalhes veja:

    http://cyber.law.harvard.edu/futureofip/

    Neste caso volta-se ao conceito de propriedade intelectual que deve ser repensada, pois o Jack Valenti argumenta simplesmente que a decriptografia é ilegal, não importando para que fins ela foi feita, se eram fins bons (construtivos) ou não.

    São conflitos de valores, somente a sociedade poderá determinar o que ela quer para o futuro.

    Como complemento destas anotações leia e analise os seguintes apontadores:

     http://napster.com

     http://dl.napster.com/lessig.pdf

    http://www.ime.usp.br/~is/papir/direitos/index.html

     http://slashdot.org/article.pl?sid=00/10/01/2337200&mode=thread

     Estas notas foram preparadas por Regina Rocha de Morais regi@ime.usp.br

     

     

     

    Adendo: Equilíbrio entre produtor e consumidor de bens de informação

    Basicamente, toda a motivação em volta dessa discussão gira em torno de duas coisas. Suprir a sociedade de informação de boa qualidade e manter o direito natural do autor de influir sobre o uso da sua criação.

    Toda essa história de monopólios e direitos apareceram após a possibilidade de se gerar cópia (~ 1750, Inglaterra). A Constituição Americana dá um monopólio limitado ao autor sobre sua obra, com a idéia de que este possa receber fundos e poder continuar se dedicando a criação destas obras. Tem a lei de copyright, para coisas escritas, e a leis de patentes, para invenções. Uma coisa que surgiu hoje em dia foi o fato que temos conglomerados (editoras, p.e.), que detem esses direitos autorais e querem esticar esse período de patente por anos e anos, visando a sobrevivência da mega-empresa. Existem brigas, uma delas encabeçadas pelo prof. Lessig, visando diminuir esse tempo, pois hoje temos o absurdo tempo de 90 anos, que mostra que passa longe o interesse em garantir fundos ao autor da obra, pelo menos com tempo médio de vida do homem de hoje...

    O argumento é muito bom, mas quando se fala numa indústria responsável por 10% do PIB americano, as coisas não são simples assim. São exército de advogados envolvidos e temos visto que o poder econômico continua preponderante. Seriam necessárias mudanças profundas na sociedade atual, a nível inclusive de legislação perdurante há vários anos...

    Um pouco sobre o mundo das cópias

    Uma cópia é uma operação muito simples, mas com conseqüências complexas. Não só falando de cópia de bits. Hoje em dia a área de mapeamento de DNA está aí e a idéia de replicar seres vivos dá discussão pra meses. Vamos tentar defender os dois lados, a favor e contra as cópias.

    A favor sempre a idéia de compartilhamento de informações entre a sociedade. A propagação da cultura  entre a comunidade, o "fair use", e o exemplo do movimento em torno do software livre. Contra, a idéia da propriedade intelectual. E o fator determinante é sempre a tecnologia.

    Houve algo somelhante ao caso napster, há um tempo atrás, que foi o caso do VHS. Com essa tecnologia, podia-se tirar cópias de filmes produzindo réplicas não tão perfeitas quanto as originais, mas praticamente muito boas. Houve um combate em cima disso, dizendo que isso prejudicava as produtoras e pessoas envolvidas, que não iriam poder aproveitar esse software, coisa e tal. No fim das contas o vhs pegou e indústria gostou do resultado e deixou de lado a batalha jurídica. Um fator determinante é que como o meio era analógico, a cópia sempre perdia qualidade em relação ao original. No caso do napster e do mp3, a coisa é diferente, pois no meio digital a cópia é fiel a origem. E não tem custo. No caso do vhs, era necessário o aparelho especial e a fita virgem. No caso dos bits, necessita-se apenas do espaço para a nova cópia, o que definitivamente não é problema no caso dos mp3.

    Um detalhe interessante é que o simples ato de navegar pela web envolve uma cópia de um fonte html para o seu micro. As maiores operações na Internet são baseadas em cópia. Não é tão óbvio quanto replicar um documento numa máquina de xerox, mas mesmo assim é uma cópia.

    A sociedade, as leis e a rede.

    Tomando como base a sociedade americana, que hoje é o lugar onde essas coisas estão sendo discutidas, dá pra ter-se um exemplo que o método de interação das leis com a comunidade não servirá pra regular essa discussão. Normalmente, as coisas seguem um caminho que começa como um hábito social, vai pro legistavo e é acertada pelo judiciário, num processo muito técnico mas estritamente lento para o ritmo que corre a Internet. Estamos querendo comparar um processo exponencial com um logarítmico. Sempre surgirão escapatórias para medidas frágeis, como fechar serviços na internet ou bloquear sites. No caso do napster, por exemplo, existem as gravadoras que querem fechá-lo pra elas mesmas poderem oferecer os serviços e ganhar com isso.

    Mas felizmente (ou não???) a arquitetura da rede favorece o livre. Ela ainda determina como a informação anda, de onde sai, por onde e pra onde vai. E isso é muito difícil de ser mudado, pois será necessário um outro processo exponencial para mudar o paradigma da rede.
     

    Adendo escrito por Alex Pires de Camargo <acamargo@linux.ime.usp.br>, referente a aula de 10/10/2000.

     


     

     

     

    Adendo: Continuação do estudo sobre o Napster

     

        O objetivo da aula de 05/10/2000 é tentar encontrar as instituições afetadas pelo Napster e estudar o impacto do Napster na renegociação dessas instituições.

        O Napster, como uma novidade científica e tecnológica, implica num vulcão social de grandes dimensões, que atinge inúmeras instituições e inúmeros interessses, de todo tipo, como econômicos, culturais, legais, ...
    e essas instituições atingidas usam os meios sociais, para tentar fazer prevalecer seu ponto de vista, defender seus interesses.
        Na semana de 09/10/2000 estará acontecendo o julgamento do caso Napster, e como principal acusação contra ele está a violação dos direitos autorais. Contra ele estão as gravadoras e conjuntos, como a Metallica. O que o Napster tem a seu favor é o vulcão social, que não nos permite saber ainda o que realmente está acontecendo, e os valores de disseminação da informação.
        Por trás desse julgamento percebe-se uma questão que está presente em nossa cultura: quando uma empresa é atingida por algo que a prejudica, ela grita, entra com processos, ..., mas quando a sociedade é atingida, quem grita por ela?
     
        Lessig é um advogado com vasto conhecimento, muito culto e atualizado, e hoje é considerado o porta-voz dos valores da Internet. Ele tem um artigo muito interessante (http://dl.napster.com/lessig.pdf),
    que o professor pediu para ler para essa aula, falando sobre o caso Napster. Por ser um artigo apresentado à côrte, existe uma certa sistemática e talvez ele não tenha podido expressar tudo o que pensa sobre o assunto. Mais sobre esse assunto será discutido na aula de 10/10.

    Acrescentando aspectos técnicos-científicos ao caso Napster


        criptografia: no meio desse rolo causado por esse momento de transição, está a criptografia, que nos leva às seguintes questões: o que pode ser criptografado? Quem pode critptografar? Quanto se pode criptografar?
        Exemplos dessas divergências são os governos francês e norte-americano. O governo francês diz que é proibido criptografar, mas se isso fosse levado a série ninguém poderia usar Netscape na França, pois muitas transações são automaticamente criptografadas por ele.
        Já o governo norte-americano diz que é permitido criptografar, mas desde que seja trivial para o governo decriptografar tais dados. E isso se aplica também para as potências estrangeiras.
        Comentamos isso porque, no caso Napster, poderia-se usar a criptografia para proteger a questão dos direitos autorais, onde só seria divulgada a chave para quem comprasse a música, mas daí eu deveria encontrar formas de evitar que essa chave fosse divulgada.
        Poderia-se também usar a tecnologia de marca d'água (watermark) nos bens de informação. Essa tecnologia consiste em inserir uma seqüência aleatória de bits dentro de um arquivo, sem alterar o funcionamento ou interpretação deste, e dentro desses bits extras há um código criptográfico que serve para autenticar o arquivo. Se esse arquivo for reproduzido sem autorização esses bits extras não reproduzirão a chave correta e, portanto, o arquivo não será autêntico. Um exemplo disso são os Ovos de Páscoa, programinhas pequenos que são incluídos dentro de outros programas e que são ativados quando se executa uma certa seqüência de ações. São comuns nos aplicativos da Microsoft, como Word e Excel, entre outros.
     
        Foi discutido no final da aula sobre a propriedade intelectual, e o professor citou um debate muito interessante entre Lessig e Jack Valenti, presidente há 34 anos do MPAA, o sindicato das indústrias de filmes. Esse debate está disponível na rede ( http://cyber.law.harvard.edu/futureofip/ ). O que mais se destacou nesse debate foram as idéias de Jack Valenti, dizendo que é ilegal decodificar algo criptografado porque isso está na lei, pouco importando se isso é justo ou não. Conforme reparou o professor Imre, esse comportamento é muito similar ao dos defensores da escravatura no Brasil do período colonial, pois naquela época a lei considerava os escravos como bens.
     

    Comentários de aula de Muhamad Salem Sugui

    Adendo escrito por Muhamad Salem Sugui <muhass@linux.ime.usp.br>, referente a aula de 5/10/2000.

     



    MAC 333 A Revolução Digital e a Sociedade do Conhecimento


    e-mail: Imre Simon <is@ime.usp.br>